Capítulo 02

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28 de Maio, 09:20
Departamento de polícia da cidade de Venus







Alberta bocejava serrando seus olhos enquanto observava as fotos do quarto principal da casa dos Lane que estavam espalhadas por cima da sua mesa, algumas anotações estavam pregadas com fita adesiva por cima de algumas fotos, pontos de interrogação preenchiam a maioria dos pequenos papéis, a dúvida era o protagonista daquele momento.
Furer estava sentado em sua mesa, camuflado pela a fumaça do cigarro que escondia seu rosto no ambiente mal iluminado, as tragadas eram vorazmente cintilantes e quase um cigarro era acendido com a resto do outro.
O odor de nicotina permaneceu junto com pensamentos variados na sala, Alberta e Furer tinham combinado que eles não iam falar sobre o caso enquanto não houvesse alguma coisa concreta naquelas fotos, ser precipitado não os ajudaria em nada.
Furer engoliu sua história sobre alienígenas, não havia se esquecido dela, mas a pedido de Alberta ele tinha se calado sobre tal assunto.
Alberta que estava jogada sobre a cadeira em sua mesa sabia que Furer ainda tinha pensamentos obscuros sobre o fato, mas permanecia com certa cautela em demostrar, ela não sabia exatamente de onde vinha tais conclusões absurdas, mas o que ela tinha certeza é que a solidão e isolamento de Furer não o ajudava a ser uma pessoa convencional.
Depois de algumas horas no silêncio verbal Alberta emerge sua voz.
-Chega! não vamos chegar a lugar nenhum com esse quarto Furer. Já o reviramos todo, a questão é que não temos como explicar o que aconteceu lá, como o fogo começou, aliás não temos nem preparo para isso, teríamos que ter uma equipe!
- Verdade, eu não acho que iremos descobrir algo ficando aqui, e sem uma equipe fica difícil, ainda mais sem um delegado!
- O problema é que mesmo se mandarmos um relatório para a central solicitando um reforço de peritos eles não vão chegar aqui antes da neve cair, eles não arriscariam mandar gente para cá logo agora!
-É complicado, tem que ter outro jeito de conseguir alguma coisa!
- Sim, além disso não sabemos as condições que os Lanes estão, se esperarmos a neve derreter já podemos encerrar o caso, por que aí nunca acharemos eles!
-Esse é meu medo Alberta! Eles são cinco pessoas, uma família, isso é preocupante, quero dizer, olha o tamanho dessa cidade. É aterrorizante saber que isso pode acontecer aqui!
Alberta assentiu com a cabeça levantando rapidamente da cadeira. Olhou para o relógio que marcava 12:45, seu estomago já se pronunciava diante da fome. E então comunicou a Furer que ela estava indo almoçar.
Depois de sair da sala, ela pode sentir a diferença de temperatura, olhando mais atentamente por cima dos pinheiros no fundo do estacionamento ela viu uma camada fina e branca jogada sobre as folhas, já era a neve se acumulando, ela tinha pouco tempo para resolver tudo, seria muito difícil seguir com as investigações no meio das fortes nevascas que estavam a caminho.
Um ardor veio de encontro com seu coração, era inegavelmente um tipo de saudade, fazia falta o calor que ela sentia a anos atrás enquanto ela ainda morava na cidade borbulhante e barulhenta.
Ela não era uma típica menina do interior que foi para a cidade grande viver um sonho de ser modelo ou virar uma atriz de sucesso que acabou vestindo roupas limitadas e dançando sobre o olhar de coiotes noturnos para não morrer de fome. Ela decidiu se juntar a academia de oficiais, uma moça diferente, foi assim que sempre se nomeava. 
Caseira e retraída no colegial, jamais era o perfil das convidadas para as festas regadas de bobagens adolescentes, sempre preferiu ficar em casa vendo alguma série policial e tentando relevar as investidas de sua mãe sobre seu comportamento atípico.
Mas sua consciência estava limpa, pois se formou como a melhor da sua turma, conseguiu se sair muito bem em todas as provas de adesão, além de receber um elogio de orgulho da sua mãe pouco antes de morrer.
Mãe, esse era um assunto delicado para Alberta, sua mãe havia morrido pouco depois dela se formar, um câncer na coluna veio sorrateiramente e deu uma rasteira letal na vidas das duas, Silvia era uma mulher forte, criou Alberta bem, mesmo sendo mãe solteira por anos, trabalhava em longos turnos para pagar a escola da filha, depositava em Alberta todos seus mais íntimos sonhos e ambições que não pôde realizar enquanto estava crescendo. 
Silvia havia lapidado em Alberta uma mulher forte e capaz de tudo aquilo que ela não conseguiu ser no passado.
Um vento gelado puxou fortemente Alberta para a realidade, seus olhos já estavam molhados com tais pensamentos.
Ela tremendo de forma sutil foi até seu carro e entrou, rodou a chave e o motor rosnou, manobrou o carro até chegar a cancela da portaria que logo se abriu, então ela entrou na rua com os olhos atentos.
Dirigiu por alguns quarteirões nas ruas de Venus, a cidade estava quase vazia, as árvores secas se misturavam com a umidade que caia do céu e  tonalizava as cores das casas antigas de madeira que brotavam pelos lotes com jardins decadentes. Foram minutos até chegar no Wolks uma lanchonete que para ela tinha o nome de restaurante chinês, mas que na verdade vendia comidas pesadas que era o ideal pra ela naquele momento. Sempre que entrava já sentia o cheiro de fritura diluído no ar bater contra seu rosto, de certa forma ela gostava daquele cheiro.
Passando em meio as mesas vazias ela sentou perto de um vazo de planta empoeirado que ficava bem de frente para uma grande janela, era seu local preferido para comer, de lá ela podia ver a praça central da cidade, onde tinha um movimento moderado de pessoas. Todas andando de um lado pra o outro com seus pensamentos misteriosos, sempre olhando para o relógio ou até mesmo para a tela do celular, fixados em pequenos detalhes que costuram a normalidade nos seus dias. Mas qual eram os pensamentos, isso sempre fascinou Alberta, o modo de agir de cada pessoa, a forma de andar e falar, sua profissão a fez capaz de medir a capacidade de várias pessoas em diferentes situações, motivo do qual ela não acreditava muito em bondade voluntária, para ela cada pessoa molda sua faceta de acordo com as situações que elas se encontram. Talvez seja um erro ela não acreditar no lado bom da sociedade, mas tudo o que ela já tinha visto a fazia duvidar até da existência de um sentimento afetuoso e verdadeiro dentro de algum ser humano.
Olhando para a frente ela pode ver que o cardápio já estava em sua mesa, então o pegou rapidamente, sua barriga estava dolorosamente vazia. 
Alguns minutos foram o necessário para ela escolher o que iria comer, na verdade não tinha muitas opções de pratos, mas ao menos a comida era muito boa. Com um aceno ela chamou a atenção de uma garçonete que estava encostada perto do balcão de modo desajeitado enquanto deslizava o dedo sobre a tela do celular.
A moça desencostou do balcão e logo retirou o sorriso malicioso que estava em sua cara no momento que olhava para celular, dando espaço para um sorriso bem mais aberto e artificial, tentativa de mostrar apatia por Alberta naquele momento.
Com passos preguiçosos ela foi se aproximando e seus dentes amarelados se tornaram mais evidentes, poucas palavras foram trocadas, precisamente só o necessário, mas sempre com sorrisos e gestos satisfatórios.
Não demorou muito para chegar o que Alberta havia pedido, era uma porção de batatas fritas com queijo por cima e uma lata de refrigerante. Seus olhos saltaram sobre a comida que exalava um vapor maravilhoso acompanhado de um cheiro de óleo que a não incomodava.
Mergulhou seus dedos na comida, as primeiras mastigadas eram prazerosas ficando maçantes somente quando havia umas três batatas restantes sobre o prato, ela havia comido tudo, estava cheia, estufada.
Enquanto o refrigerante descia borbulhante pelo seu esôfago Alberta refletia vendo algumas crianças brincarem com um pneu no meio da praça, suas reflexões eram sobre o que Furer havia lhe falado. Ela ainda não conseguia entender como ele era infantil de tratar um assunto tão delicado fazendo aquele tipo de afirmação, ainda mais de um cara com uma carreira tão longa na polícia. 
Venus era uma cidade vítima de suas próprias lendas, essas que Alberta sempre ouvia em meio a ruídos de pessoas ou até mesmo em alguma citação de uma conversa desinteressante com algum cara com quem saiu a tempos atrás e que nada deu certo. Ela sabia que seres extraterrestres era um assunto bastante falado em meio as pequenas ruas de Venus, mas eram só histórias para assustar as crianças mais ingênuas nos rigorosos invernos que escondiam a cidade do resto do mundo.
Ela lembrava de uma vez, logo antes de sua mãe falecer, ela recebeu um chamado onde as pessoas alegavam que existiam luzes que ficavam andando em meio as árvores de uma floresta de pinheiros na beira da estrada estadual, muitos motoristas relataram tal aparecimento naquele dia, era algum feriado local ou algo do tipo, um dia de bastante movimento. Ela foi obrigada a deixar sua mãe no hospital e ir até a propriedade investigar do que estava acontecendo de fato, ela e Furer foram até lá, ele cego de que era realmente algo obscuro e já Alberta tentava achar uma razão óbvia para tudo o que estava acontecendo. Chegando na propriedade eles descobriram que o dono da terra havia achado algum tipo de minério nas suas terras e que na real as luzes eram só de dois tratores que estavam escavando naquele feriado. Alberta ficou a semana toda jogando na cara de Furer que a cidade tinha medo de coisas que não eram reais e que inclusive ele estava fissionado em coisas que não existiam.
Alberta dentro do restaurante começou a rir sozinha, esfregou suas frias mãos em seu rosto, ultimamente ela andava pensando demais nas coisas, ela não era desse jeito, muito pelo contrário, sempre tentando pensar o menos possível em coisas triviais.
Um barulho familiar a puxou pelo braço de dentro das reflexões, era o toque do seu celular, mas não era uma ligação e sim uma mensagem na tela.
“Berta, me encontre neste endereço: Estrada 9, zona rural leste, fazenda Philomena. Temos um chamado urgente lá! Att Furer.”
Uma batida mais forte vinda do coração emergiu no peito de Alberta a fazendo recuar intimamente, nunca seu horário de almoço havia sido interrompido naquela cidade, o que faria Furer mandar uma mensagem e nem esperar ela chegar até a delegacia para avisar sobre o fato. Na melhor das hipótese seria uma pista ou notícia sobre os Lanhes, e na pior seria os corpos deles, ela não gostava de pensar na segunda opção, mas tudo era possível naquele momento.
Depois pagar seu almoço a moça saiu de dentro do Wolks rapidamente, ignorou a mudança na temperatura que fez sua pele se retrair, pisando em poças de neve ela chegou com os sapatos encharcados dentro da viatura, mesmo morando há algum tempo em Venus ela nunca se acostumaria a sair de botas por aí.
Seu GPS já marcava que ela estava perto do endereço que Furer havia lhe passado. Depois de olhar o pequeno visor do aparelho ela virou sua visão para a estrada e então ela foi obrigada a pisar fundo no freio se projetando para frente, ela forçou a vista e então pode ver no meio da cortina branca que caía do céu uma árvore gigante caída no meio da estrada a uns 100 metros de distância da entrada da fazenda.
Ela desligou o motor, se desprendeu do cinto e saiu impressionada do carro, seus passos ficaram pesados com a quantidade de neve sobre o chão. Ela foi andando em direção a entrada da fazenda então pôde ver o carro de Furer parado logo ao lado da árvore caída. Enquanto era confeitada por flocos brancos de neve ela já avistou Furer parado com um senhor meio gordo que gesticulava bastante, Furer a viu e acenou.
Quando chegou reparou a cara de preocupação que estava estacionada na cara de Furer e do senhor meio gordo.
-Esse é o Senhor Coby, ele é o proprietário da fazenda.
-Prazer Senhor Coby! Eu sou a investigadora Alberta, muito prazer! – Cumprimentou a moça estendendo a mão.
- Prazer Alberta, é você que vai achar os filhos da puta que arrasaram com meus animais? – disse o homem enfurecido enquanto apertada com força a mão de Alberta.
Alberta parou por um momento e desviou seu olhar para o Furer que parecia nervoso com a situação. 

O que houve aqui Furer? - perguntou Alberta ainda sentindo um ardor na sua mão.
- Três animais do senhor Coby apareceram mortos essa manhã, junto com a árvore caída na estrada.
- Mas eles morreram de frio ou algo do tipo?
Antes que Furer pudesse soltar uma palavra o homem projetou sua fala o cortando.
- Não senhorita eles não morreram simplesmente do frio, a menos que o frio agora consiga retirar a língua dos animais e cortar árvores. Vem comigo eu vou mostrar eles para vocês!
Sem reação foram os dois seguindo os passos do homem através de um pasto congelado. Coby se movia de forma desajeitada, um esforço era visto enquanto ele gemia demasiadamente quando apoiava uma das pernas sobre o chão.
Depois de passar por algumas cercas velhas e úmidas os dois finalmente puderam ver a chocante cena.
Havia três vacas jogadas sobre o chão, o pouco de neve que cobria os corpos não era suficiente para esconder a brutalidade da cena, todas estavam com os olhos e bocas abertos, faltava carne nos lábios inferiores, além da ausência da língua dos animais, vários buracos simétricos preenchiam o abdômen inchado. 
Alberta se segurou após chegar mais perto e sentir o cheiro de podridão que vinha dos animais.
- Não há sangue! – disparou Furer.
- Sim, isso é horrível! Que tipo de animal ou ser humano seria capaz de fazer isso?
Não sei! – completou Coby enquanto esfregava seus cabelos brancos.
- Eles podem ter sido mortos em outro local e foram trazidos até aqui, isso explicaria a ausência do sangue. – Disse Alberta enquanto rondava o corpo de uma das vacas.
- Só não sei que tipo de pessoa conseguiria matar os animais em outro local, arrastá-los na mão até aqui, por que não vejo rastro de pneu ou de esforço sobre a grama.
-Sim, nem rastros de sangue tem!
- E esses buracos, parece que foram feitos com precisão, é bem difícil fazer uma coisa dessas.
- Olha por dentro! Pega a lanterna, ilumina o buraco e olha! – Sugeriu Coby.
Furer sem pensar muito sacou a lanterna do cinto e mirou a luz dentro de um dos buracos no abdômen do animal.
- Meu Deus, não tem nada! Está vazio, todos os órgãos foram retirados!
As vacas estavam ocas, os órgãos haviam sido removidos de alguma forma, era bizarro pensar como aquilo havia sido feito. Os buracos pareciam cauterizados, como uma incisão quase cirúrgica.
- O que dizer sobre isso? Eu nunca vi uma coisa dessas em toda a minha vida. – Falou Alberta ainda agachada.
- Faz 25 anos que eu crio vacas de leite, e isso nunca havia ocorrido comigo, e além dessas vacas mortas ainda tem aquela árvore gigante que caiu no meio da noite sem fazer barulho nenhum. – Disse Coby aflito.
Sim eu chequei a árvore quando cheguei, parece que ela foi quebrada ao meio, como se tivesse caído um raio.
- Se fosse um raio que tivesse caído nela todos na minha casa teriam ouvido o barulho. 
- O que podemos fazer por hora senhor Coby é fotografar tudo, levar para a delegacia e pesquisar sobre algum caso relacionado – Concluiu Alberta.
Coby somente assentiu.
Novamente os dois investigadores estavam fotografando a cena do possível crime, na cabeça de Alberta eles estavam mais para fotógrafos do que para policiais, aquela câmera nunca tinha sido tão usada como estava sendo naquela semana. 
Os dois terminaram a sessão de fotos na fazenda do Coby e então partiram em carros separados em direção da delegacia.
Alberta tinha o pé mais pesado na hora de acelerar, então chegou alguns segundos na frente de Furer na delegacia, tinha sido uma corrida velada de sua parte, o que fez a moça chegar sorrindo dentro da aquecida sala.
Foi logo tirando o pesado casaco e se jogando em sua cadeira giratória bem confortável, enquanto Furer já riscava o fósforo para acender um cigarro enquanto sentava sobre a mesa de Alberta.
- Eaí, o que faremos? Temos mais esse caso agora, pelo que conheço do senhor Coby, ele vai ficar ligando aqui de hora em hora até resolvermos isso.
- Eu não sei! sinceramente Furer, aqueles corpos não fazem sentido algum para mim! Para que uma pessoa ia matar 3 vacas leiteiras sem levar a carne, somente os órgãos internos e a língua?
É difícil levantar alguma hipótese, não temos algo parecido, além de que não podemos ficar patinando nisso, pois de patinação já não basta o caso da família Lane que até agora não avançamos em nada!
-Sim tem a família também que é quase uma prioridade para nós.
-Temos que fazer algo, eu não acho que somente eu e você vamos ser capazes de encontrar eles, precisamos de mais gente conosco. Vou até a gráfica mandar fazer alguns panfletos com o rostos de todos, além disso você pode tratar de mandar um e-mail para alguma rede de televisão, precisamos levar isso para fora da cidade.
-Você tem razão, não podemos ficar esperando que só eu e você consiga ar jeito nisso.
-Então combinado, eu vou até a gráfica agora mesmo, e você tenta mandar o e-mail para a algum repórter ou algo do tipo. Mas fala só sobre o caso dos Lane, ainda é cedo para jogar algo sobre os animais mortos.
-Tá ok!
Tudo estava resolvido por hora na cabeça de Alberta, pelo menos eles tinham algum plano para melhorar a investigação.
Enquanto Furer se projetava para fora da delegacia Alberta abria a janela do e-mail, parou por alguns segundos e então começou uma incansável maratona de digitação, apertava as teclas com vigor, esperança que aquilo iria realmente ajudar a achar a família mais rápido.
No final do e-mail ela decidiu colocar uma imagem da família para a divulgação, nesse momento enquanto ela procurava a pasta no meio dos documentos ela teve uma ideia sobre o caso dos animais.

Poderia ser uma atitude estúpida, mas Alberta abriu a página do Google e começou a digitar “Morte de vacas com buracos pelo corpo”, após clicar no botão Enter uma chuva de páginas começaram a brotar na tela, seguida de imagens que eram bem próximas ao que ela havia visto na fazenda do Coby.
Até que uma página em específico lhe chamou a atenção, a manchete da página dizia “Mutilação animal, saiba o que eles querem com nossos animais”. Automaticamente Alberta clicou em cima da imagem, mas então tudo ficou escuro, a tela do computador escureceu fazendo Alberta se ver no reflexo, a luz da sala se apagou e o barulho do aquecedor cessou.
Só havia uma explicação, a energia havia caído por algum motivo.
Alberta se xingava por não ter enviado o e-mail para os repórteres, ela sabia que a nevasca fazia a energia cair constantemente em Venus.
Amaldiçoando o tempo Alberta foi até a porta e a abriu, então após constatar pelos barulhos, viu que a nevasca havia chegado com força, tudo estava branco, não era possível enxergar quase um palmo na frente do rosto.
A luz difusa da lanterna clareava de relance as belas nuances do rosto cansado de Alberta que estava debruçada sobre sua mesa, embrulhada em seu casaco a moça tremia involuntariamente de frio enquanto dormia profundamente.
Seu sono foi interrompido quando seu celular vibrou na mesa fazendo um barulho horrível que a fez pular. Ainda sonolenta ela pegou o aparelho na mão e viu que a vibração vinha de uma mensagem que dizia que o celular não estava mais com sinal de torre, isso a fez bufar de raiva.
Ainda sem energia, já havia se passado muito tempo, ela podia ouvir o vento bater contra a janela, sem o som do vento tudo era assustadoramente silencioso. Depois de levantar de modo desajeitado ela se esticou fazendo sua coluna estralar prazerosamente. Foi até a porta e abriu, a neve caia em um ritmo menor, mas o que se via era apenas uma gelada escuridão.
Decidiu que era hora de ir para casa, queria verificar se o resto da cidade também estava ás escuras. Pegou a lanterna e saiu iluminando a gaveta de sua mesa enquanto tateava para pegar as chaves da delegacia, depois de sentir o metal frio das chaves ela agarrou o molho, colocou a lanterna na boca e se projetou para fora fechando a porta e a trancando em seguida.
Quando se virou o feixe de luz da lanterna iluminou a neve que caía do céu, era somente isso que dava para ver, uma dança invisível no escuro já que a lua não tinha dado as caras para trazer um pouco de luz, aquela era uma atípica noite de escuridão intensa.
Ela foi andando pelo pátio da delegacia, de longe ela podia ouvir alguns cães que latiam, o som reverberava por todos os lados até se chocarem com as árvores que cercavam o horizonte desconhecido daquela noite. Seus passos eram largos e sua respiração ficava rápida e ofegante, mesmo para uma policial não era tão legal ficar andando naquele imenso mar de arrepios congelantes, ainda mais com dois casos tão estranhos rondando sua vida.
Finalmente após eternos minutos o carro foi iluminado, Alberta correu até o veículo, o abriu rapidamente e se sentiu segura ao entrar. Ligou os faróis e em seguida o motor, manobrou o carro e foi em direção das limitadas ruas da cidade.
Foi como suspeitava, tudo era como uma tela preta com alguma estática, a mistura de escuridão, penumbra e o limpa vidro indo de um lado para o outro tirando a neve do para brisa era macabro para Alberta, definitivamente todos tinham um certo receio do escuro, na cabeça dela o escuro é equivalente ao maior medo dos seres humanos na percepção dela, o medo de algo que não podemos ver.
Cada esquina iluminada era um peso sobre a cabeça dela, que olhava a toda hora no celular para verificar o sinal, pois Furer havia saído e não voltou com respostas sobre os folhetos, apesar que ele devia ter ido para casa após a nevasca ter começado.
Depois de dirigir alguns quilômetros ela finalmente estava entrando na garagem da sua casa, tudo estava na escuridão. 
A lanterna a ajudou a chegar até a porta, foi entrando dentro de casa já chamando a gata que não demorou muito a dar as caras e pular no colo da moça.
A casa estava fria como o lado de fora, sem aquecedor ela iria congelar lá dentro, então a primeira coisa que pensou foi em ligar a lareira, o problema é que a lareira ficava na sala, a solução foi Alberta preparar sua cama no sofá bem de frente a lareira, quilo poderia a manter aquecida durante a noite.
Um banho seria a melhor coisa a se fazer se não fosse a falta de energia, a ideia de um banho frio naquela temperatura era de matar literalmente, então o jeito era esquentar a agua no fogão e tomar uma banho de gato com panos e bacias.
A noite foi longa, mas quando acordou pela última vez viu que o sol entrava timidamente pelas janelas.
Não esperou o despertador de pilhas tocar, ela foi direto para o celular que ainda estava com meia bateria, a torre tinha voltado, então ela procurou o número de Furer na agenda e clicou para ligar, após alguns minutos tocando o telefone caiu em caixa postal, Alberta tentou pelo menos mais umas cinco vezes fazer a ligação antes de desistir, ele não atendia.
A hipótese mais provável era que ele teria ficado sem bateria, e já podia estar na delegacia esperando por ela, então depois de se arrumar e preparar um chá, lá foi Alberta para mais um dia.
Chegando na delegacia ela fica frustrada ao ver que o carro de Furer não estava por lá, nesse momento ela estaciona seu carro na rua e entra correndo na delegacia para ver se ele estaria lá dentro, ela sai instantes depois sem sucesso.
Depois de entrar no carro novamente ela decide ir até a casa dele, uma negação ao sentimento de receio vinha galopando em sua mente, não queria criar nenhum tipo de expectativa de algo bom ou ruim, sua mente já estava cheia demais para mais um problema.
Quando virou a esquina ela já não viu o carro dele na rua, Furer não tinha garagem, então seu carro ficava estacionado em frente à sua casa, Alberta parou e olhou para a casa, parecia que tudo estava trancado, ela decidiu não chamar até por que não adiantaria, se o carro não estava lá então Furer também não.
Mordendo o canto da bochecha sem perceber ela continuava dirigindo pelas ruas de Venus onde tinha várias pessoas trabalhando para tirar a neve acumulada dos seus quintais e telhados, tinha sido uma nevasca que deixou pelo menos dez centímetros de neve apenas em uma noite. Era preocupante, ainda mais sem energia onde aquecedores e telefones não funcionavam.
Quando manobrava o carro em um dos limites da cidade Alberta avistou Susan andando em direção da estrada que levava a zona rural da fazenda dos Lanes, Alberta acelerou o carro e alcançou Susan que se assustou ao ouvir a buzina do carro.
-Olá Susan! Como vai?
- Vou indo né! Alguma novidade sobre minha irmã?
- Infelizmente não, essa nevasca atrapalhou tudo! Mas onde você está indo?
- Eu preciso ir até a fazenda, nevou muito essa noite e preciso ver como ficaram os animais, na verdade somente algumas galinhas!
- E está indo para lá andando?
-Sim, meu carro estava coberto de neve e eu não consegui tirar ele do lugar.
-Nossa, você não quer que eu te leve até lá? Assim já aproveito para dar mais uma olhada na casa.
-Pode ser! – Disse Susan dando um sorriso e contornando o carro pela frente.
Depois de entrar Susan bateu a porta com uma certa força, sua frustração com a batida ficou evidente em seu rosto, Alberta ignorou para não intimidar a mulher.
O trajeto até a casa foi relativamente silencioso, algumas tosses, reclamações sobre a falta de energia e nada mais.
Chegando na casa Susan sugeriu que Alberta entrasse para dentro enquanto ela iria verificar o galinheiro, Alberta assentiu e então partiu para a direção da casa com passos largos.
A frondosa casa surrada deixava suas grandes veias a mostra, a estrutura de madeira era decadente e fazia Alberta pensar e como aquilo não havia cedido a força da neve que se acumulava nos pontudos telhados escuros. Chegando na varanda ela entrou pela porta da sala, o ar era frio lá dentro como o esperado vindo de um cadáver, nada parecia movimentado desde a última vez que ela esteve lá, notoriamente estava tudo morto.
Com seus passos indiscretos preenchendo as entranhas da casa e apoiada nos gélidos corrimões de madeira, lá foi ela andando até o andar de cima, queria revisitar o quarto negro e ver aquela cena outra vez, talvez ainda existia coisas por lá que poderia ter se passado despercebido aos tantos olhares.
No corredor a luz penetrava pelos poucos espaços entre os vidros velhos das grandes janelas que se centralizavam ao lado esquerdo, Alberta já tinha reparado naquelas janelas antes, percebeu na primeira vez que viu as crostas de sujeira que habitava os pequenos recortes de vidros, um desleixo era evidente com a integridade da propriedade, a partir daí já se via que Ellen Lane não era uma mulher de muito zelo com as janelas, talvez a sujeira era a forma de esconder o que acontecia no interior daquela remota casa.
A porta do quarto já estava aberta, ela só entrou, havia um pequeno monte de neve sobre o chão chamuscado, o que dava um elegante contraste entre o preto e o branco. O incêndio poderia ter começado pela eletricidade, afinal era uma casa velha, ou mais provável que uma das meninas possa ter brincado com fósforos naquela noite, as provas eram o que decidiam tudo sobre um caso de desaparecimento, mas o limbo de opções começava quando não se tinha pista alguma, não havia pessoas a serem interrogadas, pessoa próxima se restringia a apenas Susan e nada mais.
Solidão poderia ser o maior prazer dos Lane, o modo escondido como viviam talvez era só um jeito de esconder algo perturbador que espreitava a família. Eram invisíveis em sua própria terra, não se via identidade ou autenticidade neles, claro que tudo isso não passava de suposições superficiais de Alberta, a casca de família feliz estava intacta mesmo depois de tudo, passar pela mente das pessoas de Venus sem serem taxadas com meias verdades sobre sua vida era sem dúvidas invejável.
No meio de tantos pensamentos suas pernas se ausentarem enquanto um frio arrepio traçava seu corpo, ela viu um movimento se esgueirar sobre o chão ao seu lado, virando rapidamente com a mão no coldre pronta para se defender ela só conseguiu deflagrar um sorriso de alívio, um grande cachorro a observava com a língua cintilante enquanto seu rabo cortava o ar incansavelmente.
Certamente se tratava do cão da família, ele não fazia ideia do que estava acontecendo já que uma felicidade invejável era evidente em seus olhos.
Enquanto andava pela casa a falta de foco incomodava Alberta que não conseguia ver uma direção plausível a seguir, tudo era obscuro para ela, talvez seu erro fosse ter tido experiência somente em Venus. Uma cidade grande teria lhe dado bagagem necessária para ter sucesso em um caso como esse. Não era uma questão de cobrança externa, mas se continuasse patinando nas evidências ela teria que deixar o caso de lado até que o inverno mais rigoroso passasse e deixaria o caminho livre para um departamento mais experiente assumir o caso.
A todo momento a esperança de uma ligação sobre o paradeiro da família vinha embrulhar seu medo, mas com todos os contratempos a chance disso acontecer era reduzida a nada.
A preocupação com Furer também estava se enraizando no mais profundo medo, pois ele nunca havia ficado tanto tempo sem dar notícias, e dificilmente ele faltava ao trabalho. E se em alguma aventura investigativa solitária algo possa ter dado errado, muitas hipóteses se passavam na cabeça, principalmente estando dentro da casa da família onde fotos das meninas de sorrisos extensos ficavam isoladas penduradas nas paredes mal conservadas da casa.
O sentimento de tristeza habitava até os pregos cravados nas madeiras apodrecidas do chão que choravam a cada passo dado. A cinzenta paleta de cores que compunha a sala de jantar foi interrompida por um livro de capa rosa magenta que estava jogado sobre um encardido tapete felpudo, Alberta rapidamente se abaixou e pegou o livro, depois de sentir a macia capa com as pontas dos dedos ela o foleou rapidamente, nele existia um ar de delicadeza que era passado através das letras elegantemente desenhadas por inúmeras páginas. Não havia dúvidas ao olhar de qualquer um, aquele livro deslocado era um diário, mais precisamente pertencia a filha mais velha, onde logo na primeira página estava escrito “O diário da Lili”.
Alberta pode sentir um certo calor ao achar aquele objeto, olhando ao redor puxou uma cadeira de metal e se sentou sobre a mesa, posicionou o livro e então o abriu e começou a ler.
... Hoje é dia dois de Novembro de 2012, como de costume está muito frio lá fora, eu nem consigo sentir meus dedos direito, eles estão meio azulados, parece que os afundei em um pote de mirtilos congelados. Apesar de estar vestindo as luvas grossas que mamãe fez para mim, o aquecedor aqui de casa não está aquecendo nada, espero que meu pai conserte logo, depois que minha mãe jogou aquele prato nele noite passada acho que ele irá concertar mais rápido. É bem capaz que ele nem se lembre com tanta bebida que vomitou na sala. Fiquei bem assustada, mas eu peguei a Grace e a Beth e corri para o quarto com elas, não quero que fiquem ouvindo a discussão dos dois, eu fico triste só de olhar os olhos delas cheios de lágrimas quando ouvem papai e mamãe.
Eu brinquei com elas pra distrair um pouco, fiz uma casa e levamos nossas Barbies para tomar um chá bem quente naquela noite gelada. Não suporto mais as brigas deles, seja por dinheiro ou pela morte dos repolhos que não é culpa de ninguém.
A escola hoje foi difícil, tive prova de biologia, e meu Deus que prova difícil, a Dora saiu da sala falando que estava tudo muito fácil, mas a real é que não estava, pelo menos pra mim que não estudei, talvez eu esteja um pouco arrependida e deve-se estudar para a próxima.
Quando estava chegando em casa hoje o petisco estava me esperando na estrada, todo sujo ele pulou em cima de mim, encheu meu uniforme de barro, eu nem mostrei pra mamãe, entrei correndo pela porta dos fundos, corri até o banheiro e escondi as roupas bem lá no fundo do cesto, espero que ela demore pra lavar as roupas. Já prometeu várias vezes em dar o Petisco embora, mas eu tenho certeza que ela gosta dele, mamãe não é tão má assim, até por que já vi ela várias vezes acariciando ele quando não estamos por perto.
Bom sobre o jantar, foi sopa de repolho com alguns pedaços de galinha, estava bem gostoso, eu mesma repeti duas vezes, fiquei só de olho na cara feia da mamãe me olhando, mas no final encarei ela e acabamos rindo uma da outra. Nessa hora o papai ainda não havia chegado, na verdade ele ainda não chegou, já são uma hora da madrugada e eu estou aqui escrevendo, estou sem sono.
Nos últimos dias eu estou perdendo o sono assim que deito, não sei o motivo, sou uma boba, fico acordada na madrugada e crio coisas na minha cabeça, os peixes pulam lá no rio e eu escuto aqui do meu quarto, já me tremo toda pensando que tem algo na água.
Bom, é isso, resolvi escrever por que gosto, apenas gosto, aproveitando minha insônia de um jeito legal. Resolvi que quando não conseguir dormir vou pegar o lápis e escrever até eu sentir o sono, assim deito e durmo. Um bom jeito de praticar e chamar o sono!
Espero escrever outra vez amanhã!

Mais forte foi o golpe de frustração que veio de encontro ao peito de Alberta. O relato breve de Lili serviu como uma puxada abrupta no coração, pela primeira vez a Alberta sentiu uma ligação com a família, a necessidade de resposta emergiu.
Folheou o livreto novamente e viu que todas as páginas estavam completas com textos, as noites de insônia da menina não haviam parado e existia muito mais a descobrir sobre o cotidiano da família.
Certamente aquele diário do sono iria ajudar a encontrar alguma pista, não era possível que não teria indícios do que realmente poderia ter acontecido. 
Alberta saiu da casa, com passos largos foi até o galinheiro ao encontro de Susan, o som das galinhas aumentava gradativamente enquanto o cheiro de merda ardia em seu nariz gelado, Susan não estava por lá, havia apenas um saco de milho largado no chão, como se ela tivesse corrido as pressas.
Quando retirou seus olhos do saco Alberta já estava com sua Beretta em punho, não sabia o motivo, apenas precisava da arma naquele momento. Apertando os olhos a moça olhou a sua volta e foi andando sorrateiramente pelas cercas velhas e úmidas que rodeavam a casa. Cada passo afundado na neve era uma injeção que fazia seu coração disparar fazendo barulho dentro da sua cabeça.
Depois de algumas batidas fortes dentro do seu peito finalmente Alberta viu Susan debruçada sobre uma cerca, quando se preparava para perguntar o que havia acontecido ela pode ver o que Susan estava observando.
Havia duas vacas jogadas sobre o chão, com metade do corpo coberto por neve, sem esforço podia ver que havia esferas sobre o corpo dos animais, Alberta não tinha dúvidas, era o mesmo caso da fazenda Philomena.


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⏰ Última atualização: Feb 14, 2018 ⏰

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