Capítulo 3

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Andava-se rápido no começo, pra diante. As crianças corriam falando alto, discutindo. Que discutiam? Discutiam incansavelmente a força dos ondas. A força das ondas.

Você está escutando bem? As crianças discutiam loucamente, todo santo dia, o ponto da

praia que as vagas irão atingir. Porque discutem assim? Por divertimento. Por jogo, brincadeira. Pra adivinhar, só pra isso. E depois ficavam maravilhadas porque erravam. Que

bonito! luta infantil, inútil, sem meta... Coisa de muita boniteza, brincalhonas!

Não e não, infelizmente. Nem estavam maravilhadas, nem era inútil o brinquedo.

Repare nos olhos de Aldinha, Laurita de lábios trementes.

— Chiii! Laurita aquela!!... Aposto que chega até aqui!

— Não chega!

— Você quer ver como chega! E vinha o triunfo de Laurita:

— Está vendo!... Eu disse que não chegava!

Por jogo discutem as crianças. Mas também por avidez e briga. Aldinha sentia-se

batida e sofria. Muito? Muito. Porém depois gozava com a reflexão: Antes assim! se a

onda chegasse até junto dela, meu Deus! teria medo... Antes assim! Ah! Laurita, Aldinha,

vosso brinquedo me melancoliza... Vós não brincais por brincadeira, não... Brincais por

treino, exercendo em diminutivo a angustiosa adivinhação da existência...

O mar mapiava que nem boca malcriada, lançando o guspe da espuma pro céu.

O andar germânico rápido de todo aos poucos se latinizava. O passeio de função virava

invenção. Fräulein abaixava a cara. Disfarçava um pudor inexistente com esses modos

do pé atingindo conchas entressepultas, pisando o rastro das meninas adiante. E falava de

amor. Hoje repisa o assunto da véspera, Carlos carecia de reconhecer que no amor, sem

sacrifício mútuo não tem felicidade nem paz, não é?

Este capítulo dava sempre desgostos pra ela. No entanto estava certa de que tinha

razão. E se esmerava eloqüente, não se esquecendo nunca de contar o caso de Hermann

e Dorotéia. Porém não impressionava os discípulos. Aceitavam com facilidade, isso aceitavam, concordavam, olhavam pra ela francos, olhos rasgados com o luar da abnegação:

ôh! sim! me sacrificar por ti!... E, chegava o malentendido. Um menino alemão é possível

que entendesse bem, mas estes brasileiros úmidos... Não se lembravam mais da felicidade

comum, nem da tranqüilidade do lar. Se sacrificar!... Era o sacrifício por ela, pela amada,

isto é pela alma da amada! Isto era o que entendiam estes brasileiros úmidos. Chegava

o instante do exemplo, Fräulein mostrava um sacrifício, um qualquerzinho, primeiro a

aparecer, abstinência de prazer por muito tempo, um dia. Caíram na esparrela, tinham que

ceder. Numa obediência escolar, imóveis, invernos, tiriricas por dentro. Depois se aproximavam dela, com alguma timidez, não tem duvida, desapontados, sorrindo. E pediam.

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⏰ Última atualização: Mar 24, 2018 ⏰

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