Eu nunca aprendi a lidar com minha própria ansiedade. O que torna o convívio com ela bem mais difícil, mas mesmo assim, sigo viva.
Hoje, meio-dia em ponto, saem os resultados da minha classificação no vestibular que esteve em meus sonhos e pesadelos desde muito cedo. Estive treinando e estudando à dois anos pra essa prova, então, creio eu que seja um excelente motivo pra estar ansiosa.
— Filha? Tudo bem? — meu pai me pergunta, olhando diretamente pra mim pelo retrovisor, estou sentada no banco de trás.
— Claro que sim, porque da pergunta? — minha voz tremeu no início, mas ao menos o resto teve certa convicção.
— Clarice querida, não se pressione tanto, se você não passar dessa vez, tudo bem. — minha mãe está tentando me acalmar, que mundo paralelo é esse?
Suspirei alto e implorei internamente que eles só parassem de tocar no assunto possivelmente problemático. Já parou pra pensar que cada em fase da sua vida existe algo que sempre precisa ser superado?
Quando você é criança, precisa superar que todos querem te tratar como adolescente, te colocam em roupas ridículas que muitas vezes não são próprias para sua idade, só para que possam olhar pra você e dizer: "Olha só, ela já é mocinha!", sendo que você não passa de uma pirralha de sete anos de idade.
Você cresce mais um pouco e quando percebe já é uma adolescente e tem início a tortura dos catorze anos: "Cadê os namoradinhos dessa menina linda? Seu pai vai ter dificuldade pra te deixar longe desses meninos hein?" , sendo que na verdade, você não passa de uma quase-adolescente, e que muitas vezes, tá pouco se lixando para os meninos da sua sala na escola.
Existem outros momentos de transtorno (é claro que existem) e mais um deles é quando se está saindo da adolescência, ali pelos dezessete, quase dezoito anos, quando todo mundo insiste em te lembrar a cada quinze minutos que agora você pode ir pra cadeia. É nessa época que todos querem que você cresça do dia pra noite, como se até os dezessete você não fosse nada, nem ninguém importante e de repente, acordasse adulta e responsável no dia do seu aniversário de dezoito. É patético.
Mas a pior parte, ainda está por vir: é a crise dos vinte. É quando você entra em um processo crescente de desespero existencial, porque percebe que quando estava no ensino fundamental, sonhava que ao chegar nessa idade já teria uma casa própria, falaria umas cinco línguas diferentes e teria um carro só seu. Só que os vinte e poucos chegam e você ainda mora com os seus pais, depende financeiramente deles e não tem um quinto de toda a liberdade dos seus mais lindos sonhos.
Mas existe um caso bem pior, o meu.
Minha família ainda me trata como se eu fosse adolescente, apesar de eu ter completado vinte e dois anos semana passada, mas eles preferem ignorar a minha idade e inclusive me ignoram. Na mente deles eu ainda tenho doze anos e preciso que alguém me acompanhe até a padaria pois se não algum homem mau vai me sequestrar, só que o detalhe: a padaria fica a umas três casas de distância da nossa residência. Proteção dos pais é algo bom, mas até pra isso devem ser impostos limites.
Por exemplo, nesse exato momento, estamos indo pessoalmente ver o resultado do vestibular e apesar de a faculdade ficar a quase três horas de viagem de carro, meus pais insistiram em vir junto.
Ambos concordaram em perder o dia de trabalho pra me acompanhar, ao mesmo tempo que acho isso muito carinhoso da parte deles, também penso que é uma atitude um tanto quanto...sufocante. .Eu poderia muito bem ter vindo dirigindo sozinha ou vir de trem ou de ônibus. As opções são sempre variáveis, independente da situação.
Mas foi exatamente assim que vivi a minha vida toda, sempre com eles à minha volta, me segurando antes que eu caísse e dessa forma, me impedindo de sentir por mim mesma a dor da queda. Comparativamente falando, é como se eu nunca tivesse ralado o joelho no asfalto, pois eles sempre colocavam os protetores, mas me protegeram tanto e por tanto tempo que não vejo meios de sair dessa fortaleza excessivamente confortável onde me encontro.Minha única (provável) válvula de escape é ir pra uma faculdade relativamente longe de casa, de modo que eles e nem ninguém da minha família possa estar aqui pra me segurar tão rapidamente.
Ao mesmo tempo que minha zona de conforto me agrada, tenho repulsa por ela pois sinto estar gastando a minha existência, pra viver a vida que os outros desejam pra mim e esse sentimento me assusta.
Olho pela janela do carro e contemplo a imponente universidade pela janela, ou pelo menos vejo o muro alto que sei ser da própria. Não faço ideia de como é lá dentro pois a prova de seleção foi em um prédio próximo e não exatamente aqui.
Espero realmente que meus planos criados pela minha mente exageradamente fértil comecem a dar certo a partir de agora.♥~♥~♥
Acabo de chegar na república de meninas onde vou ficar até o fim da faculdade, aqui em São Paulo mesmo e que por sorte, fica a somente duas quadras de distância da mesma.
Só consegui um quarto em um lugar assim graças à meus pais, infelizmente mesmo longe deles, dependo deles financeiramente (espero que por pouco tempo). Parece que até à distância ainda conseguem me controlar de alguma maneira. Eles até deram uma pequena festa quando fui aprovada em primeiro lugar no vestibular. Ainda estou pensando na festa quando chego ao número quatrocentos e quarenta e quatro da rua indicada no papel que ainda está em minhas mãos.A fachada é linda e parece tirada de algum livro de romance do século XX, a construção é inteira de tijolinhos à vista, desde o muro até as paredes externas da casa. Existe um gigantesco arbusto de primavera cor-de-rosa, que cai em direção ao portão, minuciosamente lotado de curvas e arabescos florais, em cor de cobre.
É um lugar pequeno, mas extremamente aconchegante, que será minha nova casa e vou estar em companhia de mais outras três moças, por telefone me disseram os nomes: Amanda, Marcela e Luana.
Como foi a própria dona do imóvel que foi me visitar em casa no sábado passado, já tenho as chaves, hesito um pouquinho se devo bater na porta ou ir entrando, acabo por decidir entrar de uma vez pra superar meu nervosismo, que me faz tremer discretamente da cabeça aos pés.Ao adentrar o ambiente, percebo que tem uma menina sentada de costas pra mim na sala de jantar, que fica do outro lado da sala de estar, posso vê-la pois nada divide os cômodos. O silêncio que reina no lugar é absoluto, não parece que me encontro em uma metrópole global, tenho medo de fazer muito barulho e abalar a paz do ambiente, então por mais ou menos dois minutos, apenas fico olhando ao redor e admirando os detalhes.
De frente para o pequeno hall de entrada, tem uma escada de madeira que provavelmente leva aos quartos superiores e uma porta que dá diretamente para as salas.
A sala de estar é simples e toda em tons neutros, alguns quadros com paisagens pintadas em aquarela na parede, um sofá relativamente grande em um dos cantos e uma mesinha de centro de madeira.
Na sala de jantar fica uma mesa de seis lugares e de costas pra mim está uma moça de cabelos longos e cheios de trancinhas. Pra não assustar a jovem, decido me pronunciar.— Olá...
A mesma solta um gritinho e se vira pra mim.
E não é ela.
É ele.
Quê?
N/A: Muito obrigada às pessoas que me ajudaram desde o começo e quem me ajudou mais no finalzinho ♥Nayane, Lavínia e Noa♥
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VERMELHO CEREJA
Roman d'amourDurante toda a vida Clarice viveu em uma cidade pequena e nunca compreendeu o porquê de não ter se interessado por nenhum menino da escola, desde os 14 anos sempre viu as amigas cada qual com seu namorado e ela à ver navios. Então preferiu se...