16: Epitáfio

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Eu não apreciava o suficiente o quão minha cama era confortável, pensei enquanto dava um suspiro, rolando de um lado para o outro. Não fazia nem 2 horas que havia voltado do hospital e Sam, que tinha voltado no dia anterior durante a tarde não parava de me perguntar o que havia acontecido, exigindo todos os detalhes. 

Eu pensei em como contar para ela, tentei encontrar diversas maneiras de começar a história, mas não conseguia, e ela infelizmente não sabia o quanto falar sobre aquilo me afetava, mas para ser sincero, no começo nem eu sabia. 

Quando o policial parou para falar comigo no hospital, comecei a ter uma espécie de ataque de pânico, o que tornou uma conversa que poderia ter levado apenas 30 minutos em uma conversa de quase 2 horas onde passei a maior parte do tempo chorando, me tremendo e sem conseguir respirar direito.

Me sentia mal pela minha mãe, ela já estava tão preocupada com Sam, e agora por idiotice minha ela também estava preocupada comigo.

Joguei um travesseiro através do quarto, tentando liberar um pouco da minha frustração. Senti algo se mexer na minha cama e vi que Ryo tinha vindo me fazer companhia. Sam entrou no quarto logo atrás dele, e estava pronto para falar que não tava afim de conversar, mas dessa vez ela não me fez perguntas, só se sentou ao meu lado, abriu o caderno que segurava ficou parada por um instante.

"O que você está fazendo?"

"Bem, levando em consideração o que aconteceu , resolvi começar uma espécie de projeto pessoal. Queria escrever meu epitáfio, e uma carta pra ser lida após eu morrer." Ela falou, com um sorriso enorme no rosto. Não pude evitar o olhar de surpresa que dei pra ela quando ouvi o que disse. Como ela podia falar sobre uma coisa dessas com tanta naturalidade, ainda mais logo depois de ter passado um susto desses.

"Erm... e essa ideia veio de onde exatamente?"

"Nós dois sabemos que eu não vou viver até ficar velha. Não é assim que essa doença funciona. Então se eu for morrer a qualquer momento, prefiro pelo menos estar preparada." Ela me deu um sorriso, dessa vez meio triste, e se levantou. Ela andou de uma lado pro outro ao redor da minha cama, com Ryo seguindo ela de um jeito bem engraçado.

Fiquei observando ela, parte de mim um pouco assustada com a naturalidade e entusiasmo dela em relação à essas coisas, mas outra parte com inveja. Eu tinha muito medo das coisas, e era naturalmente muito inseguro pra conseguir agir daquele jeito.

"Você já começou a mandar sua inscrição pras universidades?" Ela se virou para mim de repente, como se tivesse acabado de se lembrar que nós estaríamos nos mudando para Filadélfia a qualquer momento. Eu vinha pensando no assunto nesses ultimos dias mas ainda não havia tomado coragem para realmente fazer alguma coisa sobre o assunto, já que parte de mim estava com medo de me mudar de novo.

Eu tinha medo de ir embora e nunca mais ter a chance de encontrar Caleb, admiti para mim mesmo. Eu tinha medo de começar tudo denovo com o namorado da minha mãe. Eu tinha medo de ir para a faculdade porque eu não sabia o que esperar.

"Não... mas eu sei que deveria. Se duvidar a maioria das universidades nem estão mais aceitando inscrições a esse ponto." Suspirei, decepcionado comigo mesmo.

"E você ta esperando o que exatamente?" Ela apontou para o meu computador com a cabeça, e depois de pensar por um pouco, ela tinha razão. Não tinha hora melhor do que agora. Me levantei, peguei meu laptop da mesa e me sentei de volta na cama, tentando ficar o mais confortável possível, sabendo o quanto de ansiedade isso iria me causar.

Entrei em um site que me mostrava todas as universidades no país e comecei a filtrar por localidade, preço, etc. Não pude deixar de notar uma que batia 100% com a minha busca e tinha ótimas avaliações. Cliquei nela e comecei a olhar pelo site o campus, dormitórios, e fiquei impressionado com como tudo parecia tão legal, e como tinha uma mistura bem interessante de moderno e antigo bem conservado.

Sam percebeu que eu estava me sentindo um pouco mais animado e deu uma olhada na tela do meu computador, tentando descobrir o que eu havia encontrado.

"Temple University? Eu sei de uma youtuber que estuda lá" Ela comentou. "Pelo que vejo nos vídeos dela o lugar parece ser bem legal." Ela sorriu. Sem precisar pensar muito sobre o assunto, prontamente comecei o processo de inscrição, aproveitando que ainda estava aberto. Assim que terminei de preencher tudo, imprimir o que precisava de assinatura, e adicionar os documentos necessários, continuei dando uma olhada nas outras universidades da região.

Encontrei algumas outras que pareciam boas, até fora de Filadélfia, mas nenhuma delas havia me interessado tanto quanto a outra, sabia, no entanto, que me inscrever só para uma universidade seria um risco enorme, e que era bom ter alguma espécie de plano B.

Quando terminei de me inscrever para as universidades que havia gostado, percebi que Sam não estava escrevendo mais, só estava sentada, me observando.

"Posso ler?" Apontei para o caderno.

"E por acaso eu já morri?" Ela arqueou uma sobrancelha.

"Não que eu saiba..."

"Então não, não pode." Ela deu de ombros "O ponto disso é para as pessoas terem algo para eu ler após eu morrer, então não tem graça ser você ler antes."

"É justo." Nós dois acabamos deitados na minha cama encarando o teto, com Ryo dormindo entre nós dois como se fosse nossa criança.

Estava passando a mão pelo seu pelo, distraído com meus pensamentos, quando senti Sam me cutucar.

"Hunter... você está bem, né?" Ela me encarou, visivelmente preocupada "Sei que não deveria ficar perguntando, a mamãe já me disse que se eu perguntar vou acabar fazendo você se sentir pior, e eu não quero isso, mas agir desse jeito só me faz pensar o pior ainda mais."

Suspirei, entendendo porque ela se sentiria desse jeito, sabendo que eu também me preocuparia se fosse ela no meu lugar, mas eu não sabia por onde começar a falar, e muito menos como contar uma coisa daquelas para ela.

"E o que é esse 'pior' que você imagina?"

"Bem... que alguém fez alguma coisa com você. Tipo, quis te bater do nada só porque tem algo contra você, sei lá..." Fiquei calado por um instante, pensando, mas isso só fez ela se preocupar ainda mais "Estou errada? Por favor fala que eu to errada..."

"Em partes" Virei para o outro lado, evitando o seu olhar.

"Hunter!" Ela reclamou, me fazendo virar de volta pro outro lado "Pelo amor de deus, o que aconteceu?"

"Você se lembra do Lucca, da sala de jogos?"

"Espera, ele que fez isso?" Ela quase pulou da cama, surpresa.

"Sim. Mas não sei se porque ele me odiava ou porque gostava demais de mim..." Ri amargamente com esse pensamento.

"Como assim?"

"Ele estava tentando me estuprar, Sam. Eu resisti, e tentei pedir ajuda, então ele me bateu."

Ela não falou, parecia que havia entrado em um estado de choque, completamente imóvel, sem reação nenhuma. Decidi deixar ela assimilar o que havia falado, e voltei a encarar o teto, focando nos detalhes do gesso, seguindo as rachaduras pela parede,. Ficamos quietos pelo resto da manhã, apenas deitados um ao lado do outro, ambos assustados, disso eu tinha certeza.

Felizmente, minha mãe voltou cedo do trabalho e veio nos fazer companhia. Não falei para ela que tinha contado para Sam o que aconteceu, mas tentei aliviar um pouco o humor contando sobre as universidades para onde havia me inscrito. Isso deixou ela muito animada, e ela prontamente se ofereceu para me ajudar com os documentos restantes. Nós combinamos de sair para jantar naquela noite, para comemorar que nós dois estávamos bem, que havia encontrado lugares que gostava, e que tudo parecia estar finalmente indo bem, mas infelizmente, Sam e eu ainda tínhamos aquele gosto amargo na boca. 



Summertime (boyxboy)Onde histórias criam vida. Descubra agora