VOL. 1 - PALCO

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Os olhos de Bianca percorrem o lugar com visível nostalgia. Tirando a aparência suja, os móveis deteriorados pelo tempo e as diversas pichações espalhadas pelas paredes, tudo era exatamente como ela se lembrava. O grande palco de tábuas, as cortinas de veludo vermelho(agora em farrapos), os holofotes e as fileiras de cadeiras roxas. De acordo com que caminha por ali, ela deixa que seus dedos toquem cada encosto e que sua memória perceba cada detalhe modificado pelo tempo.

- Já podemos ir embora? - Disse Nigel, quebrando o silêncio. Ajoelhado no chão, ele ajeita as alças da mochila de acampamento com as mãos trêmulas. Quando termina, levanta e a coloca de volta nas costas. - Tô morrendo de frio e esse lugar me dá arrepios. Por que você quis vir até aqui?

A garota para brevemente, sorri para ele e logo volta a descer as escadas em direção ao palanque, mas não dá nenhuma resposta. Nigel revira os olhos e a segue, parando no exato momento em que ela salta para cima do palco precário, fazendo a madeira entortar sob seus pés e soltar um rangido. O garoto observa de longe, hesitante em fazer o mesmo.

- Vamos, Bianca! Desce daí! Essa madeira tá podre, vai acabar quebrando uma perna, abrindo a cabeça ou coisa pior. - Ele protesta impaciente, enfiando a mão direita por baixo da touca para coçar a cabeça . - Precisamos voltar para o acampamento antes que anoiteça, você sabe disso.

Um vento repentino passa a soprar do lado de fora, fazendo com que correntes de ar atravessem o salão trazendo consigo um punhado de flocos de neve. Nigel se encolhe, abraçando o próprio corpo e soltando uma baforada, mas Bianca não parece se importar. Ela se move em cima do palco como se estivesse flutuando sobre a madeira, dançando alguma melodia que só existe em sua própria cabeça.

- Fica tranquilo, estou segura aqui em cima... ao menos mais segura do que lá fora. - O comentário é feito em meio a um giro suave, então ela se curva em uma reverência. - É bom voltar aqui. Fazia tempo que eu não vinha, já estava começando a ficar com saudade. Foi uma surpresa quando reconheci a placa lá fora... as coisas estão tão diferentes.

Ela vai até a ponta do palco e senta, deixando suas pernas balançarem enquanto observa o lugar com olhos brilhantes e um sorriso largo no rosto. Nigel larga a mochila em uma das cadeiras na primeira fileira e se junta a ela, sentando ao seu lado.

- O que tem de especial aqui? É só um teatro velho e detonado. - O garoto franze o cenho passa a olhar nas mesmas direções de Bianca, como se tentasse descobrir o que ela vê de tão incrível em um lugar pichado e cheio de sucata.

- Eu costumava vir aqui quando era mais nova. Já dancei muito, tropecei e caí nesse palco. Sinto falta dos aplausos. - A resposta tem um ar de saudosismo, revivendo memórias de uma época que nunca retornará. - Lá atrás costumava ter uma pequena escola de dança e atuação. Eu era aluna. - Ela puxa a touca de sua cabeça, sacudindo os cabelos curtos para que se ajeitem da melhor forma possível.

Nigel se limita a assentir com a cabeça, agora baixando o olhar para o chão com uma expressão pensativa. Ele pensa em todas as coisas que fazia quando era mais novo, todos os lugares que visitou e que lhe deixaram uma marca na memória, mas nada parece trazer qualquer sentimento como o que Bianca teve no momento em que os dois passaram pelas portas vermelhas na entrada do teatro. O garoto dá um salto repentino do palco para o chão, assustando a amiga que estava distraída ainda admirando seu antigo local de apresentações. Ele recupera a mochila e a prende em seu corpo, em seguida encarando a garota com ares melancólicos e indicando a porta com os olhos.

- Você é um porre... - Bianca suspira, emburrada, e também salta para o chão. Ela recoloca a touca de lã azul celeste na cabeça e se aproxima de Nigel, lhe desferindo um soquinho no ombro. - mas eu ainda te amo. - Uma piscadela depois e ela começa a andar, tomando a dianteira no caminho de volta para a saída.

Os dois seguem para fora do salão de atos, cruzando o hall de entrada do teatro para fazer um breve verificação das máquinas de venda automática em busca de lanches que possam ter sido deixados para trás. Nigel passa pela porta de vidro giratória primeiro e Bianca vai logo em seguida, após tirar uma fotografia mental da recepção e guardá-la na memória. A dupla se encara, confirmando com o olhar que está na hora de seguir em frente. Eles descem as escadas, afundando até os joelhos em neve quando chegam ao nível do solo.

O caminho é longo até a orla da floresta e talvez só consigam chegar ao acampamento quando estiver anoitecendo, mas o esforço é necessário se quiserem estar protegidos quando a lua subir ao céu.

Nigel e BiancaOnde histórias criam vida. Descubra agora