Beatriz

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Não falo com Bia desde ontem e já faz mais de uma semana que não a vejo.

Ela, sempre tão linda, costumava esperar minha chegada naquela típica cena de filme americano: dois braços apoiados no batente da janela, cortinas e cabelos esvoaçantes pelo vento do fim de tarde. Eu descia do ônibus e andava as poucas quadras entre o terminal e a casa dela com um sorriso no rosto, sabendo que tudo melhoraria quando a visse.

Nosso relacionamento começou em uma Sexta-Feira de Verão, no parque. Eu estava lá, sozinho, sentado num banco sob as árvores acompanhando as pessoas viverem suas vidas. Sempre gostei de observá-las: me fazia sentir vivo, mais próximo delas. Silente, no meu canto, apenas as assistia. O Sol desaparecia no céu azul de tempos em tempos, quando as nuvens passavam, e o ar ficava mais fresco instantaneamente: lembro-me de respirar fundo cada vez que acontecia, meu coração acelerava e eu sorria sem sequer me dar conta disso.

Minha rotina se repetia com frequência. Ia a parques às Segundas, pela manhã, e às Sextas, ao fim da tarde: acreditava que começar a semana em contato com a natureza e terminá-la da mesma forma era a maneira ideal de levar uma existência plena e feliz.

Estava, contudo, acostumado a estar sozinho: não exigia qualquer companhia além de mim mesmo e as pessoas que passavam sequer se davam conta de minha presença. Engraçado, pois era assim mesmo que eu gostava. Naquela tarde de Sexta-Feira de Verão, no parque, não sei dizer o que aconteceu, mas alguma coisa mudou em mim.

Ela se sentou ao meu lado e sorriu. Não para mim, obviamente, mas para a Vida. Sorria o tempo todo, logo percebi, e seu sorriso sincero carregava uma luz tão genuína que me aqueceu: não duvidei, nem por um momento, de que a amava.

Não conversamos e tenho certeza de que ela não me notou ali, mas ficamos sentados lado a lado por muitos minutos, infinitos poderia dizer, até que fui acordado de meus devaneios pela realidade crua que me assombrava e me lembrava do dever que tinha a cumprir.

Meu trabalho, é claro, tinha seus lados bons e ruins, como todos os outros, creio eu. Não podia prever, infelizmente, nem adiar, quando alguém precisava de mim, ou onde: levantei-me, então, e segui meu caminho sem olhar para trás.

Senti um aperto em meu peito por deixá-la, mas sentia-me mais leve do que de costume ao partir: minha antissocialidade sempre me preveniu de ser bombardeado por emoções e isso deixava as coisas bem mais fáceis. Dessa vez, todavia, não consegui, ou não quis, evitar.

Naquela noite tive muito a fazer, no dia seguinte e no outro também, mas na Segunda-Feira lá estava eu naquele mesmo banco daquele mesmo parque. Garoava, poucas pessoas atreviam-se a se molhar, mas as mais corajosas traziam em seus semblantes úmidos um sorriso de satisfação pessoal: fazia um pouco de frio, não posso negar, mas eu não tinha do que reclamar. Não a encontrei lá, obviamente.

A semana passou rapidamente e contei cada segundo até que a Sexta-Feira chegasse e ela, enfim, veio: sentei-me naquele banco e lá aguardei. Bia, porém, não apareceu. Nem na semana seguinte, ou na outra... naquela época ainda não sabia seu nome, mas isso não me importava muito então e não tem importância agora.

Cada vez que me sentava nos bancos daquele parque, esperava que ela viesse ao meu encontro novamente. Depois de um certo tempo, porém, comecei a questionar-me se ela não passava de um delírio, um sonho, e estava cada vez mais certo disso.

Conforme os dias corriam, e principalmente depois dos eventos que quase me fizeram colapsar, percebi que não poderia mais continuar com minha rotina, com aquele trabalho que tanto me desgastava: eu precisava mudar.

Minhas atribuições não eram as do tipo que eu pudesse me livrar facilmente, mas meu chefe me entendeu e disse que aceitaria meu retorno quando eu estivesse disposto: disse-me até que isso não demoraria.

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