A guerra não tem rosto de mulher, de Svetlana Aleksiévitch

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Livro: A guerra não tem rosto de mulher

Autora: Svetlana Aleksiévitch

Tradução: Cecília Rosas

Páginas: 392

Editora: Companhia das Letras


Há tempos um livro não me pegava como A guerra não tem rosto de mulher me pegou. A proposta de sua autora, a vencedora do prêmio Nobel de Literatura 2015, Svetlana Aleksiévitch, é simples: trazer à tona um retrato da Segunda Guerra Mundial a partir do olhar da mulheres que participaram deste evento. Para isso, ela foi atrás das combatentes e deu voz a quem teve que permanecer calada por muito tempo. A guerra dos homens é uma; a das mulheres, outra. Isso é nítido a cada relato que lemos. E isso me fez me perguntar por que ninguém havia buscado o testemunho feminino antes?


Tudo o que eu conhecia sobre a Segunda Grande Guerra tinha sido por meio de homens. Na escola, tive professores. Nos livros, tive autores. Então, estava sedenta por compreender este período tão violento por meio de uma perspectiva mais alinhada com a minha, por um ponto de vista feminino.


Como todo relato de guerras, o livro é cercado de sangue, morte e luta por sobrevivência. A principio, isso foi o que me fisgou: a coragem e o desejo que essas mulheres tinham desde muito cedo (algumas no auge dos seus 14 anos) a quererem pegar nas armas. Elas almejavam ir para guerra tanto quanto os homens porque não conseguiam ver o país sendo invadido e ficarem de braços cruzados.


Já nas primeiras páginas, senti náuseas por me imaginar naquela situação. Este livro é muito sinestésico: é impossível você não se ver nas trincheiras, não se comover com os relatos das pessoas que viram outras se explodirem, da falta de recursos para o tratamento dos doentes, das falas sobre a fome e a miséria. Senti náuseas pela violência. Respirei fundo, mas não consegui parar a leitura. Este é o trunfo de Svetlana Aleksiévitch: ela puxa o leitor para dentro da sua narrativa, é como se caíssemos em um pântano, na areia movediça. Quanto mais lemos e desconfortáveis nos sentimos, mais queremos saber os detalhes do que aconteceu.


Além da violência, do estresse e do trauma bélicos, o livro traz outro ponto à tona: o sexismo. Enquanto os homens se tornaram heróis, as combatentes não foram vistas da mesma maneira, sendo condenadas por terem deixado a família (ou levado os filhos para o combate). Boa parte delas foi taxada como prostitutas, acusadas de terem "roubado" os soldados das famílias, e acabaram sozinhas por não serem "boas moças" o suficiente para casar. (Nem preciso dizer o quanto isso me deixou indignada, preciso?)


A bravura e a coragem em contraste com a inocência nos coloca para pensar sobre a humanidade. O abandono e o preconceito sofridos por elas no pós-guerra, nos tira o pouco da esperança que nos resta. A vida se sobrepondo à morte nos faz rever nossos conceitos. A guerra não tem rosto de mulher nos coloca para pensar e repensar a maneira como conduzimos a nossa jornada de maneira individual e coletiva e nos leva a uma dúvida: será que a humanidade tem jeito? Fiquei com a sensação de que ainda temos muito que aprender.


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