Feira

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O contraste dos vegetais me enchia os olhos: do balcão eu podia ver os tomates vermelhos, os pimentões amarelos e verdes e as roxas beterrabas. Aqui e ali um amontoado de laranjas, goiabas, nectarinas, chuchus, abóboras, limões, melancias e melões adicionavam ainda mais tonalidades a esse quadro. O brilho do Sol das manhãs iluminava a quitanda e dava ainda mais vida àquelas cores.

Não me pergunte a quantas manhãs repito a mesma rotina pois não saberia responder, mas são mais de vinte anos atendendo às famílias aqui do bairro. Eu vi os filhos dos moradores crescerem, casarem e terem filhos, vi os filhos deles começarem a namorar e alguns até tiveram os seus próprios: tudo isso daqui, do meu balcão.

É difícil que alguém do bairro não me conheça ou que eu não conheça alguém. Não são muitas famílias que se mudam daqui ou para cá, então com o passar dos anos a gente vai se familiarizando com todo mundo mesmo. Os meus filhos, por exemplo, se criaram brincando com os dos vizinhos: cresceram juntos, ficavam nas ruas até tarde e muitas vezes eu tinha de ir atrás deles e ameaçar umas chineladas para conseguir fazê-los vir para casa jantar. Os anos passam rápidos demais, agora percebo, e hoje eles já não estão mais aqui.

O mais velho foi estudar em uma cidade próxima, se formou há alguns anos, mas até agora não voltou: está trabalhando, está bem e é isso que importa. Minha filha está estudando também, vai se formar logo: não aguenta mais de saudades de casa, ela disse, mas acho que também não vai voltar. Nosso caçula saiu de casa faz pouco tempo e ainda estamos nos acostumando à ausência dele. Dou um longo suspiro enquanto as lembranças vêm e vão: são livres, como as emoções, e não consigo não sorrir com cada uma delas.

Esse é um dos meus exercícios matinais: lembrar daqueles a quem amo... Nunca esqueço de ninguém. Colocar a chaleira no fogo para fazer um cafezinho é outro.

Seu Horácio e Dona Matilde costumam vir fazer suas compras mais ou menos quando o aroma do café invade os corredores da quitanda: moram aqui perto já faz muitos anos, foram os primeiros a chegar depois do vô. Seu Caruso e Dona Olímpia e outros tantos vieram desde então.

Eles vêm ao mercadinho quase todas as manhãs, assim que raia o dia. Compram verduras e legumes para o almoço, levam frutas às vezes também. Daqui vão até o açougue do Jura e de lá eu já não saberia dizer... Essa é a rotina deles.

O filho do açougueiro era um dos que brincavam com o meu mais velho e hoje trabalha com o pai. Serafim sempre foi muito querido e atencioso, sempre gostou de trabalhar desde pequeno. Seus irmãos não fizeram por menos: João é caminhoneiro, viaja para todo lado, Fabiano trabalha de vigia e Gilson... Gilson é vendedor, até onde me lembro. Mas onde eu estava mesmo?

Ah! Sim, nesse meu devaneio matinal os dias viraram semanas, as semanas se tornaram meses que me trouxeram o natal e a mesa da cozinha farta de comida. Ao redor dela estão minha esposa, meus filhos, e uma linda e jovem intrusa: parece que Carlos tem outros motivos para não vir para casa, afinal.... Essa grata surpresa cobriu nossa ceia com ainda mais felicidade e alegria naquele ano e nos três seguintes: no quarto eles já não eram mais só dois.

Não é engraçado esse tal de tempo? Uma vida inteira pode ser contada e revivida em poucas palavras, em poucos minutos. Minhas memórias e lembranças, a partir de agora, terão um rosto a mais: observo-o bem, absorvo cada detalhe... Não é todo dia que seguramos nosso primeiro netinho nos braços, não é mesmo?

O nome dele? O meu: Pedro.

Travessias [Degustação]Onde histórias criam vida. Descubra agora