SEGUNDO CAPÍTULO

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Ainda estou parada, olhando para a pessoa que se encontra há poucos metros de mim.

— Menina! Tu não sabe o susto que eu levei! — El? se levanta da mesa e vem me receber de braços abertos, seu cabelo é mais longo que o meu e como tem uns bons vinte centímetros de vantagem na altura, ao se abaixar até mim sou rodeada por seus braços esguios e por seu cabelo também, me deu um longo abraço como se me conhecesse havia muito tempo. Seja lá quem for, já adorei.

— Desculpa, não foi a intenção — sinto meu rosto corar um pouco. Maldita timidez.

— Relaxa Mona, você deve ser a Clarice, eu fiquei esperando você chegar e já tava super ansiosa — sua voz é calma e segura minha mão delicadamente, nos conduzindo até a o sofá da sala, nos sentamos e começamos a conversar sobre coisas básicas, nome, de onde vim e pra qual curso vou.

Ela se apresenta como Marcela, ela é uma pessoa trans ainda no início da transição e me conta que escolheu esse nome pois sempre quis que a chamassem assim, cursa Artes Visuais na mesma universidade que eu, mas já está no terceiro ano do curso. Lentamente entramos em uma conversa sobre tudo, tudo mesmo, me abri com uma pessoa que mal conheço mas a impressão que tenho é que a conheço há décadas, quiçá vidas inteiras.

Não entendo muito do assunto gênero e isso não lhe passa despercebido, com toda a paciência, me explica em termos simples e rápidos, o que é ser trans, mesmo que não compreenda muito bem, continuo ouvindo e me esforçando pra assimilar o que é o que. Ela aparentemente lê meus pensamentos e dá risada.

— Você não precisa pifar o seu cérebro tentando entender o que eu sou, só me ouvir já é o suficiente, com o tempo e o convívio com a informação você vai ligar um pontinho ao outro — dá um sorriso lindamente sincero no final e eu suspiro aliviada.

— Obrigada por ouvir minha tagarelice sobre família e tudo mais — agradeço e me aproximo para abraçá-la mais uma vez. Nesse momento escutamos o barulho da porta de entrada sendo aberta e algumas vozes femininas chegam junto com a brisa leve que entra pela porta agora aberta.

De onde estamos, assisto o pequeno hall de entrada onde estava até algum tempo atrás ficar lotado com várias garotas, que quando se viram dão de cara comigo sentada, ainda meio abraçada à Mar, por um instante que me parece desesperador, todas elas olham pra mim e ficam no mais absoluto silêncio. Abruptamente, todas elas vêm correndo se sentar próximas à mim e fico perdida, o que devo fazer?

— Meninas vocês tão deixando a coitada em choque! Se controlem bando de amapô sem noção!

♥~♥~♥

Feitas as apresentações básicas (tenho certeza que ainda vou trocar os nomes): Julia, Eliane, Nayara, as gêmeas não tão idênticas: Ísis e Iasmin, Marcela e a nova integrante da casa, eu própria.

Me sinto cansada de toda a viagem, e elas parecem notar isso, discretamente, me liberam para conhecer meu novo quarto, que na verdade vou dividir com Nayara, é um quarto pequeno mas muito bem arrumado. Me sento na cama e olho ao redor, tudo tão diferente da minha antiga casa, e para minha surpresa, me sinto estranhamente habituada ao novo ambiente.

Nayara entra no quarto e quase não a vejo atrás da pilha com vários livros e papéis que empilha desajeitadamente, se senta em sua cama, derrubando tudo na mesma e minha curiosidade me vence.

— O que é tudo isso? — por um instante acho que ela me ignora, mas percebo que ela está tão concentrada em organizar a papelada, agora meio jogadas na cama, que sequer notou que tinha falado com ela.

A observo por alguns instantes, ela é linda, cabelo escuro e pele morena, totalmente voltada para sua própria organização, parece desligada do mundo. Decido por não atrapalhá-la e começo a organizar minhas roupas, há apenas um armário no quarto, e minha companheira de quarto teve o cuidado de deixar divido certinho. As coisas dela na metade direita e as minhas coisas com um espaço reservado no lado esquerdo do guarda-roupa.

Ela parece ser muito disciplinada, sendo assim meu total oposto, que vivo fazendo bagunça e demoro muito tempo pra ter a vontade de começar a organizar. Será que vamos no desentender por isso? Olho pra Nayara de novo, e ela parece tão serena enquanto separa suas coisas em diferentes montes, tenho a sensação que é difícil que alguma coisa a irrite.

Termino de separar minhas roupas e preciso saber onde coloco os meus livros, definitivamente agora preciso interrompê-la, então vou em sua direção e me sento no chão à sua frente.

— Nayara? — ela dá um pulinho de susto com minha voz.

— Ah! Desculpa! Eu tô separando as coisas que não vou mais usar esse semestre e fico totalmente absorta quando faço isso! — ela cora levemente.

— Não se preocupe, eu só queria saber se tem algum lugar pra guardar meus livros, não vi nenhuma prateleira!

— Aliás, pode me chamar de Nay, e tem um quartinho meio bagunçado no final do corredor, é um tipo de mini-biblioteca-temporária, mas pelo visto vai ser definitiva porque já usamos há uns três anos! — ela ri.

Agradeço a informação, deixo Nay e suas folhas no quarto.

É uma salinha realmente pequena mas tem tantas prateleiras que parece crescer, algumas estão cheias, mas outras estão vazias, escolho uma e coloco meus livros, alguns romances e alguns livros que vou usar no decorrer do semestre. Faço o caminho de volta para o quarto, mas ao abrir a porta me deparo com Nay cochilando em cima de suas coisas, seguro o riso mas a cena é bem fofa.

Vou para a cozinha e o que vejo lá nunca mais vou esquecer: uma bagunça de mulheres, cada uma fazendo alguma coisa, lavando, cozinhando, cortando e preparando o que parece ser a próxima refeição, que seja lá o que for, cheira muito bem.

— Eu posso ajudar? — me ofereço mais por educação do que por talento culinário. Por um instante todas param e olham pra mim.

— Não precisa não amore, a gente fez um acordo que no seu primeiro mês de boas-vindas aqui, você não vai fazer nadinha! Só senta aqui na mesa e espera tudo ficar pronto! — quem me responde é a Júlia.

A bagunça retorna e me divirto assistindo a confusão que na verdade é muito certa: ninguém faz nada de errado. Passados alguns minutos, fica tudo pronto e a mesa é magicamente posta, nesse momento Nay aparece na porta e se junta à todas.

Comemos e conversamos animadamente até que as meninas fazem um pequeno suspense dizendo que tem uma surpresinha pra mim.

— Que tal se a gente te levasse pra conhecer a facul antes das aulas começarem? — Ísis diz como se contasse um segredo de Estado. Me animo instantaneamente.

— Vamos sim! Eu tô morrendo de curiosidade pra saber como é lá! — falo um pouco empolgada demais e todas riem da minha reação espontânea.

— Vamos só terminar de comer aqui e já já começa o seu tour! — Iasmin fala e sorri pra mim.

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⏰ Última atualização: Feb 11, 2018 ⏰

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