CAPÍTULO 3: O Changeling

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   A volta pra casa de ônibus foi silenciosa, pelo menos entre Robbie e eu. Em parte por que eu não queria chamar atenção, mas principalmente, por que eu tinha muita coisa na minha cabeça. Nós sentamos no canto de trás, comigo espremida contra a janela e olhando fixamente as árvores passarem como um flash. Eu estava com meu iPod e meus fones de ouvido explodindo nos meus tímpanos, mas isso era mais uma desculpa pra não falar com ninguém.

Os gritos de porco da Angie ainda ecoavam na minha mente. Aquilo foi provavelmente o som mais horrível que eu já escutei. E mesmo que ela fosse uma total vadia, eu não podia evitar de me sentir culpada. Não existia dúvida na minha cabeça de que Robbie tinha feito alguma coisa com ela, mas eu não podia provar. Eu estava, de fato, com medo de descobrir. Robbie parecia uma pessoa diferente agora, quieta, reflexiva, observava as crianças no ônibus com uma intensidade predatória. Ele estava estranho, estranho e arrepiante, e eu estava pensando o que tinha de errado com ele.

Então, sobre aquele sonho estranho, eu estava começando a pensar que não tinha sido realmente um sonho. Quanto mais eu pensava sobre isso, mais eu pensava que a voz familiar conversando com a enfermeira era de Robbie.

Alguma coisa estava acontecendo, alguma coisa estranha, arrepiante e aterrorizante, e a parte mais assustadora disso tudo tinha um rosto comum e familiar. Eu dei uma olhada para Robbie. Até que ponto eu o conhecia bem, realmente o conhecia? Ele era meu amigo há tanto tempo quanto eu me lembrava, e eu nunca tinha ido na sua casa, ou conhecido seus pais. As poucas vezes que eu sugeri conhecer sua casa, ele sempre tinha uma desculpa para não me levar. Ou sua família estava fora da cidade, ou eles estavam reformando a cozinha. Cozinha esta, que eu nunca vi. Isso era estranho, mas mais estranho, de fato, era que eu nunca percebi ou questionei isso, até agora. Robbie estava sempre lá, como se fosse conjurado do nada, sem nada atrás, sem casa e sem passado. Qual era sua música preferida? Ele tinha objetivos na vida? Ele nunca se apaixonou?

Nunca, minha mente sussurrou, perturbadoramente. Você não o conhece de maneira nenhuma. Eu tremi e olhei pra fora da janela de novo.

O ônibus freou numa parada de quatro vias. E eu vi que nós deixamos a periferia da cidade e estávamos indo agora para região campestre. Meu vizinho. A chuva ainda respingava nas janelas tornando as regiões pantanosas embaçadas e indistintas, as árvores com formas escuras e confusas através do vidro.

Eu pisquei e me endireitei no acento. No fundo do pântano, um cavalo e seu cavaleiro estavam embaixo de galhos de um carvalho enorme, como se fossem a própria árvore. O cavalo era um animal negro e enorme com uma crina e um rabo que ondulavam por trás dele, mesmo encharcado como estava. Seu cavaleiro era alto e esbelto, vestido de prata e preto. Uma capa preta caía dos seus ombros. Através da chuva, eu captei um pequeno vislumbre de um rosto: jovem, pálido, impressionantemente bonito... justamente me encarando. Meu estômago se contorceu e eu segurei a respiração.

—Rob. — Eu murmurei tirando meus fones de ouvido. —Olhe aquil...

O rosto de Robbie estava há centímetros do meu, olhando fixamente pra fora da janela, seus olhos verdes estreitaram-se em fendas duras e perigosas. Meu estômago se revirou e eu me inclinei pra longe dele, mas ele nem me notou. Seus lábios se moveram, e ele sussurrou uma palavra, tão suave que eu mal escutei, mesmo tão perto quanto estávamos.

—Ash.

—Ash? — Eu repeti. —Quem é Ash?

O ônibus engasgou e andou para a frente novamente. Robbie voltou pra trás, seu rosto tão imóvel que poderia ter sido esculpido em uma pedra. Engolindo, eu olhei pra fora da janela, mas o espaço embaixo do carvalho estava vazio. O cavalo e o cavaleiro tinham ido embora, como se nunca tivessem existido.

O REI DO FERRO - OS ENCANTADOS DE FERROOnde histórias criam vida. Descubra agora