Sobre nome
Não sou um escritor daqueles que assinam tudo e tem isso por único oficio; daqueles que procuram uma maneira de saber todas as coisas que há no mundo, um dizer por dizer, um aparecer por necessidade de ser visto, de assinar. Escrevo quando quero e disso não me afasto. Já ouvi Cecília dizer isso um dia, é por isso que repito. Ouvi-la me confortou a escrever continuamente, ainda que outro fosse o sujeito. O escrever é algo que vai além do nome que me deram. Não tem nome o que escrevo.
Essa coisa de ser chamado pelo nome me causa certa estranheza. Pior quando insistem em se apresentar com nome e sobrenome. José Manuel Alves da Silva Morgado Pereira e Batista. Se ter nome já me causa estranheza, imagina se eu me chamasse assim: morreria de tédio, de ter todos os dias que carregar a história dos Alves, dos da Silva, dos Morgados e dos Pereira e Batista. Ou seria dos pereiras e dos batistas? Isso enrosca a gente.
E se meu nome fosse uma mistura de feminino e masculino como Andrea? Isso porque em alguns lugares Andrea é homem e em outros é mulher. Quanto machismo há num simples nome! Andrea é quem quiser!
Tenho certeza que muita gente se surpreenderia, o que seria uma bobagem tal surpresa, pois cada um tem o nome que tem e todas essas coisas que vem carregadas com o nome somos nós mesmos que criamos como uma forma de preconceito, de aparentar por fora, caso um dia eu me chamasse Árvore.
Eu já disse mil vezes e diria outras mil se me perguntassem, gostaria de ser chamado apenas pelo meu nome, aquele primeiro, aquele pelo qual eu fosse lembrado, como se todos fossem o meu mais íntimo amigo a me chamar para um café no meio da tarde. E se fosse Samanta? E se fosse Amanda? E se fosse José? Mané, Manoel, Tonel, qual diferença faria? Achei bonito aqueles que exigiram um nome social. Cada um tem o nome que tem, mas seria bem legal ter aquele que gosta, que se sente feliz: prazer, João Maria José.
Outro dia vi uma moça pedindo para ser chamada de Pablo, era seu nome artístico e também o de batismo. Achei aquilo interessante. "Ser o que se é ainda vai nos levar muito longe" diria Paulo (o Leminski - pra que não haja confusão). Talvez o nome seja isso, apenas uma forma de nos distinguir na multidão. Olha lá o Vitor José! Veja lá o Vitor Hugo! Prazer Vitória João! Pena que nem todo mundo é artista para poder ser chamado pelo nome que quiser e ser lembrado além do nome. Os artistas conseguem essas coisas de ir além do que foi estabelecido, ser de vanguarda. Muitos só serão entendidos daqui há alguns anos, décadas, séculos! Veja Pessoa que até então ninguém se entende sobre ele. Deve cair de rir, onde quer que esteja, por ter o privilégio de ter sido vida e morte chamado de Pessoa. Há algo mais singular que ser chamado de "pessoa" e ninguém entende-lo? Nitidamente não, creio.
Essa coisa de ter sobrenome traz um fardo consigo. - quem é? - é a Maria das Dores. Coitadinha, jamais será Maria do Bonsucesso, ainda que mais feliz seja, será sempre das Dores. E ainda terão os sem noção a sobrenomear aquilo que deu origem, de onde vieram, para onde foram. Enfim, não dá para sermos chamados apenas pelo nome que quisermos? Não basta ter que decorar o RG, o CPF, a senha, o INSS ? Como diria Guimarães: "se pudesse, nem corpo eu tinha" - quem dirá o sobrenome ser importante!
Quanta honraria carrega um nome extenso como uma avenida, de certo, os prazeres e sofreres de várias famílias. Continuarei a militar pelos sem nome, por aqueles que tem histórias para contar, que nada carregam, herdam, mas que sabem da vida o que a vida tem de mais cru e invasivo, o que nem nome tem.
Se um dia insistirem que eu me apresente, com todos os requintes que uma boa apresentação pede, cheia de dizeres e diplomas e títulos, espero que apenas digam, lá vem ele, o Pedro Rodrigo.
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Crônica do Sobrenome
Short StoryEssa crônica faz parte do projeto "Apenas Crônicas". Quando a gente cresce somos mais lembrados por números que pelo nosso nome. Cada um tem o nome que tem, mas seria bem legal ter o nome que gostaríamos, que nos fizesse feliz, assim como o Pablo V...