Aquela Seria A Última

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   Rubra abriu a janela de seu novo quarto. Olhou o céu por um momento, estava prateado com manchas cinza escuras... Iria chover. Ela suspirou apoiando os braços na base da janela, enquanto encarava os telhados uniformes a sua frente, debruçando seu corpo. Vendo as chaminés se dissiparem no horizonte cinzento. Merda, mais uma mudança. Ela já estava farta delas. Mal conseguia ficar dois meses no mesmo lugar. Parara até de desfazer as caixas. Sabia que em pouco tempo mudaria novamente. Ela odiava aquilo. Odiava aquela vida de andarilho. Sempre fugindo.
   Chega! Ela estava cansada de agir como uma covarde. Sumindo de vista ao menor sinal de perigo. Perigo. O que era o perigo? Sua ideia sobre isso mudara tão repentinamente, ela mudara tão repentinamente. Nem certeza tinha do que era o perigo. Não mais. O vento acariciou o rosto pálido e inexpressivo da garota. Estava cansada. Cansada de mudanças. Cansada de fugir. Não mais – pensou – Já chega.
   Rubra deitou-se na cama recém-colocada e acariciou seus cabelos. Ficou ali até seu telefone retirar sua atenção do teto do quarto. Ela sentou e pegou o mesmo. Viu o nome na tela:
   Tobias Hunt. 
   Ela atendeu:
   - Fala. 
   - Como você está?
   - Como sempre estive. – respondeu tediosa.
   - Escuta Rubra... Eu sei que é difícil... – não, ninguém nunca sabe.
   - Quantas vezes você me disse isso? – interrompeu em desdém.
   - Rubra... – disse com surpresa. Ela suspirou.
   - Me ligou apenas pra isso? Ou tem mais?
   - O que há com você? 
   O que há com ela? Quem sabe? Talvez raiva, raiva de ter que se mudar mais uma vez, raiva de ninguém acreditar nela. De todos acharem que precisa de proteção. De ser vista como alguém dependente. Alguém que tem medo. Estava farta disso. Por que pela primeira vez, ela não estava com medo, mas ninguém via isso.
   - Eu estou cansada Tobias, me ligue outra hora...
   - Rubra espera! A mudança está completa? Eles entregaram tudo? 
   A raiva a consumiu. Mais uma vez. Mas sua voz saiu fria.
   - Tudo o que? O apartamento já estava mobiliado. Você sabe.
   - Eu sei mas.. .
   - Já. Entregaram tudo.
   - Rubra... 
   - Que é?
   - Você está diferente... Está fria. 
   - Acostume-se com isso.
   - Tem algo que eu posso fazer? Algo que você queira? 
   - Quero que pare de tentar ser meu pai. – disse em tom de reprovação.
   - Rubra eu me... 
   - E quero que essa seja a ultima mudança que eu faço! – impostou a voz mais alta.
   - Mas, talvez não seja, você sabe... 
   - Então faça com que seja! Se não eu farei...
   - O que está pensando?! Você não pode... 
   - Não posso o que?! – ela se levantou com fúria. – Não posso me defender sozinha? É isso?
   - Está colocando sua vida em risco! – o grito de preocupação ecoou no telefone.
   - Eu não tenho mais vida nenhuma! Porque a que eu estou vivendo NÃO É MINHA!
   - Rubra pelo o amor de seus pais... Não ponha tudo a perder! 
   Seus pais? Sua mente viajou até o acidente. O dia que os perdera. 
   - Tudo o que? Não tenho mais nada a perder... – disse convicta.
   Então desligou. Nada. Não sobrou nada que ela se importasse. Nada que ela amasse. Ela jogou o celular na cama. Não. Não tinha mais nada a perder. Não tinha mais porque fugir. Porque ser covarde. Rubra foi até a janela novamente e encarou sua nova cidade. Sua ultima. Prometeu a si mesma: com certeza aquela seria a ultima.

                                                                               ~Ӂ~

   Castiel acordou mais sonolento do que o normal. Passara a noite compondo, tocando sua guitarra com maestria. Com preguiça ele desligou o despertador. Sentado na cama, encarou o quarto com tédio. Merda, primeiro dia de aula. Ele lutou contra a vontade intensa de afundar o rosto no travesseiro novamente e voltar ao mundo dos sonhos. Era tentador, mas ele era forte. Venceu a vontade se levantando e indo ao banheiro. 
   Ligou o chuveiro, pensando enquanto se despia na razão de levantar cedo. Saco, não estava nem um pouco a fim de ir para escola. Queria era estar na cama. Cama, pensar nela só aumentava sua preguiça. Castiel bocejou entrando em baixo da agua morna, que agora corria por suas costas. 

   Três meses atrás...

   - Você reprovou de ano! – exclamou o pai fitando o filho em desaprovação.
   - E dai? – falou Castiel indiferente. 
   - Você já vai fazer 18 anos Castiel! E mesmo com todo conforto que nós te damos, sua emancipação, você continua com essa rebeldia?! - o tom do pai se elevou a fúria. – Como irá ser piloto com esse comportamento?!
   - Quem disse que eu quero ser piloto?! – berrou o ruivo para pai.
   - A música não vai leva-lo a lugar algum! – retrucou o homem de cabelos e olhos negros. 
   - Eu não quero “ir” para lugares como você vai! – disse Castiel em cólera. Eles nunca iriam entender, nem sequer sabia por que tentava argumentar – Como se eu quisesse viajar de um lado para o outro, todos os dias, sem sequer dar a mínima pra minha família! 
   - Não se atreva a dizer que não me importo com minha família!
   - Por quê? Se é a verdade!
   - Filho... – começou a mulher a qual Castiel um dia chamou de mãe com a voz branda – Só queremos o seu bem!
   - Se querem o meu bem, então me deixem EM PAZ! – berrou ele esmurrando a porta e saindo de casa. 
   Ele estava farto. Jamais seria piloto. Jamais. Não importava o que seus pais dissessem, o que um dia eles representavam. Porque isso sumira há muito tempo. Castiel caminhou em passos enfurecidos para longe dali. Qualquer lugar. Menos ali. Ele já perdera a conta de quantas vezes discutira com seus pais. Aquela revolta o consumiu. Como ele se atrevia a lhe dizer o que fazer?! O que ser?! Nunca estivera presente! Nunca fizera questão disso... 
   - Filho espere! – gritou a voz de sua mãe tentando alcança-lo.
   - Já disse para me deixar em paz! – respondeu o ruivo acelerando o passo.
   - Seu pai está disposto a um acordo! Espera Castiel!
   Acordo? Castiel parou de repente. Ouviu os últimos passos de sua mãe quando se aproximou. Então respirou fundo. Aquele acordo... Castiel teve um pressentimento ruim.
   - O que ele quer? – disse ainda de costas ela.
   - Eu conversei com ele... – começou ela – Castiel, se você prometer que vai levar a escola a sério, e realmente fizer isso... – Castiel se virou, ficando de frente para sua mãe. – Ele... Nós, desistiremos de sua carreira como piloto.
   O ruivo arregalou os olhos. Aquilo era sério? Não podia ser.
   - Vocês... fariam isso? – indagou ainda sem acreditar.
   - Nós só queremos o seu bem – sorriu ela um pouco aflita – Se cumprir sua parte no acordo, você poderá seguir a música.
   Castiel viu sua mãe hesitar na ultima frase. Algo estava errado.
   - Ele disse isso? – perguntou desconfiado. A mulher desviou o olhar.
   - Sim. – respondeu ela.
   Estava mentindo. Aquilo era mentira com toda certeza. Castiel sentiu a raiva tomar conta de seu corpo. O que ela pretendia com aquilo afinal?! Propor um acordo falso! Castiel sabia que seu pai jamais permitiria ele ser músico, sabia que sua mãe mentira.
   A revolta dentro de si explodia como uma supernova. Mas o ruivo não a mostrara. Ele não cairia nessa.
   - Quero ouvir da boca dele. – falou, chocando sua mãe.
   Ela hesitou, mas assentiu e ambos voltaram para casa.

                                                                               ~Ӂ~

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