Capítulo 2: Perfeita é para quem vê

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Estou caminhando pela rua da minha casa e, como sempre, olho para baixo, acompanhando cada passo que dou. Meus tênis all star surrados combinam com o chão, que está todo imundo e esburacado. Ultimamente também me sinto assim, um tanto quanto largada, sem qualquer tipo de atrativo ou luz, sem energia. Assim como a rua, parece que sou feita de buracos, de espaços vazios, espaços que, de alguma forma, acabei me esquecendo de preencher e, agora, tarde demais, não sei mais o que deveria ter colocado.

A todo momento, tento desviar a sensação de que estou vivendo uma vida que é estranha para mim, como se estivesse nadando contra a maré. Apesar disso, no entanto, não consigo identificar onde estou errando ou o que fazer para mudar. É como estar em um carrossel, dando uma volta. As voltas são agradáveis, as luzes e as canções felizes fazem com que eu me distraia e, portanto, não tenha vontade de sair desse giro infinito.

No meu caso, as luzes e canções do meu carrossel sem fim correspondem a tudo o que tenho agora: para um observador externo, tenho a vida perfeita, o cenário ideal que toda garota de 17 anos desejaria para si mesma. Vivo em meio a uma família que gosta de mim e me respeita; estudo em um bom colégio e, portanto, desde que eu continue a me dedicar bastante, é quase certo que consiga entrar em uma boa universidade; tenho amigos de que gosto e em quem posso confiar e, por fim, também tenho um namorado que é atencioso, sincero, bonito e que tem... não sei dizer, um estilo próprio, um ar de mistério e resguardo que sempre o acompanha e que me atrai.

Tenho tudo isso, tudo e, ainda assim, parece que espaços dentro de mim ainda precisam ser preenchidos. Todas as manhãs, quando acordo e me olho no espelho, a única coisa que consigo ver (fora minha típica cara amassada e os cabelos todos bagunçados) é alguém incompleto. Não sei mesmo o que isso quer dizer...

Preciso parar com essa neurose toda, acho que se parar de procurar o que há de errado comigo, de alguma forma, esse meu incômodo vai sumir. Espero que suma... Enfim, preciso continuar e, por isso, para me distrair, pego meu celular. Nada, nenhuma mensagem. A gente sempre pega o aparelho na esperança de que tenha algo, alguma coisa que nos faça se sentir mais importante... geralmente nos decepcionamos com uma mensagem da operadora nos notificando que nossos créditos estão acabando... triste, mas real.

Mas nesse momento, como se percebesse a minha vontade de tirar sarro de sua incapacidade de tornar meu dia melhor, o celular começa a tocar, parece que tenta contrariar a minha tese. Pelo toque já sei quem está ligando, pois a música é Save Me, do BTS, uma banda coreana que adoro. A pessoa que está me ligando agora foi quem escolheu o toque, específico para ele e mais ninguém. E não, ele não é o Matheus, meu namorado. Ele é o meu melhor amigo: o Guilherme.

A explicação para Save Me ser a música que toca quando ele me liga, na verdade, não tem muita relação com todo o significado da canção. Como ela é coreana, ele provavelmente nem sabe muito bem o que está sendo dito. Apesar disso, no entanto, o Gui focou no refrão da música que é, justamente, o nome dela e no fato de que a banda a qual ela pertence é formada por coreanos. De acordo com suas palavras, "A música reflete toda a dependência que eu tenho em relação a ele, que é o meu salvador e, além disso, sempre fará com que eu me lembre dele, já que um quarto de si é coreano". Não, não faz sentido algum o que ele diz. Isso porque, em primeiro lugar, ele não é o meu salvador, mas sim eu a sua salvadora, já que sou eu a pessoa que sempre cuida dele quando fica bêbado nas festas e quem o acode em momentos de apuro... e, em segundo lugar, ele é apenas um quarto coreano, o que quase passa despercebido, já que seus traços orientais são bem tênues, quase não tem olhos puxados, sem falar na cor deles, que são azuis, um azul escuro, quase pretos.

Pensando nisso tudo e escutando a música, que ainda toca sem parar, volto para a realidade e percebo que não pressionei o botão de atender do aparelho. Faço isso e, imediatamente, a voz do Guilherme invade meus ouvidos. Sempre alta demais, sempre animadora, sempre revigorante.

In love...In love?Where stories live. Discover now