Capítulo 2

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Deitado na cama macia de seu novo dormitório, Jonas ainda tentava pôr em ordem todos os acontecimentos das últimas 24 horas. A confusão no final do discurso do conselheiro – uma pane de energia confundida com um ataque terrorista – não era nem de longe a parte mais surpreendente.

Era difícil acreditar que, exatamente um dia antes, enquanto tentava se acomodar no colchão fino do antigo alojamento, ele tinha finalmente se convencido de que sua vida nunca iria mudar. Nada tinha feito nenhuma diferença: relatórios de bom comportamento, os ótimos índices de produtividade, as avaliações positivas dos psicólogos depois das sessões quinzenais... Tudo parecia ter sido em vão. Jonas nunca convenceria ninguém a promovê-lo.

Se tivesse ouvido o discurso de Valeriano antes, provavelmente teria gargalhado. Se tinha uma coisa que a vida tinha lhe ensinado até então era que seu passado o perseguiria para sempre. Ele e Danilo, o irmão mais novo, eram órfãos e viviam no alojamento dos jovens que eram preparados para trabalhar na conservação das torres. Com o tempo, foi ficando cada vez mais claro que o futuro dos dois seria inevitavelmente esse: limpar com esmero o espaço em que circulavam as pessoas que tinham nascido com mais sorte e torcer para encontrar um quarto para viver que não estivesse infestado de mofo.

Quando recebeu a notícia de que alguém do governo queria falar com ele, Jonas pensou que o encontro fosse apenas selar seu destino. O treinamento estava concluído e ele seria enviado aonde quer que ele fosse necessário. Sua única esperança era não ter que se separar do irmão.

Ele não fazia ideia de quem era Valeriano Mendes. O homem de pele morena e cabelos brancos o recebeu na sala da supervisora do alojamento, um cômodo pouco maior que o quarto que Jonas dividia com o irmão. Numa das paredes, uma foto emoldurada da floresta fazia as vezes de paisagem na sala sem janelas.

O homem sorriu ao vê-lo, e Jonas notou que ele segurava uma caixa.

– Então você é o Jonas – ele disse, e em seguida deixou a caixa de lado para mexer na mesa de centro a sua frente. – Por favor, sente-se.

Jonas obedeceu e se acomodou na ponta do sofá, sentindo-se desconfortável. Valeriano tocou de leve o tampo da mesa de centro, que se iluminou e revelou ser uma tela. Jonas viu suas avaliações e relatórios a seu respeito surgindo lado a lado, junto com diversas fotos suas desde que chegara ao alojamento. Na mais antiga delas, ele era só um pouco mais velho do que Danilo era hoje. Era esquisito ver como o tempo passara rápido.

– Boas notas, boa conduta... – Valeriano murmurava enquanto dispensava os relatórios. – Você parece ser muito esforçado.

Ele olhou para Jonas esperando algum comentário, mas o garoto não abriu a boca.

– Me diga uma coisa, Jonas. O que você quer fazer com a sua vida?

Jonas sentiu o coração bater mais rápido, e se esforçou para lembrar a resposta que ensaiava desde sempre.

– Eu quero poder ser útil onde eu for necessário – ele respondeu, soando mais robótico do que pretendia.

Valeriano sorriu com condescendência e Jonas corou.

– Eu gostaria que o treinamento dos outros jovens do seu antigo alojamento tivesse sido tão bem-sucedido assim. Mas você não é como eles, não é, Jonas? Os meninos e meninas que passam pelo nosso programa de reinserção costumam ter histórias muito parecidas. São quase sempre rejeitados pelos pais, ou retirados de famílias disfuncionais e fadadas ao fracasso. Nos piores casos são delinquentes com chances de recuperação muito pequenas.

Conforme ele ia falando, o coração de Jonas batia mais rápido. Quanto de seu passado aquele homem conhecia? Quando ele pegou um envelope e tirou de dentro alguns papeis com anotações, Jonas percebeu que o assunto era sério. Se não tinha sido possível digitalizar aqueles dados, era porque eram confidenciais demais. E aquilo não cheirava nada bem.

– Mas a sua história, Jonas, é um pouco mais... complicada, não é mesmo?

Jonas não sabia o que estava escrito naqueles papéis, mas sabia que ali estavam registrados os motivos para ele ser quem era e estar onde estava. Ele prendeu a respiração e não ousou encarar o conselheiro enquanto ele passava os olhos pelos documentos.

Para sua surpresa, Valeriano rasgou o maço de papéis bem na frente dele. Em seguida, recolheu os pedaços e os rasgou novamente, até não sobrar nada além de papel picado, que ele jogou por cima da mesa de centro, agora desligada.

– Quer saber o que estava escrito ali? Um monte de besteiras. Seus pais cometeram alguns... erros, e é bom que você saiba disso. Mas você não é como eles. Você é o aluno mais destacado do nosso programa, e não é justo que você passe a vida toda à sombra do que eles fizeram. Seu futuro é todo seu, Jonas. E eu acho que você tem um papel muito importante para desempenhar na nossa história. Tem uma coisa...

Valeriano abriu a caixa e tirou de dentro dela um cordão prateado com um pingente de abrir, que entregou a Jonas.

O garoto o abriu imediatamente, e logo se arrependeu de tê-lo feito. Reconheceu imediatamente as pessoas que estavam nas duas fotos: seus pais. Então Valeriano sabia exatamente do que estava falando.

– Achei que eu não tinha o direito de mandar destruir isso. Fique com ele, se quiser. Eu não tenho tempo para explicar tudo, mas você vai receber as orientações de que precisa. Volte ao seu quarto e faça as suas malas. Você e seu irmão estão saindo daqui.

– E para onde é que nós vamos? – Jonas perguntou ainda sem entender o que estava acontecendo.

– Para o lugar onde o futuro está acontecendo. Para o 68º Complexo.


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Amazônia 22Where stories live. Discover now