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  Cheguei ao hospital, correndo porém já é tarde. Minhas coxas estão me matando após o treino de hoje. Manter minha forma física não é nada fácil, principalmente agora que estou chegando aos trinta anos.

  Hoje deveria ser apenas mais um dia tranquilo da minha vida, mas terminei de ver no Instagram a foto de um evento que eu deveria ter sido convidada, afinal, foi o dia mais importante da vida do meu afilhado.

  Adentrei o grande e renomado hospital e fui diretamente para o quarto do Apolo, entretanto, quando cheguei lá não tive reação alguma. Não acredito que ele deixou a porta aberta e ficou nessa situação constrangedora, soltei uma lufada de ar me preparando para acordar aquele ingrato e a garota que ele estava abraçando intimamente quando me deparei com um caderno pequeno, ele estava aberto próximo à maca e parecia ter caído da mão que a menina de cabelos negros estendia. A intenção era apenas fechar e guardar mas a caligrafia caprichada e certa curiosidade fez com que eu lesse as seguintes palavras:

  "Isabella Swan, a personagem que eu odeio com toda a força que ainda resta em mim disse a primeira fala do filme Crepúsculo (um dos filmes que eu mais gostava antes de descobrir a minha doença):

  'Nunca pensei muito em como iria morrer, mas morrer no lugar de alguém que eu amo é uma boa maneira de partir...'

  Durante todos os filmes e até mesmo nos livros ela é obcecada por se tornar vampira. Vampiros são seres místicos sem alma e sem vida e enquanto os outros personagens foram transformados por falta de escolha ou por motivos convincentes ela não tem nenhuma razão suficiente. Resumindo, a Bella é a personificação da ingratidão.

  O caso que eu vou narrar agora prova que enquanto viva, eu fui muito feliz e amei linda e verdadeiramente as pessoas que me cercavam, principalmente um certo alguém que eu conheci por um belo acaso. Tudo começou assim:

  Arrastei meu cilindro de oxigênio, indignada, pelos corredores do hospital (lê-se casa).

- É pecado ser tão bonita, você vai para o inferno de escorregador.

Virei para ver se era comigo e tinha um menino, muito bonito, que provavelmente está passando pela puberdade. Abstraí e fingi demência voltando a andar.

- Oi? Vai me ignorar?

Tantas coisas úteis para fazer no mundo em tão pouco tempo que me resta de vida. Sim, eu vou ignorá-lo.

- Me chama de Augustus Waters e vem ser minha Hazel Grace.

Maluco, audacioso (pensei).

- Todo mundo que arrasta um cilindro de oxigênio e tem uma cânula no nariz é vítima de um câncer de tireóide com metástase nos pulmões?- me referi a doença da Hazel.

- Não sei você, mas eu ando por aí com isso por causa desse exato motivo.

Revirei os olhos e voltei a andar.

- Ei. Paciente do 122, mais tarde vou passar no seu cafofo.

- Como você sabe qual é o meu quarto? Tá me perseguindo?

- Que tipo de Gus eu seria se não soubesse onde encontrar minha Hazel?

Revirei novamente os olhos.

- Seu mundo gira em torno desse livro? Ou você só leu 'A Culpa é das Estrelas' durante toda a sua vida?

- Meu mundo gira em torno do processo de eutanásia, mas digamos que a protagonista represente bem a minha situação e o Gus seja um exemplo de pessoa para mim.

- Eutanásia?

Perguntei surpresa e me aproximando do rapaz.

- Sim. Você acha absurdo?

A sensação de não estar sozinha no mundo me invadiu. A música Hello Hello da Gaga começou tocar, no meu pensamento.

- Muito pelo contrário. Você ouviu falar que na Suíça...

Ele me interrompeu empolgado e disse:

- Sim! Quando se trata do turismo da morte a...

- Suíça reina.

Completei.

- Você planeja ir para lá?

- Não exatamente e de qualquer forma sem o apoio da minha família e sem financiamento fica difícil.

- Eu estou juntando dinheiro há cinco longos anos, vou comprar minha passagem em três meses.

- Eu ainda tenho que esperar um ano mas caso um milagre aconteça podemos ser companheiros de viagem.

- Você fala como se fosse divertido.

- E não é para ser? Serão férias da vida. Férias devem ser divertidas, porque a nossa viagem seria depressiva?

'Férias da vida'. É um bom termo, pela primeira vez em muito tempo achei alguém que compartilha dos mesmos pensamentos que eu. E foi assim que eu conheci Apolo Grossman, o garoto pelo qual meu coração acelerou mostrando que nem tudo em mim era disfuncional.

EutanásiaOnde histórias criam vida. Descubra agora