ALL OF THE STARS.

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Parte dois.
Short fic.
ALL OF THE STARS.
Ikigai (n.): Uma profunda razão de ser. O que faz você levantar todas as manhãs.


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Algumas semanas depois.

"Concede-me, Senhor, a serenidade necessária para aceitar as coisas que não posso modificar, coragem para modificar aquelas que eu posso e sabedoria para distinguir uma das outras". Mike, profissional encarregado do grupo de reabilitação a que Demi faz parte, prega, como faz habitualmente em todas as manhãs. "Certo, pessoal. Mais uma vez. Deixem a oração entrar em vocês. Não a deixe ser palavras sem sentido, por favor". Seus olhos recaem para a morena entre Jesper e Gwen no círculo. Demi fora um dos seus casos mais difíceis, com certeza. Em seus primeiros dias, era a própria rebeldia em pessoa. Se negava a sair do quarto e quando fazia, proibia qualquer pessoa de se aproximar. Odiava que a ajudassem, ainda que, pelos boatos, tivesse vindo para a reabilitação por vontade própria. Era uma verdadeira contradição. Isso até que a atingissem em seu ponto fraco. Mike então, assistiu de camarote a sua melhora inegável. Quando questionada, dizia que não se orgulhava do que já tinha feito e que esporadicamente sentia-se mais sozinha do que de costume. Entre a metade do primeiro mês e grande parte do segundo, ela havia se transformado na paciente mais dedicada e mais feliz consigo mesma que conhecia. Infelizmente, de umas semanas para cá tinha visto a melhora regredir, assim como, a tristeza se expandir por cada pedacinho do corpo invejável daquela mulher. A razão ficou escondida por pouco. A família de Demi não tinha aparecido em nenhum dos feriados que se deram depois do que a filha da mulher viera a visitar. Sentia-se abandonada e quando o fazia, lembrava-se que sua filha, muito provavelmente, nutria esse mesmo sentimento em relação a ela até os dias atuais. Mike permaneceu lhe encarando até que ela levantasse a cabeça e observasse as suas orbes azul clarinho. "Por que você não puxa a oração dessa vez, Demi? Estou com saudades de ouvir a sua voz".

     Demi permanece lhe observando por alguns segundos, sem ter certeza se fazia o pedido ou passava a vez para algum de seus colegas.
Não andava se sentindo muito bem. De tempos em tempos achava que tinha sido deixada no descaso de Deus e que estava perdendo o contato com a realidade.
Estava lutando diariamente pela sua sobriedade e tentando aos poucos, se perdoar por todo o mal causado em outros tempos. No entanto, a falta da família e a tristeza e raiva de si mesma pelo o que tinha causado na própria filha, lhe assombrava toda vez que piscava ou fechava os olhos. Queria estar bem por eles, porém, a falta dos seus rostos no sábado lhe causava um vazio torrencial em seu peito. Durante a semana era mais fácil de suportar, mas nos fins de semana em geral, a depressão lhe atingia com força e a sua cama tornava-se o lar que sempre almejara.

     Observando a quietude, Mike permanece em silêncio, esperando com cuidado a resposta que gostaria de receber. Não queria pressiona-la e arriscar de perder os três meses que a mulher tinha vencido seu vício e lutado pelo próprio bem-estar.
Demorou um pouco, é claro. Demi achava que não era boa o suficiente e que tinha, de alguma forma, se tornado um peso de papel na vida de todo mundo. Mike e o resto da equipe, tentavam a todo o custo mudar esse tipo de pensamento, mas a previsão de mais alguns meses de tentativas era cada vez mais real durante o tempo.
De qualquer forma, o aceno breve de cabeça encheu o peito do psicólogo de orgulho. Estava feliz pela aceitação, já que em semanas, tudo o que Demi fazia era ouvir e nunca falar.

"Concede-me, Senhor, a..." Numa hesitação, Demi olha ao redor. Parte dos familiares dos pacientes começam a entrar e nenhum rosto conhecido está à vista. A tristeza lhe embriaga logo cedo e as lágrimas começam a juntar-se no canto dos olhos. Será igual ao outro fim de semana e ao antes desse também. "... a serenidade necessária para aceitar as coisas que não posso modificar, coragem para modificar aquelas que posso e sabedoria para distinguir uma das outras". Essa oração nunca fizera tanto sentido antes.

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