Capítulo 01

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CAPÍTULO UM

27 de Maio, 19:43
Departamento de polícia da cidade de Venus










-Alberta, eu estou indo!
-Tudo bem, vou ficar mais um pouco, estou revendo alguns documentos.
-Ok, até amanhã!
- Até!
Os últimos raios solares passavam através da persiana cinza da sala, o aquecedor estava a todo vapor fazendo um barulho que passava despercebido perto do ruído causado por Alberta que afundava seus dedos sobre as teclas do teclado apagado ligado ao computador em sua mesa.
Ela estava concentrada em seu relatório, não podia ser diferente, ali estava o motivo dela ter cometido o ato que havia mudado toda a sua rotina recentemente, um assassinato, não foi em serviço combatendo ladrões de cobre ou coisa do tipo e sim mais precisamente em um assalto em que foi a vítima, o bandido pegou ela de surpresa quando parou em um dos semáforos em uma noite de sexta feira chuvosa, depois de apontar uma arma e pedir pra ela sair do carro ele reagiu ao ver seu distintivo sob o banco do carona, a equação era simples, a vida dele pela dela, sem escolha.
Passado algum tempo mergulhada em argumentos seus olhos de maneira natural foram de encontro a janela reparando que o sol havia sumido e que gotas de água desciam pelo vidro, o relógio pendurado na parede já marcava 21:14, se assustou com o horário, levou a mão no mouse e trilhou a seta na tela até o botão de desligar, ficou parada olhando as mensagens de despedida do Windows e então a tela ficou preta.
Deu um giro na cadeira e se levantou rapidamente, abriu a gaveta em sua mesa e tateou as chaves, foi até uma arara no fundo da sala e pegou seu pesado casaco verde e o vestiu, abriu a porta e sentiu o vento gelado e a chuva leve a tragar.
O pátio da delegacia estava vazio como de costume nas noites em que ia embora, somente a guarita estava acessa com uma luz baixa em meio a escuridão da rua mal iluminada.
Seu sedan prata estava lá solitário parado coberto por orvalhos, o som de seus passos perpetuavam por todo o pátio até a floresta de pinheiros que ficava ao fundo. A maçaneta estava molhada e fria, aquilo a incomodava, ela não gostava muito de umidade mas o destino a fez morar em um dos lugares mais úmidos e frio da terra a pequena cidade de Venus.
Depois de dar duas viradas na chave o carro finalmente pegou, manobrando ela foi andando devagar até a guarita onde buzinou para o S.r. Pete, que estava todo embolado por detrás do vidro embaçado, depois de um sorriso e um aceno tímido a cancela subiu e então ela pode acelerar rua a dentro.
A cidade estava vazia como de costume, afinal não era final de semana e o frio em conjunto com a chuva tomou conta de boa parte do dia. Depois de alguns semáforos e dois bairros residenciais ela finalmente chegava de frente a sua garagem, apertou o controle rapidamente e esperou o portão se abrir enquanto olhava ao redor, depois dos últimos acontecimentos ficar atenta nunca era o bastante, principalmente por que sua casa ficava distante da cidade em si, podia se considerar morando na zona rural.
Logo que desceu do carro e abriu a porta para entrar em casa já ouviu o miado da Catana sua gata, nesse momento ela se xingou por não ter comprado a ração que tanto havia se lembrado durante o dia.
-Desculpa Catana, acho que vai ter que ser leite outra vez! Sei que você não vai se importar! Amanhã eu trago sua maldita ração!
A gata só ficou por alguns segundos passando entre as pernas da moça e ronronando como um motor fofo. A companhia da gata a satisfazia nas noites que passava acordada vendo televisão ou escutando a rádio local que tinha uma boa trilha sonora Indie.
Após servir a tigela de leite para a gata e um pão com queijo a si própria Alberta subiu as escadas e foi para o banheiro onde ligou a banheira, se despiu e ficou mergulhada por um bom tempo tentando relaxar.
A cama a esperava todos os dias, com seus lençóis frios que traziam o descanso almejado depois de um exaustivo dia de trabalho.
...

28 de maio, 7:23, Casa de Alberta
Estava atrasada, sete minutos não seriam suficientes para chegar até o DP, ela ainda tinha que colocar agua no carro, ela não ficaria feliz em ferver o motor mais uma vez no ano, era horrível ter que ir para casa de viatura por mais de uma semana.
Ela despeja a água pelo bocal o mais rápido possível, mas o maldito galão não acaba e o pequeno tanque não se enche de vez, pronto, fechou o capô e correu para dentro do carro apertando o controle e abrindo a garagem, saindo acelerada. Chegar atrasada não era muito engraçado, principalmente quando seu departamento tem somente três agentes contando com você e o delegado, desse jeito você sempre faz falta por lá, mesmo que a última ocorrência séria tenha acontecido meses atrás ou até anos, resumidamente o trabalho por lá era puramente ajudar os moradores com seus medos muitas vezes ilusórios ou com alguma briga de casal que chega ao extremo.
Dez minutos depois estava ela estacionando o carro no pátio novamente, se lançou para fora e andou decididamente até a porta onde respirou fundo e entrou, lá estava Furer sentado na mesa do Delegado Deodato empunhando uma caneca que expelia uma pesada fumaça branca.
-Atrasada Berta! Ainda bem que você compensa seu horário a noite, caso contrário teria problemas não é? - Disse Furer estacionando a caneca sobre a mesa enquanto dava um sorriso descarado curvando as sobrancelhas.
-Sim Furer, até posso chegar três minutos atrasada, mas pelo menos uso protetor no fundo da caneca, você sabe que o Deodato não fica feliz com as marcas que você deixa na mesa dele! – Retrucou Alberta enquanto apontava para as múltiplas marcas de caneca sobre a mesa.
Furer soltou um palavrão veladamente e se levantou para pegar algo para limpar a mesa. Ele era um cara legal quando queria, somente era meio infantil aos olhos de Alberta, talvez por ser bem magro e aparentar bem menos idade do que realmente tinha.
Sorrindo e balançando a cabeça Alberta foi para sua mesa com passos largos enquanto ajeitava o coque em seu cabelo, nem pôde se sentar e já ouviu o toque do telefone dissipar pela sala ainda tomando luz, quando se preparava para levantar novamente veio Furer emergindo da copa, dando um sinal desajeitado de que ia atender e então agarrou o telefone se debruçando sobre a mesa.
Depois de algumas palavras e momentos de silêncio atento ele voltou o gancho na linha e rolou seus olhos para Alberta que aguardava algum som do moço.
- E então, o que era? 
- É complicado, você conhece os Lane? – Começou Furer com um tom sério.
-Aqueles da Fazenda Arizona?
- Sim, esses mesmo!
- O que tem eles?
- Desapareceram – Respondeu Furer depois de alguns segundos em silêncio.
Alberta ficou parada por um tempo, voltou os olhos para Furer que olhava para a mesa vazia.
- Tá, mas há quanto tempo e qual deles sumiu?
- Parece que faz dias que eles não são vistos entregando leite, e sumiram Todos!
- Como assim todos? A família toda?
- Pelo visto é o que parece, não estão conseguindo achar ninguém!
- E quem deu a queixa do desaparecimento?
- Foi a irmã do Joe, Susan.
-Mas ela chegou a verificar se eles não saíram pra algum lugar ou coisa do tipo? - Perguntou Alberta com sua cabeça pulsando de dúvidas.
- Sim mas nenhuma ligação ou bilhete, pelo que ela falou a casa deles estava aberta, os carros estão por lá, e tem até luzes acessas no meio do dia, como se tivessem saído às pressas.
- Bom o que resta é irmos até lá, e ver se achamos algo.
- Sim, vou informar ao Deodato e pegar uma viatura para irmos.
- Tudo bem! – Assentiu Alberta.
...
Já dentro da viatura guiada por Furer os pensamentos inflavam junto a um sentimento estranho que raspava no peito de Alberta, seria aquilo uma latejante ansiedade? Talvez, não se tinha registro de desaparecimentos na cidade há muito tempo, podia se dizer que nos três anos que Alberta estava ali nada de parecido havia chegado a delegacia.
Depois de passar por uma estrada de terra cercada por pinheiros as rodas do carro foram de encontro com uma decadente ponte de madeira que abriu caminho para uma visão encantadora, era a lagoa da luz que sumia em meio a névoa que pairava sobre o horizonte, a água era um tom de azul escuro e calmo que os perseguiu por mais ou menos dois minutos em cima da ponte até encontrar fim na encosta de pedra negra seguida pela infinita plantação de framboesas.
O cheiro doce inundava o ar, várias entradas de fazendas dos mais variados tipos eram vistas, até que depois de algum tempo finalmente Alberta suspirou ao ler Fazenda “Arizona” em uma placa de metal bem desbotada com um pouco de ferrugem, um nome pouco criativo para uma terra tão privilegiada como aquela, o pseudônimo ideal para aquele lugar na cabeça de Alberta era pedacinho do céu.
Entraram pela porteira que estava aberta, depois de rodarem por mais framboesas já avistaram a casa sede da fazenda, era uma construção grande, totalmente de madeira, era notório a falta de manutenção na pintura e até um pouco de mato que invadia o quintal da casa. Lá de pé ao lado de um carro SUV estava uma mulher de meia idade com cabelos loiros que voavam na dança do vento, parecia impaciente e a espera dos dois.
-Olá, eu sou Susan, a irmã do Joe! Eu que entrei em contato com o DP! – Disse a mulher se aproximando do carro.
- Há sim, é bom que esteja aqui Susan, precisamos da supervisão de algum familiar para entrar na casa, além de perguntas é claro. – Respondeu Alberta quanto saia de dentro da viatura.
- Olá Furer! – Disse Susan acenando na direção do rapaz que fechava a porta do carro.
- Bom te ver Susan!
Susan desviou olhar, parecia envergonhada com o momento, o mesmo podia se dizer de Furer que metralhava o chão com os olhos.
Alberta tomou a iniciativa e começou a dar passos em direção da casa, rapidamente olhando para trás viu os dois repetindo a mesma ação em silêncio. Logo quando colocou o pé no degrau barulhento da escada que dava para a varanda ela pode ver a porta branca meia aberta, empurrando a porta com mão direita Alberta rapidamente deduziu que não havia acontecido um possível arrombamento, tudo dentro da casa estava no seu devido lugar aos olhos de Alberta.
- Bom! Tudo parece em seu lugar, não tem nem sinal de arrombamento na porta e nada pelo chão. – foi dizendo Alberta enquanto entrava na sala da casa.
-Sim, e parece que não está faltando nada, pelo menos aqui em baixo, lá em cima não cheguei a conferir. – concluiu Susan se encostando na parede.
Furer permanecia em silêncio, somente andando pela sala, parecia checar tudo.
- Susan você pode me acompanhar até o andar de cima, vou dar uma checada nos quartos, e Furer, você pode continuar aqui no andar de baixo tudo bem?
-Tudo bem Berta! – Assentiu Furer.
Susan já se posicionou sobre as escadas e Alberta a acompanhou subindo até chegarem em um hall com um papel de parede todo florido que por um momento chamou a atenção de Alberta, que sorriu veladamente se lembrando de algo do passado.
Foram em frente e se depararam com um corredor com quatro portas do lado direito, já do lado esquerdo estava uma grande parede de janelas de vidro que deixavam uma pequena porção de luz que refletia na poeira dentro da casa, olhando atentamente Alberta pode ver uma roda amarelada sobre o carpete do corredor, olhando para Susan ela foi para a primeira porta e a abriu, era o banheiro, tudo pareci intacto, somente algumas escovas sobre pia e algumas manchas de pasta. Ao fundo estava a banheira, uma cortina de plástico privava a visão do que teria em seu interior, mais uma vez a ansiedade tomou conta de Alberta que com cautela foi em direção da cortina, em uma só movimento ela movimentou o plástico então pode ver o que tinha dentro da banheira, nada, seria clichê se tivesse algo, o que ela queria que estivesse ali? Um corpo! não isso seria muito ruim naquela altura, era tudo o que ela não queria achar depois de um desaparecimento, até por que aquilo envolvia três crianças.
-Alguma coisa Alberta? - ecoou o som da voz de Susan pelo banheiro.
-Não, tudo parece normal por aqui! – respondeu Alberta já saindo para fora.
- Eu vou checar o resto das portas, se preferir pode descer pra ver se Furer precisa de ajuda!
-Tudo bem! Vou descer, se precisar é só me chamar!
Alberta sinalizou com um sorriso, e então foi apertando a maçaneta da próxima porta, entrando com cuidado no desconhecido, era um quarto compartilhado, a beliche no canto da parede já entregava de cara, tudo estava arrumado a não ser as camas que estavam bagunçadas, a luz de um abajur parado sobre um criado estava acesa e o guarda roupas que estava com as portas escancaradas transbordando de peças.
Saindo do quarto ela sentiu um cheiro sujo que entrou pelo seu nariz, ela não tinha percebido tal cheiro momentos antes, poderia ser a diferença de ambientes ou coisa do tipo. A tarefa era ir a próxima porta e verificar, mas uma olhada mais atenta na mancha amarelada do carpete a fez ver outro detalhe, a soleira da última porta do corredor estava toda chamuscada, chegando mais perto Alberta pode perceber de onde vinha o cheiro que a surpreendeu, era do quarto.
Empurrando a porta ela simplesmente parou, seus olhos por segundo passaram por todos os cantos do quarto, jamais tinha visto algo do tipo, seu corpo ficou vazio de repente, com toda certeza suas veias dilataram antes de sua voz sair estrondando as madeiras da surrada casa.
-Furer! Furer! Aqui, corre aqui! 
Furer e Susan chegaram correndo sem sincronia com os olhos arregalados, os dois param ao lado de Alberta que ainda permanecia imóvel, então aí viram a perturbadora imagem.
O quarto estava todo queimado, as paredes estavam pretas junto com todos os móveis, ao fundo havia um buraco redondo no lugar da janela, parecia ter sido feito com maestria, estava um círculo praticamente perfeito entalhado sobre a parede preta, dando espaço para ver o nublado céu.
Furer entrou no quarto pisando sobre o chão de tacos chamuscados, parecia que tudo havia sido esculpido em um enorme pedaço de carvão, a luz vinda do furo no fundo do quarto formava um círculo cintilante no piso, Susan foi em direção do buraco na parede, o círculo era grande, devia ter mais ou menos um metro e meio de raio.
Alberta estava com os olhos paralisados, a necessidade de respostas batia com força em sua cabeça, a fazia sentir sua pressão subindo e apostaria naquele segundo que conseguia sentir o sangue fluindo rapidamente em suas veias, era como se algum sentimento obscuro se misturasse com seu sangue e o tornasse espesso.
Não havia o que ser dito, sem resposta para aquilo, um quarto todo queimado, porém sem sinal de corpos, além de um buraco na parede.
As dúvidas moldavam aquela fazenda, perguntas se misturavam pelo ar úmido que regavam a neblina que cobria um pequeno lago bem nos fundos da casa que ficava visível pelo buraco na parede.
Alberta pediu para que Furer descesse e pegasse a câmera no carro, eles precisavam registrar toda aquela cena, assim poderiam verificar com mais cautela posteriormente, Furer Assentiu com prontidão e então pode se ouvir seus passos pesados deslizando sobre a escada.
Susan permanecia imóvel, não dava sinais de tristeza ou algo relacionado a um afeto intenso sobre o ocorrido. Alberta tentou decifra-la por alguns momentos mas não teve sucesso, toda a situação poderia ser um choque para ela, precisava de tempo.

Depois de Alberta e Susan darem voltas no negro quarto Furer chega meio ofegante empunhando a câmera estacionada em sua trêmula mão.

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