Capítulo Único

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[24 de dezembro de 2017]

James já tinha escutado várias histórias azaradas que aconteciam durante as nevascas que precedem o natal. Trem cujo trilho enguiçou no meio do percurso por causa da neve era o mais comum de ser noticiado nos jornais. Mesmo assim, todos os anos as pessoas insistiam em tomar o transporte e ser parte de mais um desastre, de certa forma, ambiental. Só que ficar preso no meio da estrada porque o carro tinha resolvido vingar-se das longas horas de viagem era realmente novidade para ele.

Assim que pisou fora do estofado, já sentiu a temperatura abaixo de zero, mesmo com todas aquelas camadas de roupa cobrindo-o e tentando esquentá-lo. Caminhou para a frente do carro, tentando ver qual era o problema do motor, mas ele não era nenhum mecânico e todo aquele frio deixava a tarefa de pensar cada vez mais difícil. Fechou o capô, pensando que ele poderia congelar-se se ficasse aberto por mais tempo. Naquele momento, ele não duvidava de mais nada.

Lembrou-se das suas férias do ano retrasado, quando ele viajou com seus melhores amigos para a Austrália e aproveitou o calor do sol e das praias. Fechando os olhos, ele quase podia ter aquela sensação outra vez. Pelo menos, até que o vento o atingiu, lembrando-o de onde estava. Começou a caminhar para longe, pensando se Sirius e Remus o encontrariam ali.

Era para os três estarem no mesmo carro, mas com Sirius atrasado como sempre e Remus tendo uns assuntos da faculdade para resolver, ele acabou saindo sozinho. Teria sido bem mais interessante enfrentar aquela situação conversando com eles. Não precisava olhar para o celular para confirmar que estava fora de área.

Manter o corpo em movimento ajudava a espalhar o calor, embora ele quisesse ficar trancado com o aquecedor. Ele conhecia aquela área, embora tivesse caminhado poucas vezes por ali. No geral, os lados da rua eram ocupados por casas, mas uma cafeteria fez-se familiar. Ele bufou e sua respiração saiu de sua boca como fumaça, congelando assim que entrou em contato com o ar.

Estava a 54 milhas de Londres na véspera de natal!

A placa que dizia "Dottie's Cafe" estava coberta de gelo. James não duvidaria que ela pudesse quebrar se alguém encostasse nela. Por sorte, era alta o suficiente para impedir que isso acontecesse.

Embora a porta de vidro estivesse fechada, era chamativo o aconchego e conforto caloroso que o convidava. Ele entrou, sem fazer-se de rogado, sentindo rapidamente o efeito dos aquecedores. Tinha até uma lareira tradicional escondida atrás de uma mesa, provavelmente apagada há tempos. Mesmo assim, aquela decoração rústica o agradava, e combinava bastante com o tempo lá fora. Não podia evitar olhar para toda aquela madeira e pensar em fazer uma grande fogueira para aquecer a todos — alerta de tendências piromaníacas.

Foi para a mesa mais afastada da porta que conseguiu, mas não tinha muitos lugares disponíveis. Olhou ao redor, observando algumas pessoas lendo ou jogando xadrez, o silêncio era algo contraditoriamente ensurdecedor naquele lugar. Só se escutava os sons vindos da cozinha e dos aquecedores. Assim que acomodou-se, pegou o cardápio, considerando de bom tom pedir algo, já que passaria algum tempo ali. Junto do nome dos pratos, tinha furos que James reconheceu como braille e desenhos de gestos de mãos, que ele supôs ser linguagem de libras.

Olhando para outra mesa, ele pôde ver uma garota repetindo os gestos sem desviar os olhos do cardápio, claramente perdida. Remus já tinha comentado daquela lanchonete, mas James nunca tinha ido até então. E certamente não planejava uma visita naquelas circunstâncias. Abrir a boca para qualquer coisa, mesmo para suspirar, soava errado, sabendo que provavelmente nem as garçonetes eram capazes de escutá-lo.

Oras, mas tinha braille no cardápio, não?

Parecendo notar o quão perdido estava, uma das únicas garçonetes do estabelecimento foi para perto dele, sorrindo gentilmente. Não pôde evitar espantar-se, por fim. Como que alguém resolvia trabalhar em plena véspera de natal?

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