Perguntei a ela se ela sabia algo de xadrez e mais uma vez a resposta foi negativa, então começando do zero, explicando o funcionamento de cada peça e como ela a movimenta no tabuleiro, expliquei também sobre movimentos especiais como a subida do pião e o En passant. Durante a explicação, enquanto ela passava seus dedos finos nas peças para sentir o contorno dos entalhes um feixe de luz solar ficou sobre seus olhos e eu não pude deixar de reparar nos mesmos. Suas pálpebras eram mais lisas e seus olhos castanhos, como os óculos eram fortes seus olhos ficavam enormes e a franja e cabelo até os ombros afinavam seu rosto. Naquele momento eu senti algo estranho na barriga, não sabia o que era, mas quando ela olhou para mim para indagar-me sobre a movimentação do Rei tive um reflexo quase automático de desviar meu rosto, não sei o motivo de tal ato, porém em conjunto com esta reação senti minhas bochechas quentes.
—E então, como o rei só se meche uma se ele é o rei?— Sempre fazem essa pergunta no xadrez e respondi para ela da mesma maneira que respondo para todos
—É que o rei é o que comanda e por isso não pode se arriscar muito, sem contar que ele sempre deve ficar junto com sua tropa. O xadrez é um simulador de guerra, se você se botar no lugar das peças fica melhor para jogar.
Ela deu um sorriso e quando ia dizer algo o professor entrou na sala e falou que tínhamos 10 minutos para tomarmos banho e irmos para a portão.
—Parece que nossa partida vai ter quer ficar para depois, certo?— Assim eu a perguntei e ela respondeu com um meigo _uhum_, acho que aquela foi a primeira vez na minha vida que senti algo que posteriormente entenderia como paixão, mas em meio a inocência chamávamos isso de gostar de alguém. Como não ficamos suados não foi necessário tomar banho, atravessarmos a rua vazia e voltamos para o pátio da escola após isso fomos direto para o tempo do recreio e por sequência compramos o lanche na cantina como de costume. Sentados na escada começamos a conversar. Eu comecei puxando papo sobre o xadrez.
—Eai, entendeu o xadrez?
Ela respondeu: —Na verdade eu achei meio difícil de jogar, até porque eu tenho dificuldade de enxergar as peças.
—Mesmo de óculos?Perguntei
—Sim, eles me ajudam a ter uma noção melhor de espaço e enxergar as coisas grandes, tipo postes, calçadas, semáforo, mas nada perfeitamente, sempre parece que está tudo borrado. Minha mãe diz que tenho um problema em um negócio do olho, eu não lembro o nome direito, acho que é corno. —Córnea? especulei.
—Sim, isso aí. Respondeu
Enquanto ela comia seu pastel de forno, percebi que ela não usava brinco ou maquiagens, coisa que era comum nas meninas da nossa sala. O barulho do vento soprava nos meus ouvidos, meus cabelos lisos balançavam com o vento assim como os dela. De certa forma eu me sentia liberto, nenhum de meus colegas estavam ali para me julgar ou me zoar mais tarde no Skype e por mais que eu gostasse deles as vezes era bom estar livre do pensamento de outras pessoas, saber que naquele momento você nem passa pela cabeça delas. Enquanto eu viajava em minhas reflexões Hannah me cutucou e disse:
—Qual o seu nome mesmo?
Não sei o motivo, mas aquela pergunta me deu um gelo na barriga, a primeira coisa que veio em minha mente foi ela pesquisando meu nome no Orkut e vendo minhas fotos ridículas com minha mãe, mas como eu não tinha muito tempo para pensar acabei dizendo a verdade:
—Meu nome é Vitor, o seu é Hannah né?
Mais uma vez aquele gentil _uhum_ de boca cheia combinado com um sorriso canto de boca. Terminamos de comer e não demorou muito e o sinal que era para subirmos tocou, mais alguns tempos de aula e pronto, mais um dia escolar completo. O tempo passou e a aula acabou, após guardar o material na minha mochila preta, vi Hannah arrumando suas coisas também devido a isso enrolei um pouco para deixá-la ir na frente. Segui ela como quem não queria nada até a porta do colégio, cogitei falar com ela, mas a vergonha bateu, enquanto andava pela calçada cinza de concreto pude notar Hannah andando a centímetros da parede a sua esquerda, fiquei em dúvida se ela as usava com referência ou tinha medo de passar na beirada da rua movimentada que ficava a nossa direita. Ônibus, falatório e buzinas, os sons da cidade eram perturbadores ao sol quente do meio dia, era possível ver a deformação que o calor exalado do asfalto causava quando olhara ao horizonte, estava de fato muito quente. Continuei meu caminho, porém, notei que Hannah caminhava cada vez mais devagar, devido a isso diminuí o passo também, mas quando ela parou de andar e se curvou notei que havia algo de errado. Comecei a andar mais rápido e a medida na qual eu ia me aproximando minha preocupação ia aumentando, era um sentimento estranho, um mix de preocupação com timidez. Ao chegar nela, puis a mão em seus ombros e perguntei se estava tudo bem, ofegante e com o rosto vermelho ela respondeu —Estou sim, apenas um pouco tonta. Acho que é o calor.
—Eu tenho um pouca de água aqui na mochila, quer? Após minha indagação Hannah responde positivamente, eu pego minha garrafinha do Pokémon com certa vergonha por parecer infantil demais e dou a ela, ela bebe um pouco e me agradece.
—Quer que eu vá com você até em casa?Perguntei inocentemente, Hannah por sua vez entrou na postura novamente, deu uma risada e respondeu com o rosto corado:
—Não, não precisa. EU estou bem até amanhã. Após me responder ela saiu com o passo bem apertado e virou a esquina, eu fiquei parado ali por meio segundo me perguntando o motivo daquilo mas tudo bem, segui meu caminho pra casa e passei o resto da tarde jogando, meus pais chegaram à noite e perguntaram se estava tudo bem comigo, eu respondi que sim e então eles ligaram o Ar condicionado deles e fecharam a porta de madeira do quarto deles. Me deitei e percebi que por ter descoberto o nome da Hannah esqueci de pesquisa-lo no Orkut, porém como meus pais já estavam dormindo eu teria que deixar essa tarefa para amanhã.