Ao abrir os olhos e ver as estrelas, eu sabia onde estava. Meus ouvidos aos poucos foram se encaixando aos sons altos a minha volta e eu tentei entender o que era tudo aquilo.
- A princesa acordou. - Harvery me olhava sentado em uma pedra. Ele estava sem sua roupa de guerra agora. Se vestia todo de preto, com o cabelo grande e negro moldurando o belo rosto. Sentei e olhei em volta, era uma espécie de acampamento, cheio de seres diferentes.
- Vocês são ninfos. - eu disse o óbvio. Harvery riu com a voz rouca.
- Nós somos. - a ênfase no nós me fez estremecer. Mas não perguntei o motivo.
- Onde está Aires? - levantei para procura-lo e não tive muita dificuldade. Aires estava amarrado, no meio de uma roda onde os ninfos dançavam. Seu olhar apavorado me encontrou e ele gritou socorro sem precisar abrir a boca. - Solte-o! Agora!
Harvery me olhou e negou. - Eles nunca vão aceitar isso. Ele simboliza todo terror que vivemos. Mata-lo vai ser uma honra.
Eu entrei em desespero, mas precisava pensar. Harvery estava certo, eles odiavam o tipo de Aires. Mas era porque Aires representava ordem, uma ordem que os ninfos escolheram não cumprir.
- Você disse que servia a mim, não é? - Harvery apenas assentiu em resposta. - Eu estou lhe dando uma ordem, o solte. - eu o encarei, tentando passar o máximo de poder e força que um olhar pode passar. Harvery estalou os dedos e uma menina correu até ele. Ela usava óculos, tinha cabelo presos em tranças e orelhas pontudas. Borboletas voavam perto dela, e aquilo foi a coisa mais estranha que eu já vira. Harvey disse algo em seu ouvido e seus ombros caíram. A jovem apontou para Aires e disse algumas palavras que não pude compreender. As cordas em Aires desapareceram e todos pararam de dançar e a olharam.
- O que é isso?! - disse uma mulher azul, com raiva. Todos começaram a falar juntos, mas Harvery levantou a mão e o barulho cessou.
- Nossa princesa ordeu. - ele disse e pareceu o suficiente para ninguém mais questionar.
Aires correu até mim. - Eu achei que iam me matar.
- Nós íamos. - disse a menina. - Desculpe, alteza. Meu nome é Aixa.
- Não me chame assim. - eu balancei a cabeça, não queria ninguém me chamando daquele jeito. - Você é uma bruxa?
Aixa riu e arrumou os óculos. - Eu sou tão bruxa quanto você, minha princesa.
Gelei. Eu não sou bruxa. Não sou uma princesa. Cada palavra que eles diziam ali fazia menos sentido que a anterior.
Harvery percebeu e levantou da pedra que estava. - Nossa Rainha escolhe no berço os que se tornarão portadoras de magia. Aixa foi escolhida.
Eu assenti sem perguntar mais nada. - Não quero que matem meu amigo. Sei que os Reinos e os ninfos não estão em harmonia, mas a culpa não é dele.
- E você acha que é nossa. - não foi uma pergunta, Harvery estava afirmando. Não respondi, ele estava certo. - Aixa, dê roupas a ela. Esse vestido é ridículo. - ele saiu de perto de nós andando duro.
- Vamos, princesa. - Aixa colocou as mãos atrás das costas. - O imortal fica aqui.
Aires me olhou assustado.
- Não vão tocar em você. Acredite em mim.
Ele assentiu.
Andei com Aixa até uma cabana flutuante que tinha um cheiro engraçado. Nós entramos e ela abriu um armário. Um vestido branco com borboletas azuis saiu dele, literalmente saiu dele, o vestido flutuou até mim. A borda dele tinha uns panos soltos que o tornava incrivelmente lindo mesmo não fazendo meu estilo.
- É um dos meus. - Aixa disse. - Quando chegarmos você poderá mandar fazer um para você. - eu a olhei.
- Chegarmos? - eu a perguntei e ela sorriu.
- Ao nosso Reino escondido. Lá você entenderá quem é de verdade, Kaula.
Eu assenti, sabia que ela não me daria mais detalhes. Apesar disso, eu tinha uma dúvida.
- Você disse que eu também sou - eu ia dizer bruxa, mas lembrei a cara de nojo dela quando eu usei a palavra antes. - portadora de magia?
Ela riu e puxou uma cadeira para mim. Assim que eu sentei, ela começou a trabalhar no meu cabelo.
- Sim, você é. Mas cada magia é de um jeito. Nunca se perguntou o motivo de você saber o que acontece com a floresta? - eu a olhei e ela riu. - Não posso te dizer mais que isso.
Bufei. Eu preciso de respostas e pelo visto só vou ter nesse lugar que ela havia dito.
Quando Aixa terminou com meu cabelo, eu troquei o vestido. Ele ficou perfeito para mim, de um jeito que nunca achei que um vestido fosse ficar. Afinal, eu odeiava vestidos.
Sai com Aixa me sentindo outra pessoa. Todos me olhavam, fisicamente eu estava parecida com a princesa que eles procuram, pelo visto.
Aixa me levou até a mesa com alimentos e tudo era tão bom. Eu comi e repeti junto com Aires. Ele estava mais traquilo ao meu lado, mesmo se assustando com qualquer barulho. Eu e Aixa riamos com ele, Aires sempre foi engraçado, mas parecia estar querendo se mostrar para ela. Aixa era muito bonita, só que eu sabia que ela o via como um cachorrinho por causa da diferença de espécies.
- Kaula. - Harvery me chamou. Eu o olhei e ele estendeu a mão para mim, me levantou e andou para que eu o acompanhasse. O segui até estarmos longe do acampamento. Eu fui olhando todo o caminho, mesmo sabendo que ele não me faria nada de mal. Mas se algo acontecer, perciso saber voltar.
- Esse vestido é melhor.
Se essa era a maneira dele dizer que eu estou bonita, vai precisar tentar mais.
- Eu sei.
Ele sorriu fraco e parou. A nossa frente estava um arco e flecha feito do que parecia galhos.
- Enquanto você dormia, Aixa fez para você. - ele apontou.
- Isso é meu? - fui até ele - É lindo. Pela Rainha, isso é perfeito.
- Pela Ninfa. - ele me corrigiu, mas eu não repeti. - Percebi que você gostava.
- Você pediu para ela fazer? - segurei o arco. Harvery não respondeu, mas eu sabia a resposta. Ele fez aquilo por mim. Sorri. - Ninguém nunca me deu um presente.
- Agora que é princesa, vai ganhar muitos. - ele me analisava.
- Não diga isso, eu não sou uma princesa.
- Quando chegarmos você irá entender, Kaula. - ele ficou perto de mim rápido, nem tinha percebido até ele retirar uma mecha de cabelo do meu rosto. - Me fale sobre o imortal.
Eu o olhei. - Aires é o futuro Rei.
- E o que ele é para você? - Harvery continuava me analisando.
- Um bom amigo, crescemos juntos e eu o ensinava a conhecer a floreta, a lutar.
Harvery riu em alto e bom som. - Só ninfos conhecem, ele nunca aprenderia.
- Eu sou mortal. - afirmei. Ele sorriu de lado. Aquele era o sorriso mais lindo que eu já vi.
- Você sabe que não é, no fundo você sabe a verdade. - ele estava tão perto agora que eu precisei olhar para cima para encara-lo. - Vocês dois não podem ficar juntos, ele vai contra tudo que nós lutamos.
- E o que vocês lutam? Ninguém me explica nada. - eu não aguentava mais aquela situação, todo aquele mistério, por que eles não podiam simplesmente me dizer que droga estava acontecendo?
- Vai entender quando chegarmos lá.
- Eu tô cansada de ninguém me responder nada, Harvery. E eu posso ficar com quem eu quiser!
Sai de perto dele com raiva. Eu não aguento mais ele me falando coisas sem sentidos para mim.
A floresta tinha mudado no tempo que fiquei la, mas quando mais me aproximava do acampamento, percebia algo de estranho. A música que tocava cessou, a fogueira tinha se apagado e as cores vibrantes das roupas dos ninfos foram trocadas por um mar negro de unformes da guarda que eu conhecia bem. Eu conseguia ver os ninfos escondidos pela magia de Aixa, mas os guardas claramente não viam.
Eu andei até eles e Aixa balançou a cabeça, eu também estava invisível a eles.
Os guardas falavam sobre o que fariam para achar o príncipe e riam sobre como matariam a fedelha que foi contra a coroa e sequestrou o querido príncipe.
Harvery apareceu no meio da mata e me olhou. Eu servia com aquelas pessoas por muito tempo e elas simplesmente riam sobre como me matariam. A raiva cresceu dentro de mim. Se eles queriam me matar, eu faria isso com eles antes. Apontei minha flecha em um, estava pronta para soltar, mas Harvery colocou a mão na minha e balançou a cabeça. O olhei sem entender, ele não os odiava? Deveria mata-los junto comigo e não me impedir.
Os homens passaram, sem perceber que estavamos ali, e foram embora.
- Por que não deixou que eu os matasse?! - o questionei e todos nos encaravam assustados. Ele me olhou.
- Não somos assassinos. - ele disse, calmo.
- Mas iam me matar. - disse Aires. E ele estava certo.
- A família deles não tem culpa pelo o que aconteceu com nosso povo. A sua tem.
Todos dispersaram com um simples gesto de Harvery. Ele anunciou que iamos embora naqueles instante e as portadoras de magia começaram a juntar tudo que tinha lá. Quando tudo estava pronto, voltamos a andar.
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A Voz da Floresta
FantasyQuando o dom de Kaula fica conhecido em todo reino, ela é imediatamente convocada pela Rainha. Afinal, como poderia uma simples mortal conseguir entrar e sair de uma Floresta com o poder de se mudar sozinha? Algo que apenas seres mágicos que foram o...