O céu desabou e o mundo entrou em chamas.

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Era mais um dia qualquer, eu tinha ido ao mercado, à pedido de minha mãe.

Na volta, enquanto eu caminhava do lado da floresta perto de casa,vi que um caminhão de sorvete estava passando. E eu já sentia falta de tomar aqueles picolés em forma de pé que costumava tomar todos os dias, mas quase sempre estava triste demais para sequer pensar nisso.

Tomada pela onda de nostalgia, resolvi comprar um. De dentro do caminhão, o vendedor me cumprimentou. Seu sorriso era um pouco falso e ele parecia nervoso, dava para ver as gotículas de suor sendo formadas na sua testa e no seu peito com sua blusa,que era chique demais para um mero vendedor de sorvete, um pouco aberta.

Era alto e forte. Sua voz era doce e ele parecia ser alguém amável, ao menos pelo que eu pude perceber enquanto eu pedia o sorvete. Tinha olheiras como se não dormisse há dias,o que estranhei a princípio, mas deixei o preconceito de lado e segui em frente, voltando pra casa com meu picolé em mãos.

Continuei seguindo o caminho, mas, de repente, parecia estar ficando cansada, meus olhos estavam pesados e não conseguiria ficar acordada por muito tempo.

Lutei para continuar andando, mas tudo estava pesando e minha visão se tornava turva.

A rua deserta virava um borrão, mas eu sabia que o caminhão de sorvete ainda estava lá. Estava muito difícil continuar de pé. então desisti e só consegui escutar o doce som do caminhão se aproximar de mim. Senti alguém tocar em mim, mas estava cansada de mais para me defender, a pessoa me ergueu e me levou para algum lugar do qual eu desconhecia

Aquele, era só o começo de meu pequeno inferno particular.

...

Quando acordei, estava em um lugar estranho. Me encontrava deitada no chão de um quarto meio escuro, apesar de ainda estar dia lá fora.

Eu estava confusa e assustada, mas o melhor a se fazer era tentar manter a calma.

A única luz presente era a que se infiltrava pelas frestas da cortina. Para não chamar atenção, me virei lentamente e tentei olhar através delas. Não havia nada, além das árvores, do lado de fora, mas acabei reconhecendo a floresta perto da minha casa.

Bufei - a grade de ferro não deixava com que eu fugisse, o que me frustrou. Aquilo parecia mais um pesadelo.

Com esse pensamento, deitei e voltei a dormir, torcendo para que tudo não passasse de um sonho ruim.

Quando acordei novamente, dei de cara com um homem alto e forte, com fundos olhos pretos. Quando falou comigo, foi grosso e objetivo.

Simples assim, foi saindo do quarto, ditando tudo que eu teria que fazer de agora em diante.

Ele me puxava pelos cômodos enquanto anunciava cada obrigação que teria que executar dentro e fora daquela casa.

Aliás, a casa era enorme. Era repleta de joias, brilhos e lustres, o chão era de madeira escura, não haviam muitas janelas - e quando tinha, eram trancadas por grades fortes, como no quarto.

O estranho homem não parava de falar, enquanto me guiava pela casa inteira. Em algum ponto nos sentamos no sofá. Ele pousou sua mão na minha perna e continuou a falar como se nada houvesse acontecido.

Fiquei enojada, mas achei melhor não reagir - acima de tudo, eu planejava continuar viva e inteira.

Você irá lavar e secar as roupas, recolher as necessidades do cachorro e limpar a caixa de areia do gato, além de limpar o chão, cozinhar e arrumar a mesa. - Ele ditou como se tudo fosse tão simples, como respirar. - Ainda terá que limpar as janelas, tirar o pó de cada mísero cantinho dessa casa... Ah, e me massagear da cabeça aos pés. Quero grandes banquetes em cada refeição, sem atrazo na hora do almoço. Arrume a mesa com a mais bela prataria...

Assim foi por um longo tempo. Ele não parava de falar, e aquilo me deixava com mais raiva a cada instante. Os minutos não passavam e eu estava cansada, com fome e sede, mas como ele obviamente não se
Iria se importar comigo, apenas falei, olhando para o chão:
- vou para o quarto.
Ele, com uma delicadeza inesperada, respondeu:
Ok, depois continuamos. Espero sinceramente que tenhamos uma boa convivência, apesar de tudo.

Quase ri, mas consegui segurar. Ele me dizendo que espera uma "boa convivência"? Depois de me sequestrar com um sonífero no meu sorvete ele quer uma boa convivência?
Aposto que ele não quer uma boa convivência comigo mas sim com o meu corpo.

Comecei a sair apressada da sala, meus olhos com lágrimas.

Me afastei batendo os pés, o que o fez levar um susto e dar um pulinho no sofá.

Disfarçando, ele levantou e me ofereceu algo para beber antes de entrar no quarto.

Apesar da sede, estava assustada demais para aceitar. Estava com medo de  adormecer novamente, ou até pior, morrer envenenada, eu ainda não tinha certeza do que ele colocará no meu sorvete, mas com toda a certeza não seria nada bom se eu dormisse novamente. Assim, apenas neguei coma minha cabeça ainda em direção aos meus pés e entrei no quarto

...

Entrei no quarto

Suspirei.Desistindo, me deitei, esperando que o sono surgisse magicamente - coisa que não ocorreu. Passei horas me virando de um lado para o outro até cansar e simplesmente encarar o teto, perdida em pensamentos.

Tudo sempre voltava para aquele cara estranho e o que estava acontecendo. Depois de tantas horas, estava ficando cada vez mais difícil manter a calma e tentar usar a lógica.

A sensação ruim no meu peito só aumentava, parecia que eu estava sufocando. Por isso, decidi mudar o foco dos meus pensamentos, que infelizmente se tornou o meu passado.

A melancolia me invadia enquanto as memórias surgiam com tudo.
Para todos os efeitos, éramos a família perfeita. Aquela que serve de exemplo para todos que a conhecem.

Mas é claro que a realidade era bem diferente de todo esse teatro. Por trás das cortinas, havia uma mãe alcoólatra, um irmão viciado e um pai que estava sempre por aí com alguma outra mulher. Digamos que esses elementos não formavam um bom ambiente familiar.

Uma história não muito boaOnde histórias criam vida. Descubra agora