CIDADE DOS ANJOS

PREFIXO

       HOUSTON, INGLATERRA
          DEZEMBRO DE 1947

Já era quase meia-noite quando seus olhos tomaram forma. Eles estavam vermelhos e seu olhar era felino. Estavam prontos para causar problema.
Ela não conseguia dormir. Estava preocupada. Desceu as escadas e seguiu até o salão principal onde sabia que o encontraria. Quando passou pela porta de madeira entrou em uma grande sala pintada de cor-de-rosa. Em cada um dos 4 lados haviam estantes enormes, todas repletas de livros. No centro da sala havia uma mesa de madeira antiga para estudos. E ele estava lá, em pé de costas para ela. Estava quase debruçado sobre uma tela branca onde fazia um esboço.
Ela esticou o pescoço para poder ver o que era. Estava curiosa e até perdeu o fôlego quando viu seu rosto na tela.

Foi então que ele sentiu. A presença dela lhe causava a mais peculiar das sensações. Como o calor que emana de uma lareira enquanto queima a lenha até virar cinza.

-- O que faz aqui?-- perguntou ele com rispidez e logo se arrependeu pois sabia que a magoaria.

Ela quase caiu ao ouvir o som da voz dele.

-- Me me desculpe. Eu não queria  atrapalhar. -- guaguejou.

Ele a observou por um segundo como se a estivesse admirando. E então perguntou:

-- Está sem sono?

-- Sim.--  respondeu desajeitada.

-- Pegue um pouco de leite e misture com duas colheres de mel. Isso vai te ajudar a dormir.

Como ele sabia? Isso era o que ela sempre fazia quando não tinha sono. Mas como ele poderia saber disso? Ela pensou em perguntar, mas ao invés disso coçou o braço e disse:

-- Na verdade eu queria falar com você.

-- E o que é tão importante que não pode esperar até amanhã ?

-- Algo está para acontecer. Alguma coisa muito grande.

Quando sentiu o tom de amargura e tristeza que vinha de sua voz, sentiu uma vontade enorme de abraça-la para tentar fazer passar o que fosse que a estivesse fazendo mal. Mas ele sabia que jamais poderia fazer isso. Ele deu um passo na direção dela e perguntou:

-- Como você sabe disso?

-- Eu sinto uma coisa nova. -- respondeu de cabeça baixa.

Ele a observou com atenção. Enquanto ela falava. Depois de um segundo perguntou:

-- E o que é ? -- ele estava rígido e muito preocupado. Somente algo muito grave poderia deixá-la desse jeito.

-- Eu te amo. -- nessa hora ela pôde sentir suas bochechas corarem.

Ele, que estava de cabeça baixa levantou-a no mesmo instante. Procurando por um sorriso no rosto dela seguido da frase " BRINCADEIRINHA", mas ela estava séria e com lágrimas nos olhos. Ele fechou os olhos e respirou fundo. Estava nervoso com o que acabara de ouvir. Não era verdade. Não podia ser verdade. Nunca alguém como ela pôde amar. Mas ela não parecia estar brincando.

-- Isso é impossível.-- retrucou ele, torcendo para que ela não mudasse de idéia e dissesse " Realmente, só estou brincando com você!". Ela não o fez.

-- Eu também pensei que fosse. Mas parece que não é. -- ela estava tão nervosa com a situação que mal conseguia olha-lo nos olhos.

Ele ergueu os olhos e mirou o rosto dela enquanto estendia a mão para que ela a segurasse. Ele acreditava nela.

Depois de pensar por um segundo ela caminhou na direção dele. Talvez, mesmo que por um curto espaço de tempo, esse amor que era praticamente impossível pudesse finalmente acontecer. Levou a mão até a direção da mão dele e a segurou por um instante.
Ele a puxou para si e a abraçou com força, como se aquela fosse a última vez que a veria. Ele sabia que seria.

Ela se aconchegou no peito dele. Depois de um segundo ergueu os olhos para a direção do rosto dele e os fechou de novo enquanto erguia os pés para que sua boca alcançasse a dele. Quando seus lábios se tocaram ele sentiu suas pernas amolecerem.
O calor do corpo dela em contato com o seu era tão excitante que ele mal podia se conter. A boca dela tinha gosto de madressilva e era ainda mais macia do que ele imaginava que seria.
Ele a abraçou e a beijou tão intensamente e com todo o amor que guardara durante meses. Nesse momento uma luz dourada envolveu o casal. Por um segundo tudo era luz e no outro não havia nada.