Capítulo 1: Momentos antes de a narrativa começar [Mão. Painel do Pilão.]

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   Não é como se lhe restasse nada, ela pensava: ainda tinha o gato, chamado Zucchini em homenagem à descendência; o avô, para a casa do qual estava se mudando; a tia da biblioteca da escola, que a havia adicionado no Facebook na semana retrasada; o atendente do bar que ela sempre ia nas sextas feiras para comer pizza e tomar cerveja com a avó e as amigas dela. Não é como se tivesse perdido tudo, mas estranhamente parecia que sim.

   A moça com a qual fazia reiki tinha lhe explicado, nas primeiras consultas, que esse medo constante de falha que ela tinha se devia principalmente ao primeiro bebê de sua mãe. A mãe nunca tivera problemas para engravidar, mas perdeu o da primeira tentativa ainda nos três meses inicias- momentos nos quais Monalisa sabia que era muito fácil de perder um bebê. Depois, veio ela. Com certeza, sua avó dizia, o primeiro feto e ela, que depois se tornou Monalisa, não foram filhos de um mesmo pai, pois a clínica onde sua mãe tentara era muito cuidadosa e queria que as mulheres tivessem o máximo de chances possíveis de engravidar, assim que desejassem ser mães. Ela acreditava na moça do reiki, mas não desmerecia também toda sua falta de tato consigo mesma em relação à própria incapacidade de agir quando percebia que poderia vir a falhar. Ela tentava, realmente, respirar fundo, e contar até 10, e pensar em gatinhos fofos até que o coração voltasse a bater num ritmo regular, 12/8, mas não é como se isso funcionasse em situações de extremo estresse.

   Como na prova do vestibular, no ano passado, quando acertou menos questões do que no ano que fez só como treineiro. O agora mesmo, quando ela arrumava suas malas no guarda roupas marrom escuro, em seu novo quarto, num local carinhosamente chamado de o-fim-do-mundo. Ela realmente tentava, mas não é como se 3 litros de sorvete, 10 litros de masala chai na Índia, 42 carolinas de sua padaria preferida e 5 visitas ao set de Harry Potter em Londres fossem acalmá-la nesse momento. Ninguém iria. E ela gostava de se sentir irritada de vez em quando sem que alguém viesse culpar sua TMP, obrigada. Ela também tinha esse direito.

   Monalisa começava uma nova discussão consigo mesma sobre o movimento feminista quando o avô bateu na porta. Ela ainda demorou meio segundo para perceber que quem batia queria falar com ela, e que, como tal, ela precisava responder em nome da boa educação que sua avó lhe dera. Levantou os olhos devagar e virou os ombros em direção à porta. Não queria olhar para o avô naquele momento nem nos próximos 10 anos, era a verdade. Não sabia que precisaria lidar com a realidade tão cedo.

   - Oi, minha pequena- ele disse. – Olha o que achei no armário dos cobertores.

   Na mão ele carregava um maço de papel, sulfite 60, A4. Hoje em dia ela não desenhava mais nesse tipo, ela pensou. Mas aos 2 anos de idade isso devia ser o máximo.

   O primeiro na pilha era sua mão esquerda em tinta vermelha. Ergueu os olhos novamente para o avô quando percebeu manchas vermelho-amareladas nas bordas da página, como se alguém tivesse comido em cima da folha enquanto a menina deixava sua marca de infante em um papel que ela jogaria no lixo, se tivesse mais conhecimento sobre arte no momento de sua feitura.

   - Você estava com a boca toda suja de molho de tomate quando decidiu pegar as tintas de sua avó para pintar as paredes da casa, querida – o avô respondeu, quando notou que os olhos da neta não se desviavam das bordas das folhas, como se elas fossem uma espécie de fóssil que permitia afirmar que determinada ave não voava.

   "Então te demos folhas, para que salvássemos pelo menos um pouco da tinta branca da parede. Não adiantou muito, considerando que você marcou sua mão uma vez na folha e outras dez, em sequência, na parede até a cozinha, para mostrar para sua tia o que tinha feito. Sua tia, ao invés de limpar sua mão, deu um pouco mais do molho de tomate que fazia para você provar.

   "Você meteu a mão dentro da panela, cheia de tinta, a lambeu toda, e depois saiu arrastando a folha pintada, segurada com a mão suja, pelo restante da casa."

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