Saí da escola apavorada com o peso da bolsa amarelada. Tinha Afonso, tinha vontade, tinha vontade, tinha nome, tinha livro, tinha caderno, tinha tudo lá dentro. E tinha também o seguinte:
A professora mandou a gente fazer uma redação.
Assunto: "O presente que eu queria ganhar". Escrevi que queria um guarda-chuva (já cansei de pedir um lá em casa). Comecei a inventar o guarda-chuva que ele ia ser e as coisas que aconteciam com ele. Quando eu tava no melhor da história, tocou a campainha, a aula acabou, a redação não estava pronta, eu quis escrever o resto da história, a professora não deixou, recolheu o caderno, a turma foi saindo, a história ficou sem fim, e aí pronto: a vontade de continuar escrevendo apertou, desatou a engordar, engordou tamto que eu mal aguentava carregar a bolsa amarela. Andei um quarteirão inteiro. Com Afonso espiando a vida pela janela.
- Puxa, que peso! - E tive que parar pra descansar.
O Afonso botou a máscara e saiu da bolsa:
- Enquanto você descansa eu vou dar uma voltinha por aí. Quem sabe eu encontro uma ideia? - (Ele continuava louco pra lutar pela tal ideia que ele ainda tinha que achar.) Voltou dez minutos depois.
- Achou?
- Não. Mas achei um guarda-chuva. Estava perdido. Fiquei muito contente porque eu andaca querendo te dar um presente. Toma.O Afonso tinha pegado uma mania: era só não ter ninguém reparando, que ele enfiava a cabeça na janela e ficava batendo papo comigo. Mal ele me deu o guarda-chuva, pulou pra bolsa, botou a cabeça pra fora e começou a me contar tudo que o guarda-chuva tinha contado pra ele.
Na hora do guarda-chuva nascer, quer dizer, na hora que ele foi feito, o homem lá da fábrica - que era um cara muito legal e gostava de ver as coisas gostando do que elas tinham nascido - perguntou:
- Você quer ser guarda-chuva homem ou mulher?
E ele respondeu mulher.
O homem então fez um guarda-chuva menor que guarda-chuva homem. E usou seda cor de rosa toda cheia de flor. O cabo ele não fez reto não: disse que o guarda-chuva mulher tinha que ter curva. E pendurou no cabo uma correntinha que ás vezes guarda-chuva homem não gosta de usar.
Fui andando e pensando que eu também queria ter escolhido nascer mulher: a vontade de ser garoto sumia e a bolsa amarela ficava muito mais leve de carregar.
Quando a guarda-chuva viu que o homem estava fazendo o cabo comprido, pediu:
- Ah, me deixa pequena! Quero ser pequena a vida toda. O homem se espantou:
- E se mais tarde você cismar crescer?
- Não sei pra que: ser pequena é uma curtição.
Mas ele ficou cismado:
-Ás vezes a gente quer muito uma coisa e então acha que vai querer a vida toda. Mas aí o tempo passa. E o tempo é o tipo do sujeito que adora mudar tudo. Um dia ele muda você e pronto: você enjoa de ser pequena e vai querer crescer.
- Será?
- É bem capaz.
A guarda-chuva ficou pensando. Pensou bastante e depois resolveu:
-Então tá bom, me faz pequena. Mas bota dentro de mim o jeito de ser grande.
E o homem então fez a Guarda-Chuva do tipo que estica e fica grande se a gente puxar o cabo com força.
Parei e olhei bem para a cara da Guarda-Chuva. Ela era uma graça; era coisa boa, bem feita, parecia até que tinha sido guarda-chuva da tia Brunilda.
-Muito obrigada, viu, Afonso? Eu pensei que só ia ter um guarda-chuva assim no dia que eu fosse grande.
- você ficou mesmo contente, Raquel?
- contentíssima. - E aí virei pra Guarda-Chuva e perguntei: - Por que é que você não queria ser grande, hem?----------------------------------------------------------------------------------
Depois de anos voltei a escrever de novo kkkk
esse cap tá muito grande,então vou dividi-lo em 2 partes.
beijos!
VOCÊ ESTÁ LENDO
A BOLSA AMARELA
Novela JuvenilA bolsa amarela é o romance de uma menina que entra em conflito consigo mesma e com a família ao reprimir três grandes vontades (que ela esconde numa bolsa amarela) - a vontade de ser gente grande, a de ter nascido menino e a de ser escritora. Essa...