[4] UM PERFEITO CAVALHEIRO

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— Você não parece querer estar aqui. – Brinco, parando ao lado de Pedro. O namorado da minha amiga está encostado na porta de entrada do terraço, com a testa franzida e os braços cruzados, olhando a pequena confusão de gente que só Vênus é capaz de trazer para o mesmo lugar.

Há tantas pessoas de gostos tão diferentes que é até difícil visualizá-las dividindo o mesmo espaço.

— Você queria? – Ele arqueia a sobrancelha pra mim.

— Queria, antes de ver todo esse pessoal.

— Esse é meu espírito.

— Imagino. Você está com cara de quem queria estar fazendo um milhão de coisas...

— Ah, por falar nisso... – Ele descruza o braço e enfia as mãos no bolso da calça jeans. – Eu queria falar com você sobre seu projeto...

Arqueio a sobrancelha para meu futuro orientador. Ainda estamos no pré-projeto e, por mais que Pedro tenha se comprometido a ir comigo até o fim, eu sempre me pergunto quando ele vai abandonar meu trabalho, por conta dos erros de português inevitáveis na escrita de alguém que não vê as letras como a maioria das pessoas. Escolhi-o, justamente, por ele ser conhecido, mas é um tormento porque ele é o cara mais inteligente que conheço e, mesmo com aquela idade, tem um dos melhores currículos do nosso curso. E, toda vez que ele me procura, meu peito se aperta esperando o fatídico momento em que ele soltará que não poderá me ajudar.

— ... estou com algumas sugestões...

— Não ouse! – Vênus sibila, aparecendo sabe-se Deus de onde, com os olhos cerrados e entregando uma long-neck para ele. Pedro arqueia a sobrancelha para minha amiga. – Isso aqui é uma festa. Não. Ouse. Falar. De. Trabalho.

Desvio o olhar no momento que os olhos de Pedro ficam ainda mais doces do que geralmente são, como sempre ficam quando Vênus o desafia naquele tom. É constrangedor conviver com isso, quase nauseante, embora minha parte romântica ache a coisa mais fofa do mundo.

Antes que Pedro responda, no entanto, uma pequena confusão se arma no canto oposto onde estamos. Duas garotas estão discutindo. Faço uma careta porque a garota negra que fala não tem a fama de mais boazinha da UFBelo, e a garota que escuta, encolhendo-se, é doce demais para rebater à altura. Acontece muito rápido, como geralmente as confusões em festas acontecem, e logo a negra passa por mim, seguida por sua amiga, sumindo do campo de visão.

O rastro de silêncio que ela deixa para trás, no entanto, permanece. O que faz a outra garota se encolher mais.

Caminho até ela antes que me dou conta. Isabella é da sala de Vênus e, embora fosse romântica demais, acabou se aproximando bastante da minha amiga. Como eu não nego uma conhecida romântica por perto, para discutir sobre livros clichês com finais felizes, ela se tornou uma colega minha também.

— Você tá bem? – pergunto, vendo-a tomar, de uma vez, um copo inteiro de vodca.

Eu tenho pouca experiência com porre, mas muita experiência cuidando de pessoas que bebem demais. E é justamente desse jeito que grandes PTs de festas começam.

Por um momento, fico feliz por ela estar com uma amiga que poderia cuidar dela. Um pensamento bem mesquinho e egoísta, porque eu não quero fazer esse papel. Desde que minha amiga saiu da reabilitação, eu não preciso mais ocupar esse lugar. E, sendo bem sincera, não sinto a mínima falta.

Antes que possa me arrepender de pensar desse jeito, o mundo gira, e a amiga dela me pune, sem saber.

— Uau – ela fala, encarando a porta. – Quem é o gato?

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⏰ Última atualização: Mar 24, 2018 ⏰

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