Capítulo 1

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“Tire suas mãos de mim
Que eu não pertenço a você
Não é me dominando assim
Que você vai me entender
Eu posso estar sozinho
Mas eu sei muito bem aonde estou
Você pode até duvidar
Acho que isso não é amor”
— Legião Urbana, “Será”

1985

Margô pegou o pedaço de papel dobrado que Andréa lhe entregava por debaixo da mesa. Espiou a professora para ter certeza de que ela não estava olhando, mas ela estava de costas, escrevendo com o giz na lousa. Desdobrou a folha de caderno que continha uma mensagem na letra garranchada de Rob.

“Te espero na frente da sua casa, às dez.”

Inclinou-se para frente para olhá-lo e dar uma piscadela de cumplicidade, e como resposta, recebeu um sorriso.

Ah... Aquele sorriso.

Dobrou a folha da mensagem com cuidado, guardando dentro de seu caderno como se fosse um grande tesouro, assim como guardava as outras mensagens e uma fita cassete de rock que ele havia lhe dado, e que ela havia decidido que uma das músicas representava o seu amor.

“Não vá embora, fique um pouco mais
Ninguém sabe fazer o que você me faz
É exagero e pode até não ser
O que você consegue ninguém sabe fazer”

Ao fim da aula, Margô juntou suas coisas para sair e contar para as amigas sobre o encontro.

***

As coisas não saíram exatamente como Margô planejou, a começar pelo fato de que sua mãe não permitiu que ela saísse para uma festa em um horário tão tarde da noite.

Mas, determinada como era, Margô fingiu ir dormir mais cedo e se arrumou correndo para sair. Pegara maquiagem escondido da mãe, e um par de brincos. Escolheu uma de suas blusas e uma saia vermelha, que dobrou um pouco no cós para tornar mais curta, já que sua mãe ainda lhe comprava roupas muito longas, não do tipo que suas amigas usavam agora.

Assim que estava pronta, olhou as horas no relógio da parede. Faltavam cinco minutos para as dez. Abriu a janela com cuidado e pulou, deixando a apenas encostada para que pudesse entrar novamente quando voltasse.

Os pés baterem silenciosamente sobre a grama, e ela olhou para os lados antes de sair, mas sem ao menos notar o olhar admirado de sua mãe através da janela.

Pensando estar passando despercebida, dirigiu-se ao portão, e o abriu com cuidado, para correr em seguida para a rua, como alguém que tem a vida inteira pela frente.

Rob estava ali, como o combinado, a esperando debaixo de uma árvore, em um ângulo que seria impossível de se ver de dentro da casa. Ao se aproximar dele, Margô foi pega pela cintura, e ele a puxou para um beijo.

Ela ainda se sentia nervosa com isso, mas gostava muito de beijos, e Rob tinha uma boca macia, que proporcionava uma sensação agradável em contato com a sua.

Com dez minutos de caminhada, e alguns mais perdidos em beijos aleatórios pelo caminho, estavam no endereço onde seria a festa. Um dos garotos do último e seu irmão mais velho, já formado, estavam aproveitando uma viajem dos pais para usar a casa como bem entendiam.

Pessoas conhecidas circulavam dentro e fora, e a música pulsava acelerada. Rob e Margô apenas entraram pela porta, e o garoto logo foi reconhecido por sua turma de amigos. Alguns deles cheiravam estranho, e falavam de maneira atrapalhada, mas Margô atribuiu isso ao fato de que eles tinham bebidas na mão, e já pareciam beber há um bom tempo.

E não eram só eles, muita gente estava bebendo, gente que não deveria, inclusive, por não ter idade suficiente para isso, e quando lhe ofereceram, Margô negou, Rob não.

Se desvencilhando do grupo, Margô saiu e encontrou Andreia sentada na calçada, com um cigarro aceso entre os dedos.

— Você está fumando? — Margô perguntou incrédula, se sentando ao lado dela e a encarando com o cenho franzido.

— E daí? — ela perguntou, e seu hálito fedia a tabaco. — Não sabia que você era tão careta, Margô.

Nem ela mesma sabia, assim como não tinha ideia de como seria essa festa quando saísse de casa, já que apesar de ter recebido convites algumas outras vezes, sua mãe sempre negava, mas essa era a primeira vez que se atrevia a sair sozinha.

Vendo sua confusão, Andreia percebeu que deveria tentar ajudar de alguma forma, então estendeu o próprio cigarro para Margô.

— Toma — ela disse. — Prova isso.

Ainda que hesitante, ela aceitou. Pôs na boca e sugou o ar através do cigarro. O resultado foi engasgar e ter uma violenta crise de tosse, com o seu corpo tentando expelir a fumaça para fora. Margô estendeu o cigarro de volta para Andréia, balançando a cabeça negativamente, e indicando que não iria fazer isso outra vez.

A amiga, por sua vez, deu de ombros e deu uma tragada, antes de dizer:

— Tenta se enturmar, se quiser alguma diversão.

Levantando-se do chão, Margô caminhou pela varanda até encontrar mais uma pessoa conhecida, e essa, pelo menos, parecia estar na mesma situação que ela.

— Achei que festas fossem algo mais legal — comentou Will, enquanto ela se sentava no banco de madeira ao seu lado.

— Eu também.

Will era seu colega de classe desde que mudara de escola. Era um garoto estudioso, e alguém que ela definitivamente nunca esperaria encontrar em uma festa.

— Acho que a diversão de que eles falam é apenas uma alucinação causada pelas drogas e pelo álcool.

— Estão usando drogas? — Margô perguntou assustada, e Will confirmou.

Mas não era de se estranhar, muita gente andava fazendo esse tipo de coisa nos últimos tempos, e muita gente acabava doente de uma hora pra outra. Criando uma simples relação entre uma coisa e outra, sua consciência dizia que deveria manter distância.

— Aí está você — disse alguém saindo de dentro da casa. Era Rob, e parecia descomposto. — O que esta fazendo com ele? — Rob lançou um olhar duro para Will, que o ignorou completamente.

Margô deu de ombros.

— Conversando.

— Conversando — ele repetiu, e agarrou Margô pelo braço, fazendo a se levantar.

Rob a puxou para o lado da casa, onde havia um corredor escuro, e a prendeu na parede, cobrindo seu corpo com o dele.

— Aprenda uma coisa — ele disse segurando seu queixo. — O único homem com quem você tem conversas é comigo.

Ele a beijou duramente, e o gosto era terrível. Margô tentou se desvencilhar, mas Rob era mais forte e não deixava, e quanto mais ela tentava fugir, mais empolgado ele parecia com a situação, e usava a mão que não segurava seu braço para tocar seu corpo sem a sua permissão, puxando sua saia de uma forma que daria uma bela visão da sua calcinha se não fosse pelo escuro.

— Rob não — ela falava, tentando empurrá-lo, mas ele parecia não ouvir. — Rob...

E repentinamente o aperto afrouxou, e sem prévio aviso, ele caiu no chão desacordado.

Uma Noite em 1985Onde histórias criam vida. Descubra agora