A noite estava escura e fria, o que era muito incomum, já que no Rio de Janeiro sempre estava quente. Eu havia acabado de sair do trabalho. E para chegar até a Central tinha que passar por umas ruas um tanto que desertas, isso não era nenhum problema para mim, mas para minha dignidade, prometi à vovó que teria controle, apesar de eu saber que a vovó jamais saberia o que era estar em minha pele e como era difícil resistir aos impulsos e a fome.
A textura, a cor, o cheiro doce, tudo era perfeito. Parecia vinho. Eu evitava ajudar pessoas feridas na rua, às vezes quase perdia o pouco de humanidade que havia herdado da vovó.
Naquela noite, eu pedi perdão à vovó, não podia deixar aquilo acontecer.
Tive que passar por uma rua com muitas árvores altas, sem uma boa iluminação e sem movimento.
O cheiro bateu em minhas narinas. Me entorpeceu mais que os baseados que eu usava nos anos setenta, quando morri pela centésima oitava vez. Continuei andando pela calçada com os meus fones de ouvido ligados à melhor invenção do século XXI, o tão famoso MP4.
Comecei a ouvir gritos. Aumentei o volume. — Você não tem nada a ver com isso! — Disse para mim.
— Socorro... Por favor, me ajude! Socorro! — Sons de choro.
— Segura ela direito, cara... Para de se mexer vadia!
— Não... Por favor... Levem a minha bolsa, peguem tudo...
— Não queremos a bolsa, amiga! — Disse um dos homens rindo alto enquanto desabotoava as calças.
— Não... Por favor! Alguém me ajude! ALGUÉM!
— Vamos imbecil, continue andando! — Tentei me convencer de que não era nada.
— Socorro!
Não consegui me conter, afinal não eram apenas os gritos que me chamavam. Era aquele fervilhar. Aquele pulsar. Cheirava a insanidade.
Segui o cheiro, nossas habilidades não são como as dos filmes, temos todas as funções aguçadas, e o meu faro era impecável. Atravessei a rua. Haviam arbustos e uma árvore que cobria a visão de todos e abafava o som, se não fosse por mim, ela provavelmente teria morrido.
Atrás de tudo isso estavam dois homens, um negro, alto e forte, com cabelos longos e trançados, e outro que parecia um surfista, com cachos loiros, barba e braços fortes. Eles seguravam a moça, uma donzela com cabelos totalmente vermelhos e olhos azuis como o céu, estava descabelada, com os seios de fora e a saia rasgada. Se debatia como um peixe no anzol.
Eu caminhei lentamente até eles. Meus fones ecoavam uma música animada, faria o meu trabalho com fundo musical como nos filmes de ação. Ah, o cinema, outra invenção maravilhosa, quando eu nasci jamais imaginei que existiriam coisas como essa no futuro.
O vento gelado fazia o cheiro daqueles rapazes ficar cada vez mais forte.
— Ai caralho! Quem é você... — Disse um dos rapazes ao me ver tentando fechar as calças.
A moça caiu de cima do capô do carro e tentou andar, mas o loiro a segurou pelas pernas.
— Não... Não... Por favor, me ajude!
— O que foi? Perdeu algo aqui? — Disse o loiro puxando uma arma do bolso enquanto segurava a moça com a outra mão.
— Solte-a. — Eu disse.
— Tu é da polícia? — Perguntou o homem negro.
— Solte-a.
Levei um tiro no ombro. Bala de borracha. Olhei para o meu ombro e olhei para eles.
— Solte-a.
— Porra mano, vamos vazar... — Disse o cara das tranças A gente cata outra mais tarde.
— Fica aqui cara, tá com medinho? Um tiro só não derruba ninguém. — Ele insistiu.
Levei mais três tiros, um na barriga, um no braço, mas o que me com uma fúria sem tamanho foi o terceiro tiro, acertou meu MP4, acabou com o clima "Filme de Ação".
Caminhei até o homem loiro, meus passos ficavam mais rápidos, ele continuou atirando até que suas balas acabassem. Ele soltou a mulher e entrou no carro, o homem negro tentou entrar no carro, mas o loiro trancou às portas. O negro tentou correr e tropeçou na raiz de uma árvore, a mulher estava caída no chão.
O loiro tentava manobrar o carro. Ele parou e viu pelo retrovisor.
Eu tirei a mão do bolso da minha jaqueta jeans sem manga com um soco-inglês acoplado aos meus dedos e atingi o negro. Acertei seu rosto e um grande corte foi feito em sua boca e o cheiro agora estava no ponto certo. Respirei aquele aroma dos deuses, meus olhos ficaram totalmente negros, eu abri minha boca como um leão feroz e minhas presas apareceram como não acontecia à anos. As cravei no pescoço daquele rapaz que não parava de gritar, se debatendo como uma garotinha. O seu sangue era esplêndido, ele era forte e saudável. O suguei por quase um minuto inteiro antes que ele apagasse.
Levantei a cabeça e pude ver o homem me encarando pelo retrovisor. Assim que percebeu que eu levantei ele pisou no acelerador. O carro corria por entre as árvores, ele olhou para o retrovisor e ficou aliviado por não me ver, mas quando olhou para a frente eu estava lá. Ele tentou desviar e bateu o carro em uma árvore.
Eu abri a porta e o puxei para a grama.
— Não... — Ele tentou falar.
Eu não ouvi, apenas cravei meus caninos em sua pele clara e fina.
Peguei os dois corpos e os coloquei dentro do carro. Peguei um cigarro e os fósforos. Acendi meu cigarro e joguei o fósforo no motor do carro. Em breve seriam nada mais do que cinzas.
A mulher havia sumido. Deve ter se assustado. Dei de ombros. Tinha que trabalhar no dia seguinte, e já eram onze da noite, se não corresse perderia meu ônibus.
No dia seguinte na acordei com vigor, nada melhor do que sangue humano. Insônia, minha gata-preta, estava dormindo no sofá. Peguei minha garrafa portátil de café e fui para o trabalho.
Ao chegar na empresa me informaram que teríamos uma reunião com o representante das Indústrias Haminton, me estressei. Estava a um ano tentando criar um vínculo com os representantes dos Hamintons, mas sempre caía na caixa postal.
E a estagiária com apenas uma vídeo-chamada entrou em contato. Não a culpo, se eu tivesse o par de peitos que ela mal tampa com seu decote também atrairia muitos investidores para a empresa, é o poder feminino da sedução.
Assim que cheguei à sala de reunião me servi com uma xícara de café e sentei no meu lugar à mesa ao lado da estagiária. O meu chefe entrou em seguida com o representante.
Era a moça que eu havia salvo na noite anterior.
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O Estrategista
Short Story(...)"Não seria o amor, a maior das estratégias? (...) (Terceiro lugar no concurso W10)