-Olá. Sou Lance McClain. Aqui é o grupo de apoio?
Se possível, o sorriso que a sra. Anderson carregava no rosto pareceu expandir, passando a ocupar toda a metade de baixo de seu rosto redondo.
- Ola, seja bem vindo! Você veio ao lugar certo, não se preocupe. Pode ocupar qualquer lugar que quiser, nós estávamos prestes a começar!
Assentindo e sorrindo de modo caloroso, o recém-chegado dirigiu-se a um dos lugares opostos ao que Keith sentava-se, dando-lhe uma vista privilegiada do rapaz. Ele era bonito, foi o que concluiu Keith depois de fazer uma análise rápida. Tinha pernas longas embora não fosse destacadamente alto, e os cabelos curtos e acastanhados haviam sido bem penteadas (e Keith, cujo cabelo tinha pouquíssimos encontros com pentes, considerou aquilo como um sinal de abundante paciência). Seu rosto era fino e seu corpo, magro (talvez um pouco magro demais, na opinião de Keith), e o tom de pele era bem escuro, mediando o negro e o bronzeado. Mas o que realmente chamava atenção eram seus olhos: duas piscinas das mais variadas cores de azul, que pareciam lutar para um lugar de destaque na íris, transformando-os em diversas camadas que sobrepunham-se lindamente umas as outras.
- Agora que nosso grupo está completo - disse sra. Anderson, tirando Keith de seus devaneios. - Por que não fazemos a apresentação? Eu quero conhecer todos os meus passarinhos. Vamos começar por mim.
Ela ficou de pé com lentidão para demonstrar, pigarreando alto antes de desnecessariamente se apresentar:
- Eu sou Anne Anderson. Tenho cinquenta e nove anos. Sofri de depressão moderada a dois anos. Hoje, tenho orgulho em dizer que a minha depressão está controlada. Gosto de pugs e de hidroginástica. Não gosto muito de desenhar. - Um sorriso encorajador surgiu em seus lábios quando ela terminou. - Viram? Fácil. Digam seu nome, idade, do que sofrem ou sofreram, uma coisa que gostam e algo que não gostam muito.
Ela voltou-se a sentar-se em sua cadeira de plástico, cutucando o garoto ao seu lado, que prontamente levantou-se e começou a recitar as informações pedidas. Keith tentou prestar atenção, mas a batida acelerada de seu coração, e o suor frio escorrendo por suas mãos o distraiam, como sempre acontecia quando ele tinha que enfrentar situações públicas. Mentalmente, repassou todas as suas informações, temendo que na hora fosse esquece-las, como havia acontecido no primeiro dia de aula do Fundamental. Tentou concentrar-se em outras coisas, como a cadeira do garoto atrasado, que balançava sem cessar conforme ele a empurrava com os pés, ameaçando derruba-lo toda vez. Finalmente, a vez de Keith chegou.
- Um, oi. Sou Keith Kogane. - Sua voz soava estranha a seus ouvidos, dando a ele o quase inegável desejo de sentar-se novamente. Suas mãos começavam a tremer, e Keith teve que respirar fundo, focando-se na trilha sonora repetitiva que o garoto atrasado produzia com o sapato, batendo-o continuamente no chão. - Tenho dezessete anos. Tive depressão grave a uns nove meses, e agora tenho depressão moderada. Tenho ansiedade e transtorno bipolar. Gosto de motos e de Edgar Allan Poe. Detesto cães.
- Ah-ah - disse a sra. Anderson, com o dedo erguido em sinal de reprovação. - Nós não "detestamos" nada aqui. Somente não gostamos muito.
- Claro - disse Keith, desconfortavelmente trocando o peso de seus pés. - Desculpe, sra. Anderson.
- Me chame de Anne, passarinho - pediu ela com ternura. Keith assentiu, querendo mais do que tudo voltar para o seu lugar.
As apresentações continuaram, e dessa vez Keith conseguiu pegar alguns nomes - Lindsay, Max, Daniel, Sarah - embora eles embaralhassem-se em sua mente, e ele jamais fosse ser capaz de ligá-los a rostos. Entretanto, quando chegou a vez do garoto que chegara atrasado (Leroy? Louis?) algo prendeu a atenção de Keith. Talvez fosse sua aparente inabilidade de permanecer estável, ou o fato de que fora suas batidas de pé que impediram Keith de ter um colapso nervoso na frente do Grupo de Apoio.
O garoto levantou-se sem hesitação, sorrindo enquanto falava claramente:
- Meu nome é Lance McClain. Tenho dezesseis anos, mas vou fazer dezessete daqui a duas semanas - disse, e Keith poderia jurar que viu Lance piscar para ele. - Sofri de depressão moderada e anorexia nervosa ano passado. Ah, eu também tenho síndrome de boderline... Sempre esqueço dessa. Eu gosto do oceano, mi familia, e filmes clássicos. De verdade, maratona de Star Wars são as melhores! Eu não gosto muito de automóveis, porque, bem, eles poluem a natureza e nos impedem de fazer exercício e dar uma volta, sabe? Minha hermana, Veronica, fala que isso é bobagem, mas eu acho que faz sentido. Mas quando eu tinha seis anos eu comi um caramujo, então não sei se sou muito confiável.
Quando Lance finalmente fechou a boca, Keith precisou piscar algumas vezes para absorver. Tudo fora falado em uma velocidade supersônica, e o garoto com certeza acrescentara informações extras. Ele parecia empolgado por falar informações pessoais para estranhos, embora Keith não pudesse imaginar o porquê. Ele também não podia entender o sorriso colado no rosto do garoto (que, pelo visto, era de Cuba, se seu acento dizia alguma coisa), mas ele não podia negar que estava impressionado: ele nunca vira alguém falar tanta coisa em tão pouco tempo.
Até mesmo sra. Anderson parecia aturdida, mas estranhamente satisfeita, enquanto chamava as duas últimas pessoas a se apresentarem. Depois, ela ordenou que todos formassem pares e conversassem sobre "quais tipos de batalhas eles enfrentavam todo o dia". Keith detestou a ideia de pares, e, como sempre, permaneceu sentado esperando as duplas formarem-se e o pobre desafortunado que sobrasse e fosse obrigado a ficar com ele aparecer. Entretanto, para a extrema surpresa de Keith, Lance caminhou, confiante e sorridentemente, em direção a ele, embora ainda tivesse muitas pessoas mais interessantes e sem par andando por ali.
- Ei. Keith, não é? - disse Lance cordialmente.
Superando o choque inicial de Lance vir falar com ele, Keith deu lugar a sua usual pose sem expressão, apenas assentindo em confirmação.
- Quer fazer par comigo?
Hesitando inicialmente, Keith deu de ombros, ignorando o modo como seu coração acelerou em ansiedade, nervosismo e (mesmo que ele se envergonhasse em admitir) animação. Keith não conseguia lembrar-se nenhuma vez sequer que alguém que não fosse sua família ou psicólogos voluntariamente indo falar com ele.
Ele só está com pena, contrapôs uma voz sussurrada em sua mente. Deve ter visto você, sozinho e patético no canto da sala, e pensado "Ah, pobrezinho, vou ver se consigo anima-lo". Não fique esperançoso, Keith.
– Ótimo! - exclamou Lance, puxando a cadeira mais próxima para sentar-se em frente à Keith. Ele não estava muito perto, pelo que o outro agradeceu imensamente. - Então, quais são as suas, uh... "Batalhas Diárias"?
O tom de Lance era brincalhão, e os lábios de Keith inconscientemente repuxaram-se para cima.
– Eu não sei - Keith respondeu com sua resposta padrão. Apesar da aparente simpatia de Lance, Keith não estava nem um pouco inclinado para ir contar os seus problemas de vida para um completo estranho.
– Tudo bem, então. Eu começo - disse Lance quase instantaneamente, não parecendo nem remotamente surpreso ou incomodado pela resposta de Keith. - Minha batalha diária é... Geometria.
Keith piscou, confuso.
– ... Geometria? - repetiu hesitante.
– Aham - confirmou Lance, acenando com a cabeça. - Quer dizer, que coisa inútil! Me diz, o que altura de triângulos vai acrescentar na minha vida? Absolutamente nada! E o professor fala como se polígonos fossem importantes. Quer dizer, saber calcular área não vai exatamente me ajudar a pagar boletos — e por acaso você sabe o que são boletos, no final das contas? Eles deviam ensinar esse tipo de coisa na escola.
Quando Lance finalmente terminou de falar, um sorrisinho singelo e sem dentes havia se espalhado pelo rosto de Keith. Aqueles pensamentos sobre a inutilidade da matematica estiveram presentes na cabeça desde o quinto ano, mas ele jamais poderia dizer aquilo em voz alta, pois os pais definitivamente iriam entrar em um sermão demorado sobre como a matemática era a base do mundo. Ouvir Lance falar sobre aquilo tão casualmente era divertido; quase como se ele e Keith fossem amigos (ele só está com pena, cantarolou uma voz em sua mente).
– É. Matematica é inútil - foi tudo o que Keith conseguiu responder. Ele quis socar a própria cara; seriamente, Kogane? Essa é a sua resposta?
Lance soltou um riso nasalado, e, por um terrível momento, Keith teve certeza que o garoto iria debochar dele. Entretanto, a única coisa que Lance fez foi abrir um sorriso cálido e um pouco confuso, lançando um olhar curioso para Keith.
– Você não é muito de falar, é? - inquiriu Lance.
– Eu, uh, ah... - gaguejou Keith, lutando para esconder o rubor em seu rosto. Felizmente, Lance o interrompeu.
– Não precisa se explicar, Mullet. - Ele revirou os olhos, embora o ato não parecesse maldoso vindo dele. - Meu irmão, Louis, também é meio tímido. Ele é tipo a ovelha negra da família, porque nós todos somos tão escandalosos que você provavelmente nos ouviria chegando a quilômetros de distância. Mas a gente não força ele a falar, porque ele fica, tipo, super desconfortável.
Ele fez uma pausa, sorrindo compreensivamente para Keith, cujos lábios encontravam-se subitamente secos. Ele não pôde deixar de notar como a luz da sala favorecia a beleza de Lance.
– Acho que nada mais justo que fazer o mesmo por você, certo?
– Acho que sim - forçou Keith, sua voz saindo mais seca e rude do que ele pretendera. Novamente, sentiu vontade de atirar sua cabeça na parede. Lance havia dito a coisa mais legal que alguém dissera a Keith nos últimos meses, e ele agradecia sendo grosso. Boa, Kogane.
Mas, para o grande alívio de Keith, Lance não pareceu ofendido.
– É. Mas, bem, como eu estava dizendo, Louis é muito tímido. Talvez até mais que você, e teve essa vez que ele...
E, simples assim, Lance engatou em uma história longa sobre como ele e Marco (seu outro irmão mais velho), haviam salvado a apresentação de Louis sobre golfinhos na quinta série, e como, apesar de seus atos heróicos, a mãe os havia castigado por terem matado aula ao chegar em casa.
Para ser honesto, Keith perdeu-se logo no começo do conto, mas ele não atreveu-se a interromper Lance. Era bom ouvi-lo falar com tanto entusiasmo, as mãos mexendo-se e os olhos brilhando. Aquele garoto exalava alegria, e Keith não conseguia imaginar como ele acabara naquele Grupo de Apoio.
– Mas, enfim - finalizou Lance, atraindo a atenção de Keith mais uma vez. - Louis é tímido. Acho que vocês vão se dar bem.
– É, talvez - concordou Keith, não sabendo mais o que dizer. - Uma pena que eu não vou conhecer ele.
Então, os olhos de Lance brilharam como se ele houvesse tido a ideia mais brilhante do mundo. Keith fez seu melhor para manter a pose despreocupada, ignorando o modo como seu coração subiu a garganta.
– Ei. Talvez você possa conhecer ele. Por que você não vem para a minha casa hoje?
Um alarme alto e desesperado começou a bombardear a mente de Keith. MAYDAY, MAYDAY!, berrou Keith em pensamento, enquanto paranóias irracionais explodiam na mente dele. Aquilo poderia muito bem ser uma pegadinha maldosa e bem bolada, e Lance na verdade estava o enganando e fingindo ser seu amigo apenas para rir de Keith no final. Ninguém gastaria tanto tempo assim só para te humilhar, a parte racional de Keith argumentou.
Entretanto, isso não impediu o desespero de chegar a mente dele, e isso o fez sentir raiva de si mesmo. Era algo tão normal, por que ele não podia simplesmente aceitar e ser comum por alguns segundos? Era isso. Simples. Ele só precisava abrir a boca e dizer "sim". Melhor ainda, por que você não responde QUALQUER COISA?! gritou a mente de Keith ao ver o sorriso começar a desmanchar-se no rosto de Lance, substituído por uma careta nervosa.
– Quer dizer - começou Lance, torcendo as mãos ansiosamente. - Você não precisa ir, nem nada. Dios, isso foi estupido, me desculpe. A gente mal se conhece, esquece que eu disse isso...
– Sim - disse Keith bruscamente, interrompendo Lance. O outro olhou para ele, perplexo. Então, um sorriso grande e genuíno se espalhou por seu rosto novamente.
– Sério? Incrível!
Keith não pôde deixar de espelhar seu sorriso, embora os músculos de seu rosto protestassem, desacostumados com um sorriso daquele tamanho.
Conforme a aula se desenrolava, Keith tentou ignorar o nervosismo que acumulava-se n sua mente. Ele não ia para a casa de ninguém desde o Acontecimento do Último Inverno, e ele mal lembrava-se de como agir. E se envergonhasse a si mesmo? E se Lance decidisse que não queria mais ficar perto de Kieth ao ver o quão estranho ele realmente era?
– A nossa reunião acabou, passarinhos! Vejo todos na semana que vem, espero!
Com o anúncio da sra. Anderson, todos começaram a se levantar, indo em direção a saída. Keith levou um susto - não havia percebido quanto o tempo passara rápido.
– Vamos? - convidou Lance, sorrindo adiante.
Sem forças para falar, Keith apenas assentiu. Os dois seguiram em silêncio até o estacionamento, e Keith não pôde deixar de reparar em Lance. Perguntou-se que tipo de pessoa convidava estranhos para a sua casa, e, principalmente, que tipo de pessoa convidava Keith Kogane para a sua casa. Mesmo que Lance não soubesse de tudo, Keith tinha certeza de que exalava uma aura intimidadora o suficiente para manter as pessoas afastadas. Então que diabos Lance estava fazendo, se aproximando dele?
– Uh, Keith - chamou ele, parecendo desconfortável. - Acho que tem um cara te chamando.
Isso fez Keith erguer a cabeça, praguejando em sua mente. Shiro. Tinha se esquecido completamente do irmão mais velho, que agora acenava ao longe para Keith, um sorriso confuso em seu rosto.
– Não se mexa - pediu Keith, olhando nervosamente para Lance que admirava Shiro com olhos arregalados. - Esse é o meu irmão, eu só vou... Avisar ele que estou indo para a sua casa.
Sem esperar resposta, Keith avançou firmemente na direção de Shiro, a mandíbula cerrada com força. Quando o alcançou, fez questão de olhar para cima em desafio.
– Esse é o Lance - anunciou, tentando ignorar a ansiedade crepitando em sua voz. - Ele é do Grupo, e me chamou para ir até a casa dele. Com sorte, não é um sequestrador. Me busque as sete. Em ponto.
Recado dado, Keith virou-se, querendo retornar logo para Lance e escapar do embaraço que era falar daquilo com Shiro.
– Pode deixar. - A voz do irmão soava satisfeita, o que fez o rosto de Keith esquentar. - Ah, e Keith?
O menino virou-se, uma expressão amarrada em seu rosto. Se Shiro estava prestes a dar um sermão sobre boas maneiras como se fosse a mãe deles, Keith tinha certeza que morreria de vergonha.
Entretanto, o que saiu da boca do mais velho foi ainda mais desconcertante.
– Bom trabalho. Ele parece um bom amigo.
N/A: então. Aparentemente, eu demorei um pouco para atualizar. *suspiro* É a vida, né? Amos apenas comemorar que, Ei, eu consegui postar um capitulo novo! Eeee! :D
Não se esqueçam de comentar, eu adoro saber a opinião de vocês sobre a fic :p
Ah, e se encontrarem algum erro, não hesitem em me corrigir, por favor!
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Shooting Stars
Teen FictionAs doenças com as quais Keith Kogane fora tabelado definiam sua vida. Tinha todos os seus atos meticulosamente vigiados pelos pais e irmão mais velho, que não pareciam querer esquecer o Incidente do Último Inverno, o que levara a família de Keith co...