A estranha

1 0 0
                                    

Joan preparava uma de suas poções, para uma ninfa que não conseguia mais voar, quando Agnes entra correndo exibindo um sorriso enorme no rosto e uma flor em uma das mãos.

- Joan, você precisava ter visto, ele está caidinho por mim!- sua empolgação era exagerada, pois sabia que não duraria muito tempo.

- É, tirando o fato de que está quebrando a primeira e mais importante regra da Astrid, que bom pra você cabeça oca.

- Sabia que essas regras iam estragar tudo, por isso nem aceitei sair com ele. Que inferno, o que há de tão errado em dar uns beijinhos em um elfo muito gatinho?

- Quer que eu explique outra vez?- Astrid aparece repentinamente, fazendo Agnes congelar da cabeça aos pés

- Exibida.- murmura Joan.

- Irmãs, precisamos manter o equilíbrio, nós três somos o que nossos semelhantes precisam para viver nesse fim de mundo. Uma paixão, qualquer preocupação a mais, vai nos desviar do que realmente importa. - Astrid falava como se pregasse.

Logo a discussão acabou e as bruxas voltaram aos seus afazeres. A mesma rotina por cinco anos, Joan preparava suas poções e atendia os doentes, Agnes tratava dos animais e criaturas híbridas, Astrid porém, não conseguia mais atender os desejos, todos queriam voltar para sua vida antiga, mas ela não existia mais.

O que a bruxa escondia de todos era que a caça por eles havia se tornado popular e perigosa, todos estavam repletos de ódio, queimavam suas casas, enforcavam suspeitas de bruxaria, chegavam a matar bebês humanos nascidos com deformidades. Se não fossem as barreiras mágicas colocadas em volta da floresta não existiria mais nenhum lugar seguro.

O dia havia sido tranquilo, apenas um grupo de elfos jovens precisou ser atendido em decorrência de um pequeno acidente de caça, uma fada gripada e uma lebre precisando de orientação. Astrid mais uma vez observou suas irmãs fazendo o trabalho pesado enquanto ela se ocupava sendo uma espécie de líder na comunidade, resolvendo pequenos conflitos, tomando decisões administrativas, fazendo a contagem dos suprimentos para o inverno e tudo mais que fosse necessário. Apesar de desempenhar um papel importante, sentia muita falta de usar seus poderes.

Até que perto do anoitecer, enquanto Joan assava um pato para o jantar e Agnes varria o chão, Astrid escutou algo do lado de fora da cabana.

- Não acredito que vocês vão comer um animalzinho outra vez, eu me recuso!- Agnes esbravejava enquanto juntava o pó em uma pá.

- Querida, é o ciclo da vida, problema seu se quiser passar fome.- Joan provocava, mas já havia preparado uma torta de legumes para a irmã.

-Ei!- Astrid chamou a atenção.- Vocês ouviram alguma coisa lá fora?

As irmãs se entre-olharam, fizeram silêncio por alguns segundos e tudo que escutaram foi a sinfonia das cigarras.

-Acho que você precisa relaxar Trid, passa o dia todo procurando problemas.- Joan diz voltando a atenção para o fogão à lenha.

Agnes concorda e acidentalmente derruba a pá, espalhando novamente a sujeira, Joan ri e logo as duas jovens começam uma discussão.

Astrid, não convencida, sai calada pela porta dos fundos para investigar, e como bônus também escapar de mais uma picuinha das mais novas. Abriu a porta apreensiva e silenciosamente e olhou em volta, viu uma constelação de vaga-lumes iluminando um jardim de ervas bem cuidado, viu a lua refletindo no rio a alguns metros da cabana e sapos coachando nas margens, estava prestes a fechar a porta quando escutou um soluço doído como um choro.

A bruxa rapidamente passou pela porta e desceu os degraus pra fora da cabana.

- Oi, você precisa de ajuda?- Perguntou para a vasta escuridão, na esperança de obter uma resposta, resposta essa que veio de tão perto que a fez arrepiar.

-Por favor não me machuque. - Uma voz fraca implorou.

Astrid, arrepiada, olhou para trás e viu, encolhida nas sombras ao lado das escadas, uma jovem de camisola branca, tremendo e com os lábios azuis de frio. Percebeu no mesmo instante, era uma humana.

A bruxaOnde histórias criam vida. Descubra agora