we lost the bus

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Há o que nos contam. Nos dizem que não há nenhuma possibilidade de um homem e uma mulher serem somente amigos. Que uma hora ou outra, uma ou o outro, vão começar a ver sua amizade como algo a mais. E quando essa pessoa descobre que está apaixonada por quem muito preza como amigo, existem dois destinos: ou os dois corações se encontram, ou o sentimento puro da amizade simplesmente esvanece.

A vontade de ver o amigo se torna uma doença, os conselhos amorosos que costumavam-se oferecer uns aos outros são cheios de inveja, angústia, ciúmes e egoísmo. E é assim que, como nos dizem, uma amizade entre os sexos opostos pode terminar.

Mas eu me pergunto se é a mesma coisa entre dois garotos. Se um dia vou ser tão egoísta à ponto de destruir a relação que tenho com ele.

Quando cheguei nesse colégio, se bem me lembro, a primeira coisa que notei foi um rapaz de aparência franzina, quase feminina, tentar insistentemente dizer algo ao porteiro.

Como não conhecia nada em Seul, eu perdi os dois primeiros ônibus e acabei tendo que pagar um táxi pra encontrar o lugar. De qualquer forma, ainda tinha esperanças de que me deixassem entrar e de que eu talvez pudesse assistir à partir da terceira aula.

Pelo que me pareceu, o garoto magrelo que prendia a mão esquerda com força ao redor da alça da mochila e utilizava a outra para gesticular estava a beira dos prantos, com seus olhos lacrimosos e as bochechas ardendo em um tom vermelho aparente.

O cabelo bem cortado em estilo tigelinha só me deixou mais curioso para entender o que estava acontecendo, e quando percebi eu já estava ao lado dele, tentando entender seu curto vocabulário coreano.

"Eu... hmm, onibus? Não-não... pegar?" Balbuciava, naquela pronuncia estrangeira e ruim que tornava tudo mais complicado.

Mas nesse momento, foi quando algo estranho aconteceu. Eu poda entender tudo o que aquele menino queria dizer, mesmo com as menos de meia-dúzia de palavras corretas que saiam dos lábios finos.

Então pra mim foi natural explicar para o porteiro que sua situação também havia sido parecida com a minha, e ele pareceu concordar com tudo o que eu dizia.

O homem suspirou, compreendendo que éramos novatos e que estávamos tão perdidos na grande cidade quanto ele parecia estar com a sua vida no geral.

Eu também posso me lembrar de como tivemos que esperar a segunda aula acabar, sentados nos bancos à frente da sala, entretidos em fingir que estávamos entretidos.

"Então... Você é novo na Coréia?" Eu perguntei após um longo período de silêncio constrangedor. Ele virou na minha direção e franziu o cenho como se eu fosse o estrangeiro, mas logo seu rosto se acendeu.

"Eu... chegar? O dia anterior!" Explicou, parecendo envergonhado por tropeçar em suas palavras.

"Oh, certo." Respondi sorrindo um pouco. Ele pareceu ter ficado muito feliz quando eu entendi o que queria dizer. Pra ser sincero, mesmo que eu ainda não sentisse nada por Sicheng, eu me abstrai de tudo ao meu redor quando ele sorriu na minha direção, formando uma expressão de surpresa e em seguida retirando bolinhos chineses de sua mochila.

"Querer?" Questionou, abrindo o invólucro de um deles para si mesmo e me entregando o outro com os dedos longos.

"Kumaweoyo." Respondi, aceitando sua oferta.

"Kumawu...yo?"

Achei graça do jeito fofo como o garoto havia dito aquilo, e comecei a abrir o pacote do bolinho, fazendo pouca força já que eu não sabia controlar a minha muito bem.

Porém, quando encaixei os dedos na parte de cima da embalagem, a parte debaixo abriu e o bolinho foi rolando até a parte de baixo do armário ao lado da sala. Eu suspirei, amassando o plástico e me esticando para joga-lo no lixo há alguns metros de distância.

Quando voltei a posição original, pronto para buscar meu vidrinho de álcool gel, ele levantou um outro saco de bolinho com um pela metade restante dentro. Meu primeiro pensamento fora: germes, mas então ele negou com a cabeça e prostou-se a me explicar.

"Rasgar só a parte... a parte minha! Tocar na de você? Aniyeo!" E também foi assim que eu descobri que ele também me entendia.

Foi bem estranho, na verdade, mas depois que eu comi o bolinho pela metade, eu comecei a deixar minhas manias de lado quando se tratava dele. Eu nunca mais me importei de comer do mesmo prato que ele, emprestar minha garrafinha de água ou dar as mãos pra ele (quando estava entediado na aula de geografia).

Sicheng me deixava com uma sensação gostosa de conforto e pertencimento, e não tínhamos nada mas tínhamos tudo ao mesmo tempo. Como se existisse sempre o nosso mundo antes do que nos englobava.

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⏰ Last updated: Nov 04, 2018 ⏰

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PLATONIC, taewinWhere stories live. Discover now