Capítulo 1

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   Sempre quis voltar para minha vidinha pacata no campo, sentindo o cheiro do café de Dona Lúcia saindo quentinho do bule. Ela sempre dizia que a vida na metrópole era cheia de sujeira e gente ruim tentando se aproveitar uns dos outros. De fato, penso que ela sempre esteve certa, apesar de ter encontrado algumas exceções durante o caminho.

   Meu pescoço estava latejando por ficar quase a noite inteira acordada no ônibus em viajem de volta para a casa dos meus pais. Um sujeito idoso babava e roncava o tempo todo ao meu lado no ônibus, tornando o trajeto ainda mais dificultoso.

   O tempo que não pude dormir foi usado para pensar sobre tudo e sobre nada. Como minha vida havia chegado naquele ponto era algo que eu me questionava com frequência, mas que não podia responder com total certeza dos fatos. Dona Lúcia sempre dizia que o dia que eu encontrasse a "tampa da minha panela", a vida seria feliz e próspera. Anjos desceriam dos céus tocando trombetas. O ar teria cheiro de rosas e sempre havia amor, carinho e café da manhã na cama. Tudo bem, estou exagerando um pouco, mas foi algo próximo disso.

   A verdade é que ainda penso em Eduardo com muita frequência. Mais do que eu deveria ou gostaria ou deveria. Parte de mim pensa que eu devia voltar ao ponto onde estava até duas semanas atrás. Se eu não tivesse feito tal coisa, ou dito tal coisa, como a vida seria agora? Estaríamos em uma praia dividindo um sanduíche e escutando as ondas?

   Eu queria apagar da memória todos os momentos ruins que tive com ele e recomeçar, e por isso decidi voltar para onde tudo começou. Apesar disso, eu olhava a cada cinco minutos para a tela do celular na esperança de que alguma mensagem apareceria. Nada aparecia. A bateria estava acabando e as tomadas do ônibus estavam todas em uso. Decidi apenas admirar pela janela a paisagem.

   O caminho começou com prédios, ruas, e muitas luzes. Mas lá pela metade do caminho só se via coisas verdes. Montanhas cheias de árvores de todos os tipos. Vez ou outra aparecia um portão de uma fazenda ou um ipê colorido para diferenciar. O céu parecia cada vez mais bonito conforme me afastava da metrópole. 

   Era como se desintoxicar de todo o mal que aquele lugar tinha. Não um mal proposital e ameaçador, mas era algo que envolvia toda a metrópole numa sombra de desejos e vontades completamente individualistas que levavam as pessoas de lá a buscar apenas suprir suas próprias vontades sem enxergar quem quer que estivesse ao seu redor. Assim também era Eduardo, nascido e criado naquela selva de pedras.

Memórias de Outro TempoWhere stories live. Discover now