Quando perguntei a Kovos Konigan o motivo para o seu súbito interesse em viagens no tempo, a resposta não poderia ter sido mais evasiva. Ele abriu um sorriso desarmador, como tinha o costume de fazer, e tocou no microfone de meu celular, como que se certificando de que o aparelho estava funcionando.
- Senhorita Keller, por muitos anos vivemos sob a impressão de que visitar o passado não fosse nunca passar de ficção ou de uma metáfora bem elaborada. Ao vislumbrarem algo grande e magnífico, um gigantesco leão branco, muitos homens têm o costume de fugir ou de cair ao chão em prantos, acreditando não serem aptos a domá-lo. Felizmente, eu não acredito em costumes – ele se dobrou à frente, fuzilando-me com seus olhos de safira. – Ou na existência de algo que eu não seja capaz de domar.
- O dispositivo seria o seu leão branco?
Pensando em retrospecto, não acredito que aceitar conduzir aquela entrevista tenha sido uma boa ideia. Konigan era elegante e carismático, mas também manipulador e uma das pessoas mais perigosamente inteligentes que já tive a oportunidade de conhecer. Para ele, um veterano da mídia agressiva, seguir o tópico da conversa deveria ser algo simples, mas, por alguma razão, o ministro cismava em se comunicar por parábolas, evitando as minhas perguntas como se não percebesse que já estávamos conversando há quase uma hora inteira.
- O dispositivo é apenas uma ferramenta. O leão é a ideia de usá-lo, de viajar por dimensões que nossos cérebros mal são capazes de compreender, de quebrar as leis da natureza...
- Como a sua equipe chegou a esta descoberta? – foi mais uma tentativa de fazê-lo voltar ao assunto em questão. – E vocês já têm um nome oficial? Alguma ideia de quando a máquina será revelada ao público?
Ele levou o indicador ao lábio, parecendo se divertir.
- Se fosse a minha intenção divagar sobre os aspectos mais mundanos da descoberta, eu teria chamado uma coletiva, e não solicitado pessoalmente pela sua presença aqui hoje.
Ao ouvir isso, resolvi desligar o microfone e mirá-lo através de suas íris azuis. Seus olhos eram cordiais, mas não sinceros, e nunca correspondiam exatamente ao riso de sua boca ou o franzir de suas sobrancelhas. Eu rapidamente aprendi a julgar suas intenções pela luz de seus olhos ao invés de por sua retórica ou pelos numerosos sorrisos que ele lançava.
- Uma pergunta fácil, então. Por que eu? Centenas de outros jornalistas dariam qualquer coisa para estarem aqui em meu lugar. GMY, Togo Zarin, Diário de Lauren... Eu sei que o governo recebeu propostas tentadoras para tornar isso um evento público, então por que decidiu ignorar todo o resto da mídia e me chamar aqui?
- Para mim, é mais atraente saber que a informação será manuseada com o cuidado que ela merece do que deixá-la ser estraçalhada por abutres sem requinte. Eu li o seu trabalho, senhorita Keller, pode me considerar um grande fã. "Os Preceitos da Paz" e "A Vida e Morte do Homem Vitruviano" são alguns dos meus favoritos, mas também já li a maior parte das suas biografias. Você, minha cara, possui algo que os seus pares não têm: charme, paixão e, o mais importante, amor pela verdade.
- E-eu não sei o que dizer...
- Que tal derreter um pouco esse gelo? Você parece tensa desde que entrou aqui.
Ao ouvir aquela cantada descarada, meu rosto corou de tal forma que não vi nenhum modo de escapar daquela situação senão recolhendo minhas coisas e me dirigindo à saída.
- Desculpe-me, eu vim preparada para uma audiência, não um papo com café. Você é um homem bonito, mas não estou interessada.
Eu caminhei pesadamente pelo vasto escritório de Konigan em direção à saída, preparada para destrancar a porta e encarar a multidão de fotógrafos e curiosos que aguardavam no lado de fora, desesperados para captar qualquer palavra do que estava sendo dito naquela sala. Não sentia raiva ou remorso, apenas uma sensação de apequenamento por aquele desenrolar, e uma profunda preocupação com o quão patética eu pareceria quando descobrissem que havia jogado no lixo a única chance real de saber mais sobre a máquina misteriosa.
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Detrás do Véu
Historia CortaMeu nome é Diana Keller, vinte e oito anos, graduada em uma renomada faculdade de jornalismo e ainda em busca da história que irá deslanchar minha carreira. Por algum motivo que desconhecia, fui selecionada para entrevistar Kovos Konigan, uma das pe...