Prólogo

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Abri os olhos e demorei alguns segundos para me familiarizar com o local. Eu já havia estado ali, só não lembrava quando e nem onde "ali" era. Pra ser sincero, eu não lembro de quase nada.

Lembro-me de estar deitado sobre a relva, em uma tarde nublada, enquanto alguém recitava algo de um livro que tampouco me interessara.

Estava distraído nos próprios pensamentos e enrolava suavemente um dos cachos achocolatados que me faziam ser quem eu era.

Dado um tempo daquela cena, resolvi olhar para o céu e me pus a pensar no quanto aquelas nuvens, bizarras e escuras, eram ao mesmo tempo tão assustadoras e macabras quanto belas e majestosas quando, repentinamente, um vulto branco cruzou meu campo de visão. Sentei-me na grama e percebi que se tratava de uma borboleta, completamente albina e tão grande, que caberia perfeitamente em meu tórax como se tivesse o exato tamanho de um coelho.

Ela voava freneticamente em direção á única árvore, castigada pelo outono, que ali havia e quando pensei que se chocaria violentamente contra a mesma, ela desapareceu e então resolvi segui-la por pura curiosidade e falta de coisa melhor para fazer.

Nem cheguei a me despedir da figura humana que lia algo, como se eu estivesse mesmo prestando atenção, e rumei até o local onde a estranha criatura branca havia desaparecido.

A medida em que me aproximava, notei que naquela árvore semelhante à um carvalho, havia uma fresta, que aumentava a cada passo que por mim era depositado, nas folhas secas que se espalhavam cobrindo o pouco de verde que ainda existira no chão.

A fenda na árvore se tornara um grande buraco, que permitiria a passagem de uma manada de elefantes voadores tão claros quanto a borboleta.

Debrucei-me sobre aquela estranha passagem e estiquei meu pescoço, que apesar de longo, não me permitiu ver o vulto esbranquiçado que buscava, então inclinei-me um pouco mais e quando dei por mim, já estava em queda livre. Aquilo era realmente muito estranho, mesmo que fosse familiar, já que o percurso parecia interminável e eu definitivamente não sei explicar como aquilo tudo poderia ser possível, já que era apenas uma árvore, e isso ainda nem seria o mais incomum.

Enquanto despencava violentamente me chocando contra as paredes de terra do local, objetos que pareciam "cair pra cima" me atingiam. Eram xícaras, castiçais, cadeiras, instrumentos musicais e vários outros que não consegui distinguir perante à situação.

Já não me importava com a queda e conclui que não teria fim, eu apenas cruzaria o mundo e seria cuspido pelo mesmo buraco que me engolira. Triste engano.

Ouvi um bater de asas familiar, mas não eram da borboleta. Pareciam ser milhões de pequenas asas que vinham de uma nuvem escura que se formou rapidamente abaixo de mim. Eram baratas, uma nuvem de baratas e eu adentrei exatamente ali.

Senti algumas percorrerem meu corpo e destruírem minhas vestes com leves ruídos, enquanto outras mais se alinhavam formando uma camada espessa e pesada sobre minha pele.

Estranhamente, saí daquela nuvem de zumbidos perturbadora e me choquei contra o chão. Levantei-me e notei que vestia agora um blazer negro, que remetia à escamas de cauda de sereia mas que na verdade eram asas de barata em tecido. Continuava com a camisa branca por dentro, calça justa e escura com rasgos no joelho, agora mais evidentes devido à queda, e coturnos da mesma tonalidade envoltos em uma camada fina de terra.

Com toda essa situação esqueci até mesmo de observar o local em que tinha ido parar, então continuei imóvel para analisar o ambiente. Uma sala redonda com paredes cobertas por diferentes tipos de papéis psicodélicos, daqueles que dão dor nos olhos só de observar. Havia também uma mesinha de centro feita de uma madeira escura e tão reluzente quanto as paredes e acima dela uma pequena caixa de música em um tom avermelhado, porém opaco. Notei também uma pequena maçaneta na parte inferior da parede e logo consegui distinguir uma portinha ali, quase imperceptível por estar coberta com o mesmo tipo de papel e tão pequena que apenas camundongos a atravessariam com facilidade.

Foi então que me veio uma nostalgia que antes de eu dar qualquer passo, me fez sentir a sensação de já saber tudo que precisava fazer e onde aquela jornada me levaria.

Harry In DisorderlandOnde histórias criam vida. Descubra agora