Capítulo I : O que traz a tempestade ?

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Mais um barulho estrondoso ecoou por todos os cantos da casa e outro clarão iluminou a grande janela da sala. Já era o terceiro dia de chuva ininterrupta. Completamente entediante. A água caia de forma violenta contra o telhado, produzindo os mais diversos barulhos, o vento era forte e constante. Som de gente não se ouvia. Logo, outro ruído decidiu juntar-se à perturbadora sinfonia. Ele era alto. PLAC! Contínuo. PLAC! Irritante. PLAC! PLAC! PLUM!

- Que barulho foi esse?! - Uma voz gritou do andar de baixo.

- A janela do meu quarto abriu! Acho que tem algum problema com essa tranca! - Respondeu aos berros a menina que se encontrava sobre uma grande poça d'água.

Percebendo que a outra voz não falaria mais nada, a garota deixou os sapatos sobre as águas e desceu a escadaria correndo com suas meias verde-limão. Quando chegou ao andar de baixo, afundou em um dos sofás com estampas de flores, apoiando os pés na mesa de centro.

- Você fechou a janela? - Perguntou sem ânimo a mulher na cozinha.

- Sim, mãe. Mas não garanto que ela vá ficar assim pra sempre! O que você acha de ter uma piscina lá em cima?

A mãe revirou os olhos.

- E o que você acha de tirar os pés da mesa?

A menina obedeceu e endireitou-se no sofá, porém não tardou a levantar. Caminhou até uma estante em um canto da sala, que abrigava pequenos enfeites de animais, sobretudo corujas. "Todos de mau gosto", pensava consigo. Acima do móvel havia um espelho retangular, cujas bordas eram emolduradas, tal qual um porta retrato antigo.

A garota analisava a própria figura:

Cabelos ruivos cacheadíssimos e na altura dos ombros; pele sardenta; olhos castanhos e aparelho nos dentes. Olhou para si atentamente, antes de fazer uma careta e partir em direção à cozinha. Lá encontrou a mãe e a irmã mais velha sentadas tomando o café. Havia um bolo de chocolate sobre a mesa.

- Nem sabia que você tava aqui! - Dirigiu-se à irmã.

- Oi pra você também, Amora. - Respondeu irônica.

- Oi, Alícia. - Disse Amora inexpressivamente.

Alícia era sete anos mais velha que Amora. Dividia um apartamento com algumas amigas na cidade vizinha, onde fazia faculdade. Visitava os pais a cada três semanas e agora estava de férias como a irmã. Amora sempre achou que ela crescera rápido demais.

- Onde o papai tá? Preciso que ele me ajude a consertar a janela...

- Esqueceu que ele foi fazer um trabalho? Aliás, ele já deveria ter voltado! Tô preocupada com ele! - Respondeu-lhe a mãe.

O pai das meninas, Érico, era um fotografo autônomo. Na ocasião, estava no centro da cidade fotografando uma banda de rock.

- Ele deve ter achado um abrigo, mãe. Quando parar de chover, pode apostar que ele estará aqui em um segundo. - Tranquilizou Alícia.

Ela realmente lembrava Amora, ou melhor, Amora lembrava Alícia. Ambas herdaram a cabeleira ruiva do pai. Alícia usava seus cabelos lisos, em um corte chanel na altura dos ombros; usava óculos grandes e redondos e uma maquiagem que encobria quase todas as sardas de seu rosto. Seus lábios brilhavam com o batom de cereja.

Amora julgava estar revirando uma memória, como um Déjà-vu . Observar aquelas duas na cozinha era estranho e ruim, pois, para ela, Déjà-vu era algo próprio de quem faz sempre as mesmas coisas e ela não queria ser uma dessas pessoas. Aquele era a milésima visita, o milésimo bolo e tudo parecia tão igual... estava definitivamente muito entediada.

Histórias Vermelhas Demais Para Roupas Brancas (AMOSTRA)Onde histórias criam vida. Descubra agora