Prólogo

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Era uma noite linda, as duas luas brilhantes estavam cheias e lançavam seus raios dourados e violetas sobre a colheita abundante daquele ano. As estrelas iluminavam o céu com força e os animais estavam mais quietos do que de costume, como se todos esperassem e fizessem silêncio, para testemunhar um grande evento que ocorreria naquela noite.

No momento em que o cometa Ameris se tornou visível entre as estrelas Mila sentiu a primeira contração que enviou dor através de seu corpo. Era a segunda criança que trazia ao mundo e reconheceu a dor que significava que finalmente tinha chegado o momento. Deitada na cama ela acordou o marido que dormia ao seu lado e ele correu em busca da parteira.

 Logo o quarto havia se enchido de vida. Velas perfumadas foram acesas sobre todas as superfícies possíveis e servas iam e vinham carregando toalhas e bacias. Na porta do quarto o primeiro filho, apenas um menininho, chorava diante da dor da mãe até que a ama o carregasse para longe dali.


Ao contrário do parto de Ilus, que fora rápido, as dores das contrações, que iam se elevando, duraram a noite inteira. Faltava pouco para o amanhecer quando ajudaram Mila a se levantar e se posicionar, uma mulher a amparava de cada lado e a parteira ajoelhada a sua frente lhe falava com palavras doces para que fizesse força. E ela fez, tudo que queria era aquela criança nos braços.

  Quando o último vestígio do cometa sumiu no horizonte um baixo choro foi ouvido e comemorações foram feitas pelas outras mulheres no quarto.

-É uma menina!- disse a parteira com animação.

E Mila, que acabara de virar mãe pela segunda vez, sorriu enquanto a ajudavam a repousar novamente.

-Eu quero vê-la.

Depois de alguma movimentação que ela não fora capaz de registrar a parteira se aproximou com um embrulho menor do que ela esperava e que estava em silêncio, não chorando impaciente como seu primogênito fizera, e o colocou em seus braços. O coração da mãe deu um pulo e voltou a acelerar ao ver sua filha pela primeira vez.

Ela parecia um floco de neve. Linda.

Sua pele era branquinha branquinha, sem nenhuma marca ou mancha. Ela passou a mão sobre o cabelo dela e ele tinha um fraco tom dourado como o brilho da Grande Lua e sedosos como o mais fino tecido.

 E, então, tinha seus olhos.

Seus olhos eram grandes e redondos, com iris de um tom castanho avermelhado e profundo, e a encaravam em silêncio como se a analisasse também. Por um momento ela se sentiu medida pela própria filha que não emitia um único som, apenas a olhava com o que podia jurar que era curiosidade. Uma certa estranheza recaiu sobre a mãe. Com cuidado desenrolou os panos que envolviam o bebê e examinou sua pele. Ela era perfeita e completamente branca.  Se destacava totalmente nos braços morenos de Mila. E se destacaria ainda mais nos braços de seu marido.

-É ela mesmo? Não é possível, eu não entendo.

Perguntou exasperada com lágrimas nos olhos e logo a criança em seus braços começou a chorar. Nervosas, as servas olhavam entre si.

A parteira, que tinha tantos anos de experiência e que havia trazido a própria Mila ao mundo, sabendo que quando uma mãe rejeitava a criança logo após o parto o laço entre mãe e filho seria irremediavelmente danificado, senão até destruído, tomou a frente e se ajoelhou ao lado da cama erguendo sua voz para que todas a ouvissem.

-É claro que é sua filha, os astros lhe favoreceram. - começou, sabendo da forte crença de Mila. - Hoje é uma noite especial, é a véspera da colheita, as Luas e o cometa dividiram sua luz com essa criança. Foi um nascimento abençoado. Comemorem!

Aquelas palavras confortaram Mila, lhe deram forças para apresentar com orgulho sua recém nascida ao marido e ao filho. Uma mentira gentil que fez com que amasse aquele bebê com todas as forças enquanto buscava sentido nas estrelas para que ela não se parecesse em nada com ela, nem com o marido, nem com qualquer outra pessoa do clã.

A criança foi batizada em homenagem ao cometa que cruzou o céu naquela noite, Ameris, e seu nascimento foi motivo de comemoração e foi celebrado junto a festa da colheita. E a alegria durou vários anos. As palavras de consolo da parteira mantiveram Mila firme por muito tempo. Uma mentira gentil para um coração aflito.

Mas nenhuma mentira dura para sempre.

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