Capitulo I

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Sexta-feira, 16:50 – Estacionamento do Sunrise

Keith Kogane suspirou de forma audível novamente, sua respiração perdendo-se junto ao vento fresco que assobiava fracamente no lado de fora do carro. Lançou um olhar esguelhado para seu irmão mais velho, na esperança que o garoto dignaria pelo menos um olhar a suas inúteis chamadas por atenção, mas Shiro continuava dirigindo com foco, analisando todo o estacionamento praticamente deserto do velho prédio Sunrise em busca da vaga perfeita.
- Ainda da tempo de desistir - comentou Keith depois de alguns minutos de silêncio, cortado apenas pelos roncos do novo carro com o qual Shiro fora presenteado pelos pais no final do último ano letivo, quando o garoto mais velho havia oficialmente ingressado na faculdade (Galaxy Garrison, a melhor do país).
Finalmente conseguindo parar o carro em uma das vagas da frente, Shiro direcionou seu olhar ao irmão mais novo, colocando o semblante preocupado que ele vestia toda vez que estava com Keith, e que fazia o garoto menor querer vomitar.
- Keith - começou Shiro com sua costumeira condescendência. O estômago de Keith se retorceu enquanto ele mentalmente se preparava para a palestra que estava fadada a acontecer. - você não pode continuar lidando com isso sozinho. Um amigo me indicou esse lugar, e o dr. Yang acha que essa era a melhor opção.
Keith teve o repentino impulso de dizer que estava pouco se fodendo para o que dr. Yang achava melhor, mas conseguiu conter sua língua a tempo. Mas Shiro pareceu ter lido isso em seu rosto, porque logo trocou de argumento:
- E... francamente Keith, mamãe e papai estão se matando de preocupação. Eu também, para ser sincero. Você mal sai de casa, come pouco, e eu nunca vi você sair com nenhum dos seus amigos.
           Talvez porque eu não tenha nenhum, pensou o garoto sarcasticamente, mas preferiu guardar essa informação para si mesmo. Shiro não precisava de mais razões para preocupar-se com ele.
- E, Keith, isso não é brincadeira - disse Shiro com seriedade. - Depois do que aconteceu no último inverno... Bom, acho que todos concordamos que alguma ajuda extra não vai fazer mal algum.
Sentindo como se uma pedra de gelo estivesse forçando o caminho até seu estômago, Keith desviou os olhos de Shiro pela primeira vez na conversa. Sentiu-se irritado que o mais velho tivesse usado aquele acontecimento como argumento, porque toda a família adotiva de Keith sabia que o Acontecimento do Último Inverno era um assunto proibido. Um acontecimento que Keith queria unicamente selar e enterrar bem fundo, juntamente com as épocas sombrias que cercavam aquele momento. Ele só queria esquecer... E lá estava Shiro, desenterrando tudo novamente.
- Além do mais - prosseguiu o garoto mais velho mais levianamente, provavelmente sentindo o desconforto do irmão. - Quão ruim pode ser um grupo de apoio, certo?
Keith podia pensar em uma lista abundante de razões pelas quais o tal "Grupo de Apoio para Doentes Mentais" para o qual ele estava dirigindo-se seria completamente terrível. Somente o nome era o suficiente fazê-lo querer voltar para casa imediatamente; doentes mentais tinha uma tonalidade horrível, e fazia-os parecer gente como Jack Torrance ou Norman Bates ao invés de adolescentes depressivos forçados pelos pais a ir em um grupo de apoio. Entretanto, ao ver o brilho esperançoso nos olhos de Shiro, Keith viu-se dolorosamente forçando um sorriso em seu rosto
- É. Talvez eu até faça um amigo ou dois.
O sorriso de vitória que Shiro usava ao acenar para Keith enquanto dirigia para fora do estacionamento do Sunrise foi prova suficiente que o mais velho havia acreditado na promessa do irmão de tentar fazer amigos.
Assim que o carro de Shiro desapareceu na curva, o meio-sorriso deixou o rosto de Keith, acompanhado de um pesado suspiro. Lentamente, ele virou o corpo para encarar o prédio que gerara tanta discussão. Não era nada demais, foi a conclusão de Keith. Um prédio comercial de quatro andares, contando o térreo, pintado de um pálido e doentio amarelo que outrora deveria ter sido belo. Janelas de vidro apareciam periodicamente nas paredes, dando vista a grandes salas, vazias e escuras. Logo na entrada, pouco depois da porta aberta, havia uma lista com nomes de diversos grupos de apoio que aconteciam no Edifício Sunrise, e seus respectivos horários e salas. Confirmando que seu grupo de apoio posicionava-se no terceiro andar, sala B4, Keith pôs-se a dirigir-se até lá, e em sua caminhada até o elevador, ele constatou que as paredes internas estavam recheadas de frases ridículas como "Seja feliz!" ou "Gentileza gera gentileza!", e todo esse tipo de bobagem que fazia Keith revirar os olhos.
O silêncio foi sua única companhia até que ele alcançasse o terceiro andar, pois esse, ao contrário do primeiro, estava repleto de sons de conversa e, para o horror de Keith, sons abafados de cantoria exalando de todas as salas. A música o fez parar no meio do corredor, com a mandíbula tão firmemente cerrada que era capaz de quebrar seus dentes. Não, pensou ele em tom definitivo. Já é ruim o suficiente que Shiro me obrigue a frequentar essa merda. Se começar cantoria, me mando daqui.
Decisão tomada, Keith andou, um pouco mais decisivamente, até a sala B4, que era a última do corredor, e também a única que mantinha a porta escancarada, quase que esperando visitantes. Dando uma última inalada de ar com o intuito de reerguer sua coragem, Keith adentrou a sala.
Para sua grande surpresa e alívio, não havia cantoria e nem sinais de violão ou qualquer outro instrumento musical. Era apenas uma sala pequena e quase aconchegante, com uma roda de cadeiras diversificadas ocupando seu centro, e mais posters motivacionais cobrindo cada centímetro de parede branca disponível. Uma pequena TV de cabo ocupava um minúsculo espaço atrás de uma das cadeiras, e uma mesa com caixa de suco e copos fora posta, mas, fora isso, a sala era desprovida de qualquer ornamentação. Mas aquilo não era necessário, pensou Keith, pois a penca de adolescentes aglomerados ali já enchia a sala o suficiente.
Pelo que via, ele fora o último a chegar, mas todos estavam ocupados demais conversando, digitando em seus celulares, ou servindo-se de suco. Eram um total de dezesseis jovens, pelo que Keith contou - todos fazendo um péssimo trabalho de encaixar-se no estereótipo de adolescentes depressivos que era mostrado nos comerciais; na verdade, ao analisar suas roupas, Keith tornou-se bastante ciente de que ele era o mais próximo daquela imagem, com sua jaqueta de couro, luvas sem-dedos, e cabelo preto e por cortar cobrindo o rosto pálido e com olheiras. Alguns dos jovens ali pareciam até animados, sorrindo e dando risadas, como se eles não pudessem imaginar uma maneira melhor de passar sua sexta à tarde do que em um grupo de apoio para doenças mentais.
- Bem vindos! - exclamou uma voz empolgada de repente, fazendo Keith atiçar-se como um gato assustado. Atrás dele, surgia a mulher mais alegre que o garoto havia visto em toda a vida.
Aparentava estar com o pé na casa dos cinquenta, com os fios grisalhos encrespando-se e lutando para fugir do coque pressuroso que a fazia parecer imensuravelmente com uma cebola. Tinha a pele castigada pelo sol, e rugas profundas ao redor dos olhos castanhos e da boca, mas aquilo não era surpresa considerando o sorriso aparentemente permanente que a mulher tinha no rosto. Vestia um vestido florido e enjoativamente rosa, com sapatos lustrados para combinar. Era baixa e rechonchuda, e ao acrescentar os óculos de meia-lua que penduravam-se precariamente no nariz adunco, a mulher parecia uma avó saída de livros de história para dormir. Keith desgostou instantaneamente dela.
- Sejam bem-vindos ao nosso primeiro encontro depois das férias de verão! - disse a mulher, o sorriso acolhedor ainda perdurado no rosto. - Sentem-se, meus passarinhos, se espalhem.
Estranhando ser chamado de "passarinho", Keith caminhou estranhamente até uma das cadeiras da roda, juntando-se ao resto dos jovens. Acomodou-se o mais longe possível da velha desconhecida; talvez tivesse a ver com sua própria personalidade reservada, mas pessoas sempre tão toxicamente felizes não exalavam nenhuma confiança a Keith.
- Vejo alguns rostos novos desde a última vez que nos encontramos, que maravilha! - disse a mulher uma vez que todos estavam acomodados. - Fico feliz em ver que alguns de nossos amigos antigos permanecem aqui - não seja tímido, Micheal - e para os outros que vem agora, meu nome é sra. Anderson, mas vocês podem me chamar de Anne.
Se possível, o sorriso da sra. Anderson pareceu aumentar, e ela observou todos ali como se esperasse algum tipo de reação. Quando não ganhou nenhuma, ela prosseguiu:
- Bem, vocês já sabem meu nome, e agora eu quero saber o de vocês. Hora das apresentações!
No entanto, antes mesmo que Keith pudesse deixar que sua ansiedade formulasse todos os tipos de neuroses sobre falar em público, o barulho de uma batida na porta fez todo o grupo de apoio virar-se em direção a entrada. Lá, de pé e com um sorriso ansioso brincando nos lábios, estava um garoto alto e extremamente magro, que parecia nervoso e um pouco perdido.
- Olá - disse ele com um aceno da mão. - Sou Lance McClain. Aqui é o Grupo de Apoio?


N/A: Olá, meus caros leitores! Essa é a minha primeira long-fic postada, então eu estou bem ansiosa!! Essa fanfic vai comentar sobre temas de doenças psicológicas, e, apesar de eu não ser uma especialista, eu fiz uma pesquisa na internet sobre o assunto, mas, se você notar alguma informação errada, por favor me corrija.
Comentem! :)

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