Dinner

79 11 18
                                    


Incrédulo, eu não acreditei que fosse Newt depois de todos esses anos. É natural que as pessoas mudem e evoluam, afinal o tempo é uma dádiva, porém ele havia mudado da água para o vinho. Ele ganhou corpo, o rosto ficou mais gracioso e agora seus loiros cabelos estavam compridos.

Não pude deixar de disfarçar o meu espanto.

— Está tudo bem? — perguntou ele, ainda sorrindo.

— Sim, sim — respondi. — É que são tantos anos! Como você está? Mora em Sydney agora?

— Não exatamente. Nós temos muito o que conversar. De verdade — disse. — Eu vi que hoje ia ter uma manhã de autógrafos do seu novo livro hoje e vim ver para crer. Pois é. O tempo te fez tão bem.

— Digo o mesmo. Onde podemos nos encontrar?

Newt me passou seu número e combinamos - quem diria - um jantar. Seria algo trivial, apenas estávamos curiosos a respeito de um ao outro. Marcamos num desses restaurantes populares da cidade, sem muito romantismo.

O que me intrigava é que nós dois estávamos omitindo parte dessa história, a nossa história.

Sabe Deus até onde isso me levará.

***

Ele chegou lá pelas oito. Vestindo uma jaqueta marrom e uma câmera profissional na lateral da cintura, Newt me recebeu com um sorriso acalorado e um abraço.

Do que eu me lembre, a conversa ia assim:

— Então você é um escritor profissional agora — disse ele, soando meio como um deboche. — Eu conheço aquele seu livro que virou filme... O nome... Como se chama mesmo?

"Folhas de Vidro"?

— Isso! Preciso dizer, a Natalie Portman arrasou nesse filme.

— É, ela é uma grande atriz. Você leu o livro?

— Não, eu... — ele ficou envergonhado por admitir aquilo. — Tenho tão pouco tempo agora, com essas viagens eu nem paro em casa.

— Não sabia que tinha esse seu lado... Artístico. —falei, olhando para a câmera.

— Comecei há um tempo tirando fotos para casamentos. Uma agência me contratou e eu não parei mais.

— Te entendo. Nossas vidas não param.

— Casado, Thomas? — perguntou repentinamente, e eu fui meio que pego de surpresa.

— Casei, mas estou divorciado — respondi. — Tem um tempinho.

— Filhos?

— Uma filha. Teresa. E você?

— Solteiro. Só algumas aventuras.

Nós nos entreolhamos por um breve instante, e mesmo assim nossos olhares tinham muito a dizer.

***

Nós estávamos bêbados após várias garrafas de vinho misturados com uísque. Apenas lembro que saímos nos apoiando um ao outro e uma tempestade caía lá fora. Era começo da madrugada.

— Onde é o seu hotel? — disse ele, rindo numa voz alta.

— Segunda Avenida — respondi. — E o seu?

Não me recordo do que ele respondeu, porém o que falei em seguida foi:

— É longe daqui. É melhor irmos para o meu hotel.

Tropeçando e com segundas intenções, nos mandamos para lá e exatamente o que estão pensando aconteceu.

Já na porta do quarto, Newt e eu começamos a nos beijar completamente desajeitados de tão bêbados que estávamos. Me recordo do gosto de álcool e uva misturados com saliva na ponta de sua língua, das mãos exageradas se agarrando e fincando as unhas na pele o tempo inteiro, as roupas saindo do corpo sem nenhuma vergonha, porque afinal não havia nada que um já não tivesse visto do outro, e os cabelos sendo agarrados no ar. E finalmente sexo. Bocas chupando paus molhados, suspiros e risadas safadas, eu entrando por inteiro em Newt e ele gemendo e pedindo "me fode" como ninguém mais sabe fazer, e depois esse jogo se invertendo. Era uma dessas noites únicas, o tipo de presente que nem todas as pessoas sabem se dar.

***

Acordei como se alguém tivesse me martelado a cabeça. Zonzo, eu escutei o barulho do chuveiro na suíte e vi as roupas estiradas no chão. Meu Deus, eu transei com Newt.

A última vez que disse isso foi em 2008. Nós devíamos estar loucos demais para cometer tal ato. Ignoramos todo um passado conturbado e agimos como garotos no cio.

Levantei, o coração batendo rápido, em alerta. Com a dor de cabeça e o nervoso, descumpri a promessa que me havia feito contra cigarros e fui para a sacada fumar. Só Newt para ter tamanho poder sobre mim. 

Não posso permitir que tudo volte, não estou pronto.

— Sempre o último a acordar — disse ele, prendendo os cabelo ao sair. — Bom dia.

— Bom dia. — respondi, sem tirar a face dos carros passando lá embaixo.

— Aquele vinho é coisa de louco. — tentou descontrair. Pude ouvi-lo calçar os sapatos.

Fui até a cômoda do quarto onde há o cinzeiro, gavetas brancas e um espelho. Dali eu podia vê-lo sem fixar os olhos. Ele tem uma tatuagem relativamente grande para as suas costas. Um lagarto.

— Nós transamos. — falei.

— Sim, algum problema nisso? — disse ele, me encarando nos olhos através do espelho. — Um pau duro é o sentimento mais honesto que um homem pode ter.

— Você sempre foi assim? — me virei para ele.

— Assim como?

— Desse jeito, esse cabelo, a tatuagem, esse linguajar desbocado?

— E você? Sempre foi careta desse jeito? Não era assim quando éramos jovens.

— Exatamente! Nós não temos mais 23 anos, Newt.

— Qual é o seu problema? — respondeu. — Não há nada de errado em ter curtido uma noite.

Sempre na defensiva.

— Você me traiu, Newt.

— Estava tudo tão bem enquanto a gente estava ignorando o passado.

— Ah, então transar com outro enquanto você era o meu namorado é só "o passado". Ok, então.

— Você não dava atenção para mim! Estava ocupado demais tentando escrever um livro enquanto eu queria o seu amor, a sua atenção!

— Ah, então é minha culpa agora?! Me desculpe se eu estava correndo atrás dos meus sonhos!

— Quer saber de uma coisa? Você acha que sabe demais por escrever histórias sobre vidas que você inventa, sobre relacionamentos que você idealiza, mas você não sabe NADA sobre a vida real!

Ele baixou a guarda quando se deu conta do que havia dito.

Newt terminou de pegar as suas coisas, e surpreendentemente, pegou o exemplar do livro que eu autografei para ele.

Talvez ele ainda tivesse uma surpresa.

28 Years // NewtmasWhere stories live. Discover now