11/12

7 0 0
                                    

A professora Sullivan falava entusiasticamente algo sobre Platão, mas sua voz parecia distante de mim naquele momento. Meus olhos ainda estavam inchados e avermelhados, assim como meu nariz, pelo choro de dez minutos atrás, mas a aula de filosofia parecia estar sendo mais interessante para o resto da classe do que minha cara de enterro. Felizmente. 
Meu corpo estava jogado de qualquer jeito sobre a cadeira, e meu rosto descansava pesadamente sobre um punho, apoiado por um cotovelo sobre a mesa. Com o olhar vagando pelas linhas do caderno, eu ainda podia sentir a sensação de culpa presa em minha garganta, como se minha dor de cabeça pulsante já não se encarregasse de me castigar o suficiente. 
Quando a srta. Sullivan deixou a classe após sua longa aula dupla, notei que uma pessoa se aproximou da minha carteira, e ergui meu olhar pra ver quem era. Meus parabéns ao filósofo que disse que as coisas sempre podiam piorar, se é que Murphy era um. Filosofia não era meu forte mesmo. 
– Eu só queria te falar que nosso trato está desfeito – Kelly murmurou, parecendo tão irritada por estar me dizendo aquilo que evitava me olhar – Pode ficar tranqüila, aquelas fotos nem existem mais. 
Franzi levemente a testa, sem entender por que ela estava fazendo aquilo, mas antes que eu pudesse abrir a boca, ela já se afastava em direção à sua carteira. A única possibilidade que me veio à cabeça me fez afundar ainda mais em minha própria depressão. Só podia ter dedo dele naquela história. 
Durante a última aula, eu continuei mergulhada em meu desânimo, e mal conversei comRaphaella na hora da saída. Também não viBruno, que provavelmente devia estar atrapalhado no laboratório, e assim que avistei o carro de mamãe na saída da escola, corri em sua direção. Eu precisava sair daquele lugar e ficar sozinha no meu quarto o mais rápido possível. 
Passei o dia naquele mesmo humor, só deixando meu quarto pra comer um pouco. Quando deitei na cama após o jantar, o cansaço de uma noite mal dormida me venceu, e eu dormi pesadamente, apesar dos insistentes pesadelos. Todos previsíveis, envolvendo o acidente de Troye. 
Acordei no dia seguinte, um pouco menos cansada, e segui minha rotina matinal até chegar à escola. Apreensiva pra saber se ele viria hoje, eu me sentei ao lado de Raphaella , como sempre, e não desgrudei meus olhos da entrada do colégio. Para minha sorte, não demorou muito e Bruno chegou, conversando animadamente com alguém, que não era ninguém mais, ninguém menos que o professorSivan. 
Meus olhos se cravaram nele, que parecia completamente saudável, fora o pequeno curativo em sua testa. Não estava pálido, muito menos abatido. Parecia até bastante animado, rindo enquanto conversava, e andava normalmente, sem sinais de lesões ou fraqueza. Um alívio imenso me dominou, mas não consegui relaxar por completo, porque logo os olhos de Bruno estavam nos meus, e ele sorriu fraco, parecendo ressentido com a desculpa brusca de ontem. Tudo que me faltava era ficar mal com ele, sem dúvida. 
O dia se passou tediosamente, fora minha inquietação. Depois do intervalo, arrastei Bruno para uma sala que sempre ficava vazia no térreo e me desculpei pela pressa do dia anterior, restabelecendo a calma em nossa relação. Apesar de tudo estar se endireitando novamente, eu ainda estava determinada a pedir desculpas a Troye e me ver livre daquela horrível sensação de culpa, mas só a hipótese de ter aquele olhar enfurecido no meu já me fazia tremer da cabeça aos pés. Eu não tive coragem de procurá-lo naquele dia, muito menos no dia seguinte, e só voltei a vê-lo quando minha aula de biologia laboratório chegou, mais rápido do que eu gostaria. 
Entrei no laboratório, tensa apesar dos sempre agradáveis minutos sozinha com Bruno depois de sua aula, e vi o professor Sivan cercado por Kelly e suas amigas. Ele estava encostado na lousa, com os braços cruzados na altura do peito e um sorriso charmoso, conversando amigavelmente com as meninas. Notei que ele já não usava mais o curativo na testa, e fiquei feliz por saber que ele estava fisicamente recuperado do acidente, que de certa forma, eu causara. Me sentei no lugar de sempre, tentando em vão não observá-lo demais durante a aula, mas olhar pra ele ou não era indiferente, já que seu rosto não se virou uma vez sequer na minha direção. Troye me fez sentir como se eu nem estivesse ali, coisa que ele sabia fazer e muito bem. O que eu estava esperando dele afinal? Que ele viesse me agradecer por tê-lo enfurecido tanto a ponto de fazê-lo ferrar com sua BMW? Ele tinha dito que nunca mais olharia na minha cara, e estava cumprindo com sua palavra. 
Após o que me pareceu uma eternidade, o sinal tocou, anunciando o fim da aula, e todos seguiram em direção à mesa dele para lhe entregar seus relatórios. Diante da pressa do resto da classe para ir embora, eu apenas continuei sentada, encarando meu relatório feito pela metade com muito esforço, até me encontrar sozinha com Troye no laboratório. Previsivelmente, ele apenas continuou sentado em sua cadeira, organizando os relatórios recém-entregues, com a expressão concentrada. 
Respirei fundo, me enchendo de uma falsa coragem, e fiquei de pé para entregar meu relatório. Senti a folha tremer de leve em minhas mãos, denunciando meu nervosismo, mas continuei caminhando devagar até alcançar sua grande mesa. Assim que parei à sua frente, notei seu olhar se desviar brevemente dos relatórios e se erguer quase que imperceptivelmente até a altura de minha cintura, o bastante apenas pra me reconhecer e voltar a ignorar minha presença. Respirei fundo novamente, com o coração se debatendo dentro do peito. 
– Professor... – comecei com a voz fraca, encarando sua cabeça baixa, e não tive coragem de terminar. Minhas lágrimas estavam lá, como no dia anterior, sem que eu sequer permitisse ou as quisesse ali e tornando minha voz embargada, mas ele não pareceu se importar. Arrancou meu relatório de minhas mãos de um jeito brusco, ainda sem me olhar, e o colocou de qualquer jeito em sua pasta. Fechou-a, guardou-a em sua mochila e pôs-se de pé, já com uma de suas alças sobre o ombro e caminhando determinadamente até a saída do laboratório. 
– Me desculpe – ouvi minha voz dizer, num sussurro esganiçado, e o silêncio substituiu o barulho de seus passos, denunciando que ele tinha parado de andar. Mesmo sem vê-lo, pude senti-lo ainda presente, mas não tive coragem de me virar para encará-lo e apenas esperei alguma reação sua, que demorou eternos segundos para finalmente vir. 
– Não perca seu tempo – a voz fria dele rosnou, ecoando pelas paredes do laboratório, tão silencioso que me permitia ouvir os batimentos acelerados de meu coração com nitidez. Fechei os olhos com força, tentando parar de chorar por uma tristeza profunda que eu mal conseguia entender, enquanto seus passos revelavam que ele tinha me deixado a sós com minha culpa esmagadora. 

BiologyOnde histórias criam vida. Descubra agora