Solidão

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Os desprazeres da noite ainda tamborilavam na cabeça de Camila.

Desgostosa, ela espreguiçou-se em sua cama e empurrou com os pés seu cobertor no chão gelado, sentindo o ar frio da madrugada impregnar os poros de seu corpo nu e o meloso ressecado em suas curvas. Doce e ingrata lembrança.

Olhou para lado. O travesseiro vizinho estava desocupado, sem cabeça caída, e o lençol esboçava apenas marcas daquilo que fora uma péssima noite. O relógio dizia que ainda faltavam duas horas e meia para as seis da manhã e, aparentemente, a única pessoa acordada naquela casa era a própria Camila. Ela não escutava som algum.

Ergueu-se. As solas de seus pés estavam tão duras quanto as ourelas de seus seios. Caminhou com atenção, receosa que pisasse em algum caco de vidro daquilo que chegou a ser uma garrafa ou em algum corpo desacordado e inerte.

A vista, já não tão turva, lhe indicava que ainda havia visitantes. Mas eles não estavam em condição de vê-la perambulando pela casa.

Tomou cuidado para não pisar em Ricardo que, de cueca, dormia – pelo menos era o que Camila esperava – abraçado com uma garrafa de vinho barato. Esticou a outra perna para evitar contato com o corpo escancaradamente pelado de uma garota que Camila não conhecia, fazendo-a pensar, enquanto apoiava-se no móvel e virava a direita para não tocar seu pé na bunda branca empinada de Rogério, que estava montado e desmaiado em cima de um pufe, o que ela estava fazendo ali.

Camila ainda contou sete corpos, três de mulheres e quatro de rapazes, estirados, todos desnudados, alguns uns sobre os outros, pelo chão da cozinha. Ouviu um barulho tímido no quartinho da empregada e reconheceu, ao esticar seu pescoço, Roberta sentada sobre as pernas de João, de costas para ele, e encaixada em Pedro. Ainda viu um corpo gordo sujo de vômito jogado próximo ao trio, que ensaiava movimentos elétricos.

- Roberta, você viu o...? – disse, com um pouco de dificuldade, sentindo sua saliva pastosa predominar sobre sua fala.

- Ah...ele...não....vocês...hum...!

- Não...

- Ele foi embora... – disse João, rapidamente, terminando a frase com um grito fraco.

- Mesmo...? – nenhum dos três respondeu.

Camila deu meia volta e deixou o trio para trás a continuar sua atividade. Passou pelos corpos caídos da cozinha e da sala e voltou ao seu quarto.

Ficou impotente em pé frente à janela. Não se importava com as rajadas de vento que estouravam sem seus seios.

Silêncio.

Sozinha.

Sentiu os olhos arderem.

Lágrimas quentes escorreram por seu rosto. Os dentes batiam uns aos outros. O peito doía.

Silêncio.

O peito doía e o silêncio angustiava. Nenhum som, nenhum ruído, nenhum zunido.

E, de peito doendo, deitou em sua cama. Soltou um gemido doloroso, aflito. Seus olhos estavam quentes e seu rosto salgado. O coração despedaçava e ardia, febril.

Chorando, passou vagarosamente a mão pelo corpo, sem pressa, até pousá-la entre as pernas. Estava na hora de sentir-se bem.

Talvez a infeliz companhia de horas atrás não fosse tão ruim. Sozinha ela não estaria agora.

Reinava o silêncio de seu choro enquanto se tocava. E agradecia. Assim, ao menos, não ouvia seus gritos.

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