02.04.2018

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 Você sempre gostou de cartas, né, Channy? Diz que elas não saem de moda, e que as pessoas esqueceram do valor sentimental que elas tem. Então aqui estou eu escrevendo uma (ou pelo menos tentando).

Neste exato momento eu estou jogado no pufe vermelho surrado que você ganhou quando tinha 15 anos, no canto do quarto. Coloco minhas pernas apoiada na parede e fito meus all stars vermelho. Lembra de quando você o comprou para mim? Era feriado e estava chovendo e você não queria ficar em casa, então sugeri  que nós fôssemos para o shopping novo que tinha acabado de abrir. Enquanto eu ia comprar milkshake para nós, você os  viu na vitrine e decidiu que ficariam bem em mim. Já faz um ano que isso aconteceu e eu sempre os uso, tanto que a sola já está saindo; tenho que levá-lo ao sapateiro - não pretendo os abandoná-los tão cedo.

Você está como sempre fica quando não há nada a fazer: jogado na cama tocando violão. Esse foi presente meu: um Gianini 2012 com a pestana de osso, aquele que faz o som legal, que nem você fala. Você diz que está compondo uma música nova, mas não quer me contar de jeito nenhum sobre o que que é.

Channy, primeiramente eu gostaria te agradecer por tudo. Por que antes sem você eu era tão triste quando uma fotografia preto e branco dos anos 60. Eu era tão triste comigo mesmo, que nem aqueles cortes no pulso, aquelas garrafas de cerveja que preenchiam o cheiro da minha casa, nem o rock mais pesado que tocava conseguia me animar. Até aquele lindo dia eu que eu conheci as cores. Aquele dia em que você me trouxe um buquê de mosquitinhos, as minha flores favoritas. Bem , tecnicamente você só as comprou -  você deixou as flores na porta da minha casa, tocou a campainha e saiu correndo; eu só pude ver seus cabelos vermelhos, como um borrão no ar. Aquele dia eu não chorei, nem me empanturrei de sorvete só para vomitar depois. Aquele dia eu fiquei assistindo Netflix na televisão, só olhando aquele buquê de flores envolvidos em papel azul bebê.

Channy, você sabe o que é virar a noite? Virar a noite pensando quem você era e por que estava se dando o trabalho de me alegrar? Ficar acordado com os tiques e os pensamentos incessantes revirando, tentando desvendar se eu valia o tempo de alguém? Por que com apenas um buquê de flores de 1,99 , você conseguiu. E eu agradeço muito por você não ter parado por aí; agradeço pelas cartas, me dizendo que não adiantava o quanto você procurava, não conseguia encontrar um ângulo no qual eu ficasse feio (embora eu chegue a discordar). Agradeço pelos jantares, ou até mesmo os dias em que eu não quis levantar da cama, e você não desistiu de mim. Agradeço por você ter me convidado a morar contigo, por que eu já tinha chegado tanto no fundo do poço que você se preocupou que eu fizesse alguma estupidez.

Encaro o teto. O ventilador faz aquele "tec, tec, tec " característico de ferro enferrujado. Eu gosto de fechar meus olhos a noite e escutá-lo, junto com a sua respiração no pescoço, quando vamos dormir, contando quando rangidos ele faz. É uma das coisas que eu aprendi à me apegar, uma das muitas coisas.

Você larga o violão e se espreme comigo, mesmo sabendo que você tem quase 2 metros de altura e não vai caber tão bem assim num pufe de 60 centímetros; mas você não se importa.  Você me dá um beijo na bochecha fecha os olhos e se aconchega no meu peito. E nesse momento você parece tão indefeso e eu só quero te proteger de todos os males do mundo, mesmo sabendo que eu não sou a pessoa mais qualificada para isso.

Olha Channy, eu sei que eu enrolo muito para dizer palavras tão pequenas, mas para minha realmente significam muito. Channy, eu te amo.

E, ah, por que eu sinto que o mundo parece mais brilhante, apenas, apenas, com sua alegria?


Cartas sem RevisãoOnde histórias criam vida. Descubra agora