O recital

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A Mary sempre quis que na adolescência eu frequentasse aulas de piano e, por isso mesmo, hoje estou a ir para a casa da minha vizinha Madeleine que dá aulas de piano. Acho que ela nunca simpatizou muito comigo por achar que tudo de bom que me acontecia deve-se se ao meu aspeto, mas enfim, nunca percebi realmente o verdadeiro motivo de tanto desprazer.

O Carl também vai lá estar para fazer uma última preparação. Ele vai tocar no recital da escola que se realiza uma vez por ano no último dia de aulas, e com isso ajudar uma instituição de caridade escolhida por sorteio.

No caminho para lá passei pelo Carl na sua mota. Desde que o conheço que ele queria aquela mota, já tem dois anos que os pais ofereceram-na como prenda do seu 16ª aniversário e continua como nova. Ele faz questão de a lavar duas vezes por mês e verificar o óleo uma vez por semana, como estar sempre atento aos dias a ir à oficina.

Quando me viu acenou e parou para me dar boleia até lá. Começamos a estar mais vezes juntos desde que o irmão dele, o James, começou a namorar com a minha melhor amiga, a Caroline. Eu pensava que ela gostava do Carl por ele ser o capitão da equipa de futebol da escola e por nenhuma rapariga resistir aos olhos castanhos cor de avelã e à pele morena.

Já à porta da casa da Madeleine o Carl pergunta-me: 

- Então vais logo à noite assistir ao recital?

- Já tens muitas pessoas a apoiar-te, de certeza que faço falta? Não quero obstuir a paisagem - respondo sarcasticamente.

- Pois sim, muito engraçada Stephanie. Tu sabes que quero que vás. Sinto a tua falta quando não apareces... Além do mais não me queres deixar a fazer de vela, certo? - disse quase a fazer beicinho.

- Certo, eu apareço. - sorri-lhe levemente.

Dirigimo-nos para a entrada onde Madeleine já estava à nossa espera.

(Já de noite, hora do recital)

Mandei uma mensagem à Caroline a dizer que já estava pronta e à espera deles. A Mary e o Tom não vão puder ir, surgiu um imprevisto no hospital onde trabalham. Devem chegar tarde, se calhar até mesmo só amanhã.

Ouvi música a vir da rua, calculei que fosse do carro deles. O James mete sempre o som no máximo. Fui buscar a mala e calçar os sapatos. Desci e lá estavam eles no corolla preto da Caroline com o James ao volante. Entrei no carro e do outro lado estava o Carl. Todos eles cumprimentaram-me e logo a seguir o James arrancou com o carro. Olho para o Carl e pergunto-lhe:

- Então, nervoso?

- Não, já não. - disse olhando para as pernas.

O James com um sorriso matreiro entra na conversa e diz:

- Pois ele fica nervoso por outros motivos...

- Maninho está concentrado na estrada. - disse com um sorriso irónico.

Fiz-me desentendida e não disse mais nada até chegarmos.

- Ja chegamos. - disse a Caroline entusiasmada - É melhor sairem já. Nós vamos procurar um lugar para estacionar o carro.

- Pois, preciso de me ir preparar. Vens Stephanie? - perguntou-me.

- Sim, claro. 

O James parou e nós saimos.

Entrei com o braço dado ao Carl. Ele despediu-se e deseije-lhe boa sorte. Foi em direção ao palco. Fiquei um pouco desamparada, mas não por muito tempo, pois a Caroline e o James vieram em meu socorro.

- Isto que acabe para irmos ao bar festejar o fim das aulas. - disse o James entusiasmado.

- Certo, e a Stephanie vem connosco. - disse respondendo por mim.

- Mas eu prometi aos meus pais que não ia chegar tarde. Sabem como é que eles são, mesmo a trabalhar estão sempre de olho no que faço. - disse na expetativa que não insistissem mais.

- Espera, tu hoje tens a casa só para ti? - perguntou-me o James radiante.

- Sim, acho... - respondi aborrecida por já saber o que o James ia querer.

- Então amiga Stephanie eu acho que é melhor e muito mais responsável irmos para tua casa do que andar na rua já tão tarde. De certeza que os teus pais iriam achar o mesmo... - disse com um tom de sabichão.

- Sim Stephanie e o Carl também ia preferir assim. - disse a acompanhar o James na tentativa de me convencerem.

- Está bem, pode ser, mas se querem bebidas têm que comprar, nada de beber as que estão em minha casa. - disse assertiva.

- Sim Stephanie - disse o James animado - Eu sabia que tu eras a maior - disse abraçando-me.

Logo a seguir foi ter com um amigo que lhe acenava deixando-nos. A Caroline encostou-se a mim e disse:

- Sabes que o Carl ainda não te esqueceu, certo? Ele não vai desistir. 

- Não percebo porque, eu disse-lhe que não sentia o mesmo, e que não esperasse por mim, e de certeza que ele não o está a fazer... Tem muitas raparigas atrás dele. - disse olhando para o palco à espera que o piano se ouvisse.

- Vá lá Steph não sejas hipócrita, tu também sentes algo, admite-o. - disse olhando para mim.

Começou-se a ouvir barulho e senti-me agradecida por não pudermos continuar com a conversa. O James veio ter connosco e agarrou-se à Caroline. O barulho começou a já não se fazer ouvir dando inicio ao som do piano, fascinante e inquientante. O Carl não se enganou em nenhuma parte, não podia ter estado melhor. A Madeleine estaria orgulhosa.

No fim da atuação todos aplaudiram e ouviram-se assobios. Só depois de ter agradecido e ainda ter falado com professores e alunos é que conseguiu vir ter connosco e lá saimos.

- Gostaste? - perguntou-me o Carl.

- Foste muito bom. Acho que todos ficaram arrepiados. - respondi-lhe confiante.

- Uau, que bom, ainda bem que achaste isso. - disse contente.

Entramos no carro e fomos em direção à loja mais próxima para comprar bebidas.

- Nós não iamos aqui ao bar? - disse o Carl confuso.

- Não a Stephanie convidou-nos para ir a casa dela. Os pápás estão a trabalhar. - disse com um sorriso de orelha a orelha.

- Muito bom. Obrigada Steph. - disse a rir-se, pois sabia que tinha sido convencida a isso.

Compramos as bebidas e insisti para que não levassem muitas, mas obviamente que nenhum deles prestou-me atenção. Fomos então para o carro e sem mais paragens chegamos à minha casa.

O James como sempre instalou-se e não fez cerimónias. A Caroline abriu as bebidas. Compraram vodka, coca-cola e ainda cerveja. Não se animam com pouco, infelizmente. O Carl misturou a vodka com a coca-cola e bebeu ainda uma grande quantia e eu acompanhei-lhe com cerveja e só depois fomos para o meu quarto. Ele começou a ver os CD's novos que tinha e logo a seguir ligou o computador e sentou-se na cadeira à frente deste para me mostrar o que é "boa música". Ele faz sempre isso, como se fosse algum teste e ao qual estou sempre a chumbar. De repente desliga o computador e olha para mim seriamente. 

- O que é? - pergunto-lhe embaraçada.

- Não te percebo... - disse cabisbaixo.

- Porque é que dizes isso? - perguntei-lhe sem não perceber donde aquilo vinha.

- Sinto que não percebes o quanto me magoas. - disse isto levantando-se e dirigindo-se até mim.

- Não digas isso. Não é nada disso. - disse inquieta.

- Stephanie não mintas, vá lá, eu estou aqui, e estou a dizer-te. És tu e eu. 

Ao dizer isto beijou-me.

A PassagemOnde histórias criam vida. Descubra agora