Depois

Gabriela

A noite em que eu conheci a Nina mudou a minha vida completamente. Eu era jovem, estava no meu segundo ano de arquitetura e tinha um melhor amigo chamado Carlos. Se não fosse pelo divórcio, Carlos e eu ainda manteríamos contato, mas na época éramos muito próximos, talvez pelo fato de ninguém mais na turma nos entender como nós dois e, por causa disso, sempre procurávamos pessoas de fora.
Fazia algumas semanas que ele estava num relacionamento com um garoto do curso de belas artes,o nome não me lembro agora, só durou seis meses. Mas a importância que aquele rapaz inominado teve na minha vida foi astronômica, foi o namoro dele com o meu melhor amigo que me fez conhecer a minha futura, agora ex, esposa. 
Vamos Gabriela, não quero me atrasar!
Carlos já estava pronto fazia um tempo, mas eu ainda estava terminando os últimos retoques da maquiagem sem pressa nenhuma. Era uma noite quente e eu não estava no clima para passar a madrugada toda numa festa com o pessoal de belas artes, onde as únicas pessoas que eu conhecia eram o meu colega de quarto e o novo namorado dele. Não sei se foram os pedidos insistentes de Carlos ou a minha falta do que fazer numa sexta-feira à noite, mas a questão é que, mesmo pensando ser uma roubada, eu acabei indo e, até hoje, não houve um momento sequer em que eu tenha me arrependido da minha decisão.
Quando chegamos na tal festa, o menino, que sigo sem lembrar o nome, nos deu uma breve apresentação à um grupo de pessoas. Cumprimentei a todos, mas na minha memória hoje são só borrões sem rosto, um deles me ofereceu uma cerveja, aceitei. Lembro que estava gelada e, se tudo desse errado naquela noite, pelo menos isso valeu a pena.
Alguém começou um assunto sobre um artista do qual eu nunca havia ouvido falar, Carlos estava fingindo se interessar, mas eu não tinha a mesma força de vontade. Discretamente me retirei da conversa, não que alguém fosse ligar pro meu sumiço, avistei uma porta aberta que dava para a varanda e vi nela a minha chance de aproveitar a cerveja em paz, além de fugir do calor.
A primeira imagem que eu tenho da Nina é daquela noite. Ela estava encostada no parapeito, os cabelos longos e negros estavam jogados pelo seu ombro, sua mão segurava um cigarro, eu acompanhei com o olhar enquanto ela o colocava na boca e soltava a fumaça em seguida.
Nunca acreditei em amor à primeira vista, mas quando eu a vi fumando sozinha naquela varanda uma parte de mim passou a acreditar. Puxei assunto e ficamos conversando a noite toda, fui me apaixonando por cada sorriso, cada opinião louca e brilho nos olhos. No fim, minhas mãos estavam no seu rosto e os nossos lábios se tocavam, enquanto eu pressionava seu corpo contra a borda da varanda. Aquele foi o nosso primeiro beijo e agora, quase vinte anos depois, estávamos as duas no banheiro de um restaurante repetindo a mesma emoção do passado.
Quando paramos deixamos ainda nossos rostos próximos, respirando o ar uma da outra, mas sem nos encarar. Eu não tinha pensado direito antes de beijá-la, eu nem ao menos sabia se ainda a amava ou estava apenas apegada à memória seletiva de um amor bom e seguro. Um mês depois do divórcio eu já me encontrava com outras mulheres, mas o prazer que elas me proporcionaram não foi o suficiente para que me sentisse menos sozinha. Eu achava que sentia falta de uma relação, mas talvez só sentisse saudades da Nina.
Eu tinha dado o primeiro passo para a separação. Claro, nós duas estávamos esgotadas, sem vontade de lutar por um amor que aos poucos ia se tornando desafeto, mas eu desisti primeiro. Voltar atrás na minha decisão seria uma facada no meu orgulho, mas isso era última coisa com a qual eu me preocupava no momento. Nina estava ali na minha frente e eu tinha a chance de tentar de novo, por isso eu não iria desperdiçar nenhum minuto.
— Você quer pagar a conta e me levar pra sua casa?