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04 de abril de 1912
O escritório do meu pai nunca ficara tão cheio em um dia. As transações antes da viagem estavam acontecendo a todo vapor, e muitos acionistas ligavam isso ao fato de eu ganhar o título de Conde. Vê-los ali uns rindo, outros sérios e outros nem aí, me fazia me sentir mais vazio por dentro.
Desde os 16 anos que eu já comandava as reuniões de negócios, antes disso meu pai já me ensinava tudo sobre finanças e como lidar com a elite. Vários homens se aglomeravam pela enorme biblioteca onde o escritório do meu pai se encontrava. O Visconde de Southampton, meu tio Victor, iria assumir os negócios enquanto eu estivesse fora.
Minha mãe o indicara e eu nem pensei muito. Meu tio era um exemplo para mim e sempre ajudara a família, principalmente quando meu pai morrera.
- Compramos duas minas de ouro ao leste do Brasil. – um banqueiro, sócio da empresa falara. – E mais duas no continente Africano.
- Ótimo. – eu sorri. – Já estava na hora de começarmos a investir em coisas novas.
- Duas minas do grupo McLaren já estão quase vazias. Duas mineradoras de ferro já fizeram propostas pelos lugares. – meu tio Victor falou.
- E por que não explorarmos nós mesmo o ferro? – minha mãe no fundo da sala se pronunciou.
- Como Condessa? – perguntei elegantemente.
- Sim, certamente temos maquinário novo que faça isso. – ela completou.
Os homens na sala ficaram perplexos. Era sempre assim quando minha mãe falava. Ela sabia se posicionar na hora certa.
- Coloque isto no papel, Vosso Senhorio McLaren. – meu tio disse e eu anotei no caderno de futuras negociações. – Antes da viagem do meu sobrinho para a América retomaremos essa reunião senhores.
- Ótimo. – o duque de Agyll, pai de Luigi falou. – Vamos nos retirar para um brinde e para jogarmos um pouco.
Um a um os homens foram saindo da sala e só sobrara eu e mamãe. Ela sorrira orgulhosa pra mim, como se eu tivesse acabado de cometer um ato heroico.
- Seu pai estaria muito orgulhoso meu filho. – ela falou e se retirou, me deixando sozinho na enorme biblioteca.
Comandar os negócios de papai nunca fora problema para mim. Mas desde que fizera 18 anos, eu tinha cada vez menos a ajuda de mamãe. Como se ela quisesse que eu aprendesse a me virar sozinho.
Esse distanciamento todo me deixava um pouco ansioso, já que eu sentia agora o que significava ser um adulto. Ouvi batidas na porta e um olhar cor de mel adentrou o recinto.
- Posso entrar? – Jaden perguntara me olhando.
- Claro. - eu sorri para ele.
Jaden era meu irmão por parte de pai. Meu pai tivera um caso com uma das criadas da casa e acabara por tê-lo. Eu o considerava da família, mas minha mãe não conseguia nem olhar em seus olhos, já que ele era uma cópia exata do meu pai.
- Conseguiu o visto? – perguntei olhando o envelope em suas mãos.
- Consegui meu senhor, liberaram depois do senhor ter depositado todo aquele dinheiro na minha conta. – ele falou se sentando.
- Ótimo. – eu sorri pegando o envelope e revisando os papéis.
Meu sorriso murchou na hora que vi a documentação. Um enorme BASTARDO estava escrito em seu visto de viagem.
- Vou poder viajar, mas não de primeira classe. – o menino falou.
- Isso é um absurdo. – falei dando um soco na mesa. – Você é meu irmão.
- Não perante a sociedade...
- Temos o mesmo sobrenome... – comecei e senti um nó na garganta. – Meu pai te registrou...
Ele balançou a cabeça positivamente, mas eu sabia que parte daquilo era culpa minha. O menino crescera no luxo, mas não desfrutava das mesmas regalias que eu. Não ia a festas, não podia entrar pela porta da frente, nunca receberia um título ou herança.
- Eu estou acostumado Julian. – ele falou. – Já viajei em classes médias várias vezes, não é surpresa que dessa vez não seja diferente.
Aquilo cortou meu coração. Por que a monarquia era tão dura com aqueles que não tinham as mesmas chances que os nobres?
- Classe média... – gaguejei sabendo de quanto Jaden sofrera quando papai o levava para ajudá-lo nas minas ou quando ele ia estudar. – É diferente de terceira classe.
Ele sorriu. Apesar de tudo, Jaden era um menino bom. A mãe morrera em seu parto e todo carinho de mãe que o mesmo teve fora de nossa ama de leite. Só tinha 16 anos, e seu sonho era ir para os Estados Unidos, onde sabia que teria uma vida mais digna, sendo bastardo ou não.
- Vou devolver o dinheiro...
- Não quero. – falei suspirando. – Usa o dinheiro na América. Estude, tenha melhores oportunidades do que aqui. Você merece.
Jaden me abraçou. Ele não era culpado dos problemas de meu pai, mas sofria como se fosse. Parte disso por minha mãe, que mesmo acolhendo o menino dentro de casa, sempre o tratara com frieza e rispidez.
- Vou me certificar de que nunca falte dinheiro. – falei o afastando de mim e o olhando nos olhos. – Você vai ser feliz lá.
- Obrigado meu irmão. – Jaden sorrira e depois saíra do escritório.
Ir para a América era como se tivéssemos sendo libertados de um regime de escravidão. Com um porém: eu nunca havia sido escravo.
Parei de frente a um espelho e me olhei. Jaden e eu éramos quase idênticos. Só que ele era dois anos mais novo que eu. Tínhamos a mesmo cor pálida, os mesmos olhos, os mesmos cabelos castanhos. Mas quando se está debaixo do poder real, ou você é alguém na elite britânica ou você não é nada.Lide com isso, ou morra lutando.
¤¤¤
As roupas reais chegaram um pouco depois do almoço. Os criados estavam em alvoroço para a abertura dos pacotes de roupa. Eram selados e vinham com dois costureiros para que fizessem os ajustes.Como de costume, mamãe deixava que os criados se amontoassem para ver o luxo de ser nobre. Enquanto os dois homens faziam os ajustes, o povo suspirava. Jaden estava sentado no topo da escada e soltava risadinhas do espetáculo que se havia montado.
Eram roupas lindas. Meu terno todo feito de seda italiana, com detalhes em diamante e ouro, representando a fortuna da família, deveria ser o preço de toda a casa.
Minha mãe brilhava em tons azuis e brilhantes. O vestido realçava seus cabelos e os olhos verdes.
- Perfeito. – o costureiro falou por fim.
Todos na sala irromperam em palmas e vivas. Éramos o sonho impossível de todos eles. O sonho de uma vida melhor.
- Dispensados. – mamãe falou e cada um voltou aos seus afazeres.
Jaden desceu para me ajudar a tirar o terno, e enquanto eu pendurava o resto da roupa, ele vestiu o terno e se olhara no espelho. Era como ver meu pai novamente.
- Que tal? – ele perguntou com o terno escorregando em seus ombros.
- Um horror é claro. – mamãe falara antes que eu pudera pensar. – O que acha que está fazendo, vestindo uma roupa da corte real?
Jaden rapidamente tirou o paletó e o entregou aos costureiros que saíram do recinto.
- Desculpa minha senhora. – ele falou abaixando a cabeça.
- Dispensado. – ela falou e ele saíra subindo as escadas alegre como sempre. Nada o abatia, nunca. – Que inconveniente...
Eu fizera um olhar a reprovando. Quando ela percebeu, deu um suspiro profundo.
- Desculpa, está bem? -
- Desculpa, está bem? – mamãe falou enquanto uma criada terminava de lhe ajudar com seu vestido. – O que iam pensar? Os costureiros podiam achar que não temos pulso firme com os...
- Jaden não é criado. – falei em tom forte. – É meu irmão. A senhora queira ou não.
- Eu sei. – ela falou e dispensou a jovem que a ajudava. – Não precisa jogar na minha cara. Vejo-o andando pela casa todos os dias, desde que nasceu.
- Você conversou com minha tia? – perguntei seguindo a linha de raciocínio de mamãe, enquanto íamos para a cozinha.
- Sim. – ela disse com desdém. – Vai abrigar o menino também.
- Bom.
Minha mãe parou na minha frente e segurou meu rosto. Olhar fixamente em seus olhos, me lembrava os tempos de criança, quando viver era menos atribulado.
- Um dia você vai entender... – ela começou. – Faço isso pelo nome da nossa família.
Assenti para ela e a deixei na cozinha dando ordens. Com minha mãe não se discutia. Nada se questionava. A ultima palavra era sempre dela. Ser a condessa de Southampton endurecera o seu coração, e eu rezava dia e noite, para que o mesmo não acontecesse comigo.
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Ainda eram dez da manhã, quando cheguei a casa de Ivana. Ela estava deslumbrante como sempre e seus criados serviam o chá no jardim. A casa dela era grande com muralhas em volta. Os jardins davam para uma enorme piscina no meio do lugar.Meu tio era um dos sócios das mineradoras McLaren, mas como ele era bastante doente, ele só vivia do lucro de suas ações. O que lhe permitia uma vida boa, mas não tão luxuosa quanto deveria.
- Que grande honra o senhor estar comigo hoje. – Ivana sorriu e me abraçou.
- Por favor, só me chame de Julian hoje. – sorri e me sentei junto a ela.
- O chá do jeito que gosta senhora. – uma jovem encheu nossas xícaras.
- Obrigado Laura. – Ivana falou sorrindo para ela. – Dispensada.
Tomei um gole do meu chá e ele desceu maravilhosamente bem. Naquela manhã cheia de compromissos, relaxar um pouco fazia bem.
- Pronto para a posse amanhã? – ela perguntou me fazendo voltar para a realidade.
- Não. – falei tomando outro gole de chá. – Sinto que estou me afogando, sem nada para me apoiar.
- Conde de Southampton e diplomata oficial da família real. – Ivana deu uma risadinha. – Depois de amanhã, neste mesmo horário, terei que me referir a você como meu Senhor.
Revirei os olhos para ela e depois ri. Tirar sarro de situações sérias era tudo que eu e Ivana conseguíamos fazer quando estávamos juntos.
- Sua mãe vai dar o almoço hoje Julian. – tia Melissa falou se aproximando de nós. – Chamou todos da família e os sócios. Quer fazer algo nobre.
- Deixei-a gritando em casa. – falei lembrando-me. – Agora entendi o motivo.
- Devo me arrumar mãe? – Ivana perguntou sem olhar para Melissa.
- Certamente que sim. – minha tia falou ajudando-a a se levantar. – E não vista nada impróprio. Quero muita elegância para esse almoço.
Ivana sorriu e me deu um beijo antes de sumir pra dentro da casa. Melissa sentou na mesa comigo e se serviu de chá. Minha tia e eu não tínhamos muita intimidade, já que era o meu tio, parente do meu pai. Ela ali na minha frente, só fazia minha mente arquitetar vários motivos para ela estar ali.
- Precisamos conversar. – ela falou olhando para mim, enquanto eu tomava mais uma gole de chá.
Vindo de Melissa eu só tinha uma certeza: coisa boa não era.
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1912
Ficción históricaMarcado por um turbilhão de emoções, Julian McLaren se encontra numa difícil situação: vai ser nomeado Conde de Southampton e mandado para a América em busca de novos acordos diplomáticos. Sua cabeça juvenil, tenta de todo jeito entender como a mona...