Eu não sei que horas são.Sequer sei ao certo onde estou ou que caminho seguir.
Ao que parece, o sentido de tudo que digo é tristemente literal. Tenho certeza de que esse é algum momento entre meia-noite e cinco da manhã, mas é impossível dizê-lo com precisão. É estranho andar por ruas tão conhecidas e senti-las tão distantes, irreconhecíveis. É como acordar de um coma, olhando ao redor e percebendo que tudo ali é conhecido, mas nada é familiar. São distinções sutis e supérfluas, eu poderia estar mais ocupada tentando encontrar um caminho de volta para casa.
Se é que tenho uma.
Não me lembro ao certo como vim parar aqui e não sei se devo isso a alguma substância previamente utilizada ou ingerida, ao sono, à dormência que toma meu corpo ou pela necessidade que tive de esquecer esse infortúnio antes que a angústia chegasse a me consumir. O motivo certamente não era bom. Não sou uma grande fã das caminhadas noturnas, mas é de se esperar que das diurnas eu seja ainda menos. Estou contente com meu quarto e com tudo aquilo que ele pode me oferecer; papel, caneta, violão e cama.
Minha mãe cita com certa frequência os males de se ser tão solitária em uma fase tão importante como a adolescência. A necessidade de se viver grandes emoções, amores intensos, momentos inesquecíveis. É um tanto quanto complicado levar conselhos em consideração quando simplesmente não há o que se fazer em relação a algo. O que tenho para hoje é um menino com quem tenho a relação mais estranha do mundo, e duas amigas tão instáveis quanto eu --ambas a novecentos e quarenta e quatro quilômetros.
Por um momento me sinto transportada a outra dimensão. As ruas por onde ando vão gradativamente se tornando algo completamente diferente. O céu escuro e a noite fria se transformam em um lindo dia de sol, e enquanto ando vejo a rua pavimentada transformar-se em um complexo de paralelepípedos que nada fazem além de me levar àquele lugar.
É. Eu definitivamente usei alguma coisa.
Volto ao meu estado original e avisto um banquinho no jardim da ciclovia entre avenidas. Eu costumava me sentar ali com Apolo todas as quartas-feiras, após suas aulas de piano. Conversáva-mos sobre absolutamente tudo. Foi naquele banco onde descobri tudo que o atormentava, tudo que o afligia, tudo que passava por sua cabeça. Eu achei que o tinha desvendado. Acreditei que entre tantas moças, entre tantas possibilidades, opções, eu teria sido a única a decifrar a mente de Apolo. Eu era privilegiada por ouvir as lamentações do jovem rapaz, eu era especial. Claro que ao chegar em casa, eu perceberia o quão errado aquilo era. Entenderia que dentre tantas, eu era só mais uma. Que Apolo encontrara em mim a segurança, mas não o amor. Que eu era o escolhido cofre, mas não a escolhida menina. Mas no fim do dia, era de se esperar que ao ouvir sua melódica voz proferindo lindas palavras, eu voltaria rastejando.
São tantas coisas passeando pela minha mente ao subitamente me deparar com a mesma vazia. O escuro do céu limpa meus pensamentos, dando espaço para uma avalanche intensa e destrutiva. Deve ser isso o que mais gosto nas noites, a possibilidade de me definir ao me decifrar, e acabar me perdendo no caminho, encontrando outros mil caminhos desconhecidos, ainda por desvendar. Encontrar um motivo para tudo isso, entender de que forma eu saio ganhando ao lutar tantas batalhas internas que mal sei onde uma acaba e outra começa.
Às vezes até me pego a pensar em desistir. Ao mesmo tempo que é tão encorajador olhar ao meu redor e perceber o que tenho, vejo que qualquer esforço que eu fizer, por mais grandioso e desgastante que seja, provavelmente não fará a menor diferença. É estranho pensar que estamos dentro de uma esfera gigante, repleta de um conjunto de gases que misturados nos mantém vivos e que também nos presenteia com um líquido inodoro, incolor e ínsipido que constitui 72% de nossos corpos e produz grande parte daquilo que consumimos, e mesmo assim não temos propósito algum.
Estudei na escola teorias de diversos filósofos, uns alegando que com a verdade vem a vida, consequentemente a felicidade. Outros alegam que com a vida, vem a verdade. Espero um dia acreditar nisso de "a verdade vos libertará", até hoje ela não tem sido nada além de um fardo. Me pergunto constantemente se uma venda para a realidade seria minha salvação ou minha ruína.
Isso ainda é algo a se descobrir.
Eu sou Ártica, e estou longe de ser fria. Eu sou densa, intensa, muitas vezes desgastante e até exagerada. Eu sou Vênus.
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aurora
Randomé o abandono. desolação. é o impertencer e o desamparar. é desistir por não existirem outras formas, outras escolhas. é o intenso mesmo que por pouco. são as cores vívidas pingando em olhos, e se esquecendo de pintar. é o fim sem um começo. anamne...