2. PROCURA-SE: DISCÍPULOS

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2.1 Chamamento

Quando se pressupõe o ato de discipulado, logo conceitua-se que o ato está ligado ao chamamento de Jesus, como algo limitando, apenas um ato com fins religiosos, onde uma determinada liderança busca instruir os neófitos. Mas ele rompe as barreiras do âmbito religioso, e está amplamente relacionado com o processo de ensinar, capacitar uma determinada ciência a outro indivíduo.

Quando se parte do pressuposto de que ele está concatenado com a instrução, é nítido observar sua relevância no contexto judaico e consequentemente no cristão. Quando o cristianismo é estudado, partindo da sua raiz ideológica, observa-se que os primeiros idealizadores estão ligados ao contexto social judaico, onde o discipulado é tratado como um alicerce da nação. Nesse contexto, o chamamento ao discipulado, era introduzido nos primeiros momentos da existência do indivíduo, tendo seu prelúdio no aconchego do lar, tal como afirma Vaux (2004):

A mãe dava aos pequenos os primeiros elementos de uma instrução sobretudo moral, (...). Esses conselhos maternais podiam estender-se também aos adolescentes, (...). Entretanto, os moços, ao saírem da infância, eram principalmente confiados aos seus pais. Um dos deveres mais sagrados destes era ensinar seus filhos, quer se tratasse de ensinamento religioso, (...), ou educação em si, [...]. (VAUX, 2004. p. 72).

Esse processo de ensino, era de responsabilidade dos pais, que através da vivência propagavam de forma oral e prática, princípios morais, civis e religiosos a sua prole. Todo esse processo visava a formação do indivíduo, que consequentemente acarretaria uma série de benefícios para o meio social. A construção do indivíduo se dava nos momentos relacionais, onde seu start se dava no convívio, e percorrendo por todas as esferas do cotidiano.

Assim como em outras culturas, o processo de ensino (discipulado) ganha uma nova configuração, onde a responsabilidade que antes era dos progenitores, sofre um processo de mutação. A centralidade do ensino que antes acontecia no aconchego do lar, agora é transferida para terceiros, a família que antes era responsável por todo processo de instrução e formação de sua prole, transfere essa responsabilidade a outros:

(...) é provável que no Egito, na Mesopotâmia e entre os hititas, existissem desde muito cedo, nas duas capitais, escolas de escribas onde se formavam os funcionários reais. Entretanto, um ensino escolar organizado apenas é atestado em uma época tardia. A palavra "escola", bêt-midrash, se encontra pela primeira vez no texto de Eclo 51.23. Segundo a tradição judaica, só no ano 62 d.C. o sumo sacerdote Josué ben Guimla decretou que cada cidade e cada aldeia deveriam ter uma escola que as crianças deviam frequentar obrigatoriamente, a partir dos 6 ou 7 anos. (...) Tudo isso se refere unicamente à educação dos meninos. As meninas ficavam sob a direção de sua mãe, que as ensinava o que deveriam saber para seu ofício de mulher e para o cuidado de uma casa. (VAUX, 2004. p. 74).

Como mencionado por Vaux (2004), o método que antes era orgânico (familiar), ganha uma certa "importância" ao ponto de ser enfrentado como algo curricular obrigatório. É importante ressaltar a discrepância de gêneros, algo cultural, se tratando da sociedade judaica, onde o público masculino era discipulado pelos mestres de seu tempo, enquanto o feminino era direcionado aos cuidado maternos, o priori era a formação de futuras esposas.

Na ótica cultural judaica é praticamente impossível dicotomizar o discipulado, em duas áreas distintas (sacro x secular), pois toda concepção de mundo do Judeu convergia na figura de Deus. Ele é totalmente interligado ao aprendizado, e uma vez que alguém buscava construir um determinado conhecimento, automaticamente estava se tornando um discípulo de um determinado mestre, e passava então a comungar da ideia de seu tutor, conforme observado por Martins (2017):

Muito mais que ser discípulo de alguém, o judeu era discípulo do que Deus revelou através de Moisés e dos profetas. (...) O verbo usado por Cristo para "fazer discípulos", na grande comissão, foi mathēteuō. (...), esta palavrinha grega é usada para trazer a idéia de tornar-se pupilo, ser instruído e ensinado.

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