Capítulo 11 - Mácula

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Capítulo Onze - Mácula

No parapeito da janela de seu quarto, Naren viu pela primeira vez a bolinha laranja flamejante. Sentiu seu coração cerceado. Sabia que tinha chegado a hora mais temida. Foram descobertos. Era hora de fugir!

Não sabia se levava o máximo de coisas que conseguisse ou se simplesmente deixava tudo para trás. Estava agitada por isso optou por respirar fundo e focar no que realmente era importante: sair do reino sem ninguém se aperceber. Olhou uma última vez para o seu quarto. Sabia que iria sentir falta daquele espaço tão acolhedor e tão pessoal.

Este quarto era completamente diferente do resto do reino. De aspirações minimalistas, a mobília constituía-se de uma cama enorme acompanhada de duas comodas, uma estante, uma escrivania e um guarda-roupa, num branco tão imaculado, tão níveo, que transmitia uma sensação de paz inacreditável. A mobília alva fazia-se acompanhar de cortinas e tapetes cor lavanda, a sua cor preferida. Os cravos lilases no jarro de cristal trabalhado eram de um charme indubitável e complementavam um antro de puro bom gosto e requinte.

Naren suspirou, ela adorava o seu quarto. Decidiu não levar nada. Não daria muito jeito carregar um monte de trocha enquanto tentasse escapar discretamente. Despiu seu tradicional vestido preto sem alças e colocou um par de jeans azuis- escuras e uma blusa preta de gola alta e mangas curtas. Prendeu, com uma das mexas, seu cabelo, cada vez mais descomunal, vermelho e crespo, num coque emaranhado. Olhou para seus pés e viu-se descalça. Quase se esquecia dos sapatos. Agarrou em suas botas de cano alto que lhe chegavam aos joelhos. Calçou-as e fechou o fecho de prata, uma das extravagâncias de Melina. Deu dois passos e certificou-se que eram perfeitas já que não tinham saltos e com elas podia correr maratonas. Preferiu não pensar duas vezes. Tinha medo de se arrepender, de desistir. Era a hora perfeita pois o amanhecer em Trévaz era marcado pelo silêncio absoluto, já que todos os vampiros se recolhiam após a caçada. Era a hora em que os morcegos descansavam e portanto teria melhores probabilidades de sumir sem se fazer notar. Olhou janela fora, viu que estava escuro como a noite e pensou «Que vampiro estaria em pé as quatro da manhã?». Encheu o peito de coragem e abriu a porta do quarto. Deteve-se. Tinha a boca seca de sede e pensou que seria melhor ideia levar pelo menos uma sacola com embalagens de sangue que roubara do hospital na noite anterior. A sede seria muito inconveniente na hora da fuga. Não sabia por quanto tempo teria de se esconder por isso optou por dez pacotes de sangue tendo de levar assim, uma sacola muito maior do que esperava. Não tinha outra escolha. Olhou-se no espelho para fazer uma leitura rápida de sua aparência. «Roupa prática que não chama atenção: certo; sacola preta que também não chama atenção: certo; botas confortáveis: certo; cabelo apanhado: certo… mas não certo o suficiente». A cascata ruiva, apesar de amarrada, podia ser vista a quilómetros de distância. Além de seu pai, ela era a única no reino com o cabelo assim tão avermelhado e por isso chamaria atenção ainda que se tentasse camuflar na escuridão da madrugada. Assim, decidiu colocar um casaco que tinha um capucho enorme e que cobriria o cabelo cor de rubi. Respirou fundo mais uma vez, Lutus já deveria estar a sua espera. «O que será que terá acontecido?». Sem tempo para reflexões, Naren abandonou o quarto e correu em direção ao corredor principal.

O corredor principal era longo e comicamente chamado de “corredor da morte”. De luzes fracas, este tinha retratos em tamanho real, dos tês chefes de Trévaz. Entre as duas vampiras estava Dero, imponente e de olhar pragmático. Abaixo do retrato central encontrava-se uma mesa com cravos negros. A mesma espécie rara de flores que decoravam, a vinte anos atrás, o quarto de Sheilla, a humana que dera a luz às gémeas. Esta que morrera para dar a vida as suas filhas, era homenageada na flora decorativa do corredor escuro. Todos os que passavam por aquele corredor, faziam-no numa lentidão inatural, em respeito a hierarquia representada na pintura dos rostos dos vampiros mais poderosos da face da terra. Até as gémeas, que não tinham nenhum tipo de temor ou esguardo por tais identidades, respeitavam o passo lento, quase obrigatório daquela zona. Porém naquela noite, não havia lugar para burocracias e por isso Naren corria corredor adentro, focando-se numa das três alternativas finais: a saída. Ela focalizava na saída como uma leoa que focaliza em sua presa. Era ela, o grande portão e nada mais. O portão era seu único objetivo.

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⏰ Última atualização: Jun 22, 2012 ⏰

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