O vento fazia as folhas se misturarem e o caminho correto ficar confuso, a pequena estrada estava coberta de sujeiras. Alguém que não conhecesse a floresta nunca mais conseguiria sair. Esse é o grande mistério, o que me fez ser tão fissurada nessa floresta. Desde criança historias são contadas sobre pessoas que entraram e nunca mais saíram, mas alguma me chamava ali e nada me prendia. Eu entrava e saía com facilidade, o que me deixou a rainha curiosa pra conhecer a mortal mais inteligente do reino. Em pouco tempo ela concordou em me dar casa e conforto em troca de trabalho. Ela cuidava da minha família enquanto eu guiava seu exercito pela floresta que une os cinco reinos.
- Anda, Kaula. Diga onde estamos? – Aires resmungava pela milésima vez. Ele é o filho da rainha, sendo treinado para um dia assumir o reino, mas é o imortal mais estupido que já conheci.
- Adivinhe onde estamos. – Falei, devia estar o ensinando a andar ali, mas em um terreno normal, ele esquece o que viu há dois minutos, imagina em uma floresta que se muda sozinha.
- Eu queria entender como você consegue, é uma mortal, mas anda por aqui como se fosse uma das ninfas. – ele puxou um pedaço de madeira e gritou quando ele cortou sua mão, eu sabia que ia acontecer, eu já havia o informado sobre as cortadeiras, mas não aguentava mais ser chamada assim. Eu não sou uma Ninfa, crescemos aprendendo a odiar ninfas. Elas não tem reino, não tem lealdade, vivem no meu das florestas e fazem qualquer coisa por um punhado de moedas de ouro. Eu sou leal a minha rainha, eu não me vendo, apenas sei olhar e entender o que acontece ao meu redor.
- Você não estuda nem sobre as arvores, como acha que sabe minha espécie? – o olhei com desdém, ele podia me prender, é o herdeiro real, mas sei que não faria. Eu cresci com o estupido e ele precisa de mim, sempre precisou.
- Você devia procurar sua família. – o machucado em sua mão se curou. Imortais ridículos.
- Eu sei muito bem onde ela está. – arrumei minhas flechas e voltei a andar. Fale sozinho, animal.
- A sua família de verdade.
Saquei a flecha e apontei para ele. Aires parou, levantando as mãos e arregalando os olhos. Por um momento eu quis fazer aquilo, atirar nele. O tipo de flecha que eu usava podia mata-lo. Seu corpo nunca seria achado, nunca saberiam que eu o fiz. Mas eu lembrei quem ele era e o que significava para mim. Eu o odiava a metade do tempo e a outra metade o tinha como melhor amigo, os meus outros amigos -os criados do castelo- não eram tão meus amigos assim, uma vez que não perdiam a chance de me prejudicar aos olhos da Rainha. Aires não, apesar de ser bem burro, sempre estava ao meu lado. Bom, quase sempre. Às vezes eu o ouvia fazendo piadas sobre a minha mortalidade, sobre eu ser inferior a sua raça nobre e pura. Essa era a metade que eu passava o odiando.
- Minha família de verdade, vive no seu castelo, príncipe. Se ousar questionar mais uma vez, deixarei o senhor aqui, para que descubra como é passar a noite na floresta e não nos seus lençóis de seda. – abaixei as flecha e voltei a caminhar. Ele nada mais falou durante todo o caminho de volta ao castelo, murmurava algumas coisas, mas eu sabia que não era comigo. Tivemos muitos momentos como aquele nos dias que se seguiram, ele anda nervoso, inquieto e mais atrapalhado que o normal. Cada dia que passava o seu casamento se aproximara, Aires nunca tinha visto sua futura esposa e suas vidas já estavam montadas. Naquele momento eu agradeci de novo por não ser uma imortal. Humana suja era como me chamavam. Eu sou uma humana, livre para escolher com quem casar, ou apenas não casar, livre pra abandonar meu reino, livre para escolher. Mas cada um de nós nasce com um propósito. Devo seguir minha Rainha, Aires deve casar, é como a vida é.
Os sinos tocaram mais alto essa manhã, o que significa que não estávamos sozinhos. Povos dos cinco Reinos estavam ali. O casamento de Aires era hoje.
- E se eu fugisse? – ele me perguntou enquanto eu arrumava sua gravata. Sorri. – Você fugiria comigo?
- Você tem que cumprir o que o Reino decidiu a você, lembra? Todos nascem com um proposito.
- E se eu não quiser seguir isso? – eu o olhei, intrigada. – Se eu quisesse, não sei, me casar com você e não com ela, o que aconteceria?
Dei um passo para trás. Onde ele queria chegar?
- Nunca havia te visto de vestido. – ele comentou, como se não tivesse dito nada antes. Respirei fundo. – Mas isso não sai daqui – ele colocou a mão no coldre com a espada em minha cintura. Podia não estar com o meu arco e flecha, mas não andaria desarmada.
- Eu sou uma humana, você é imortal. Nós nos odiamos e precisamos cumprir com o nossos destinos, não complique as coisas com essa sua cabecinha maluca. – minhas mãos correram pelo vestido, certificando-se que estava tudo no lugar. Ele me olhou estranho por mais um tempo. – Aires?
Ele andou até mim, segurei na espada, mas ele me abraçou. Eu esperava qualquer coisa, menos aquilo. O abracei depois um tempo.
- Vou sentir falta de andar na floresta com você.
Eu apenas assenti, antes dele sair. Aires me tratou como a ralé muitas vezes, agora fala sobre contrariar destinos e fugir comigo. Quem o estupido pensa que é?
Quando minha raiva passou, eu segui para o salão principal. O maior e mais luxuoso cômodo do palácio, era feito para aquele tipo de reuniões, usavam o lugar para mostrar o poder do nosso reino, as paredes tinham enfeites de ouro, as cadeiras eram grandes e tudo estava impecável. As cortes dos cinco reinos estavam reunidas, dezenas de imortais e meia dúzia de mortais, que era constituída pela minha família. Eleanor correu até mim.
- Irmã! – a peguei no colo. – Você viu a noiva do Aires? Ela é linda e verde!
Eu ri. – Ninguém é verde, Eleanor.
- Essa é.
Então eu a vi. De pé no altar, ao lado de Aires, ela era verde e havia varias pessoas de diferentes cores no salão. É minha primeira vez numa grande reunião como essa, não sabia exatamente como as pessoas dos outros reinos eram, só ouvira alguns boatos e nada se comparava a verdade.
Aires parecia querer correr dali. Ele não olhava pra ela, mas ela parecia bem feliz com o futuro marido. Aires me achou no meio da multidão, ele sorriu e deu um passo na minha direção na mesma hora que algo explodiu. Todos os convidados gritaram e correram sem rumo. Corri até minha família.
- Vão para casa, agora! – gritei por cima do barulho.
- O que você vai fazer? – meu pai segurou meu braço. Apontei para Aires, a explosão fez ele e sua noiva ficarem presos.
- O príncipe precisa de mim. – tirei minha espada do coldre e andei até eles enquanto minha família corria na direção oposta. Homens usando mascara com formato de animais entraram no salão, um deles tinha os olhos verdes expostos através do formato de lobo, e eu podia jurar que eles brilharam quando ele me viu. O homem caminhou até mim, mas não o deixei chegar muito perto, ataquei-o, mas ele era mais rápido do que eu esperava para alguém daquele tamanho. Não desisti. Nossas espadas pareciam dançar, ele era bom, mas eu era melhor, ele sabia disso. O derrubei sua arma e correi até Aires.
- Kaula! – o homem atrás de mim gritou. Eu parei e me virei. Ele abaixou a mascara e sorriu. Seu rosto era perfeito, o mais lindo que eu já vira, os olhos verdes, o maxilar marcado, a pele morena. Mas como sabia meu nome? Se eu tivesse o visto antes, com certeza lembraria. – Princesa Kaula. – seu sorriso aumentou.
Apontei a espada para ele. - Não sou princesa, eu sou uma mortal, assim como você. Então vá embora agora se quiser ter sua vida poupada.
Ele riu com desdém, quando me olhou de cima a baixo, o sorriso sarcástico não deixou o rosto. – Contam muitas histórias para você. Passou da hora de começar a ouvir as verdadeiras.
- Não quero ouvir nada que venha de você. – ele me analisava, percebia que, mesmo sendo boa, minhas mãos odiavam a espada, eu as sacodia sem querer, gosto das flechas e dá agilidade necessária para usa-las. E ele percebeu.
Ele começou a andar até mim. – Fique longe dela! – Aires ordenou, mas o estranho não era o seu súdito, não o obedecia.
- Eu sou Harvery, - ele se curvou – o seu mais fiel súdito.
- Então fique longe dela. É uma ordem. – Aires parou ao meu lado, olhando para Harvery com superioridade. Harvery riu.
- Você não é ninguém para o meu povo. Eu sirvo a ela. – ele indicou a mim. No mesmo instante os outros homens seguraram meus braços e os de Aires.
- Se me serve, solte-me agora! – eu não fazia ideia do motivo dele dizer aquilo, mas usaria ao meu favor se possível. Harvery começou a andar para fora do castelo, ignorando o que eu havia dito.
Eles nos carregaram, e tinham tanta força que não deixavam nem que nós dois tocássemos no chão. Eu tentei me soltar, vi Aires tentar também, mas era inútil. Todo o meu treinamento de uma vida inteira, não era nada perto daqueles caras.
- Você ainda vai me agradecer por isso, princesa. – a voz de Harvery foi a ultima coisa que eu ouvi antes do cansaço me pegar de repente e tudo escurecer.
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A Voz da Floresta
FantasyQuando o dom de Kaula fica conhecido em todo reino, ela é imediatamente convocada pela Rainha. Afinal, como poderia uma simples mortal conseguir entrar e sair de uma Floresta com o poder de se mudar sozinha? Algo que apenas seres mágicos que foram o...