CINCO

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    Percebi que já estava atrapalhando demais a vida do branquelo, então calei a boca. Irritá-lo não me ajudaria em nada e se ele se irritasse demais, talvez desistisse de me ajudar. Essa relação estava por um fio e eu não podia deixa-lo estourar. Porque eu era o fio e quando estourasse eu estaria muito ferrada.

    Não tinha muita noção de tempo ali. Para mim estávamos andando há horas. A vegetação havia mudado tanto e de tantas maneiras que eu cheguei a duvidar se ainda estava nos arredores de Vila D’aurora.

    - Onde estamos indo? – perguntei.

    - Para minha casa.

    - Uma casa no meio de uma floresta deve chamar muita atenção, não acha? – perguntei, começando a duvidar do branquelo.

    - Isso depende da casa. Acha que eu me escondo nessa floresta há quanto tempo?

    Observei ele andando. A manga da blusa estava dobrada na altura dos cotovelos e tinha manchas marrons. Devia ser uma blusa branca antes, mas agora estava toda amarrotada e encardida.

    - Alguns decêndios. – chutei.

    - Desde a primavera passada. Sabe porque me escondo?

    - Você deve ser um jovem criminoso, assim como eu. – falei.

    Ele riu. A risada dele não era forçada como a dos outros que falavam comigo. Minha vida toda ouvi risadas forçadas. Essa não parecia uma delas. Além disso, o branquelo não tinha aquele brilho de medo nos olhos ou fazia aqueles movimentos estranhos de quando se está nervoso. Ele agia normalmente e isso era novo para mim.

    - Não, longe de mim. Na verdade eu sou um kísértet. Fantasma. BU! – ele falou. Não entendi o que isso significava, se era uma metáfora ou mais uma vez ele estava tentando me assustar com essa coisa de monstros.

    - Como assim? – perguntei.

    - Poucos sabem que eu existo. Para a sociedade eu sou ninguém. Sou um pouco menos que um disforme.

    - Não tem família? É órfão como eu?

    Ele assentiu.

    - O que faz aqui na floresta? Está fugindo de algum orfanato?

    - Não ouviu o que eu disse? Sou um fantasma. Não estou fugindo de ninguém. Só me escondo e trabalho.

    - Trabalha? Com o que?

    - Por que quer tanto saber sobre minha vida? – ele debochou.

    - Porque você é um estranho e terei que conviver com você. Pelo menos por enquanto. – falei dando de ombros.

    - Trabalho fazendo exatamente o que estou fazendo com você. – disse ele, respondendo minha pergunta.

    Naquele momento parei de andar e encarei suas costas. O que ele queria dizer com isso? Estava começando a catastrofizar a situação quando ele percebeu que eu havia parado de andar e se virou para me perguntar se estava tudo bem? Fiz um sinal com as mãos, mostrando que sim, mas eu estava totalmente alerta. Qualquer movimento estranho, qualquer frase suspeita, eu o atacaria, afinal não tinha como saber se realmente ele não me faria mal. Até porque ele contava tudo pela metade e isso já estava começando a me irritar.

    Continuamos andando pela floresta. Eu o observava com cautela. Debaixo daquelas roupas finas dava para perceber que ficavam uns músculos bem definidos. Ele podia até ser magro e alto, mas não era fracote. Se realmente vivia por ali desde a primavera não era tão bobo assim, na região haviam alguns lobos à solta e eu não gostaria nada de encontrar um desses. Ele devia ser bom nisso de se esconder, por isso dizia que era um fantasma. Mas por que se escondia? Ele poderia viver num orfanato e frequentar... Ah, que baboseira. Ele estava certo de viver sozinho. Fiquei com inveja dele por ter essa ideia e eu não.

MILA - Um Conto de A DisformeOnde histórias criam vida. Descubra agora