"Olá, ouvintes! Olá você que também é mulher, mãe, dona de casa e ainda trabalha fora! Este é mais um episódio do podcast Dores e Delícias da Maternidade, onde eu compartilho com vocês um pouco da minha (des)experiência como mãe do Afonso. No episódio de hoje, eu queria contar pra vocês algo que aconteceu esta semana. Como vocês sabem, o Afonso estuda numa escola plural, onde conta com uma auxiliar escolar, a Gabi, que o ajuda nas atividades, a se locomover nos intervalos, na hora de ir ao banheiro e durante as refeições.
"Na última quarta, quando cheguei à escola, o Afonso estava triste, cabisbaixo, e não respondia nem olhava para mim quando eu o chamava. A Gabi estava bem ao lado dele e me contou o que aconteceu: durante o almoço, o Afonso estava apresentando dificuldades em levar o garfo à boca. Normalmente, nós fazemos isso por ele, porém a Gabi começou a desenvolver essa habilidade com ele há pouco tempo. Uma coisa muito importante sobre crianças com deficiência é que nós sempre queremos fazer tudo por eles, por achar que eles não dão conta de fazer quase nada sozinhos. Porém, a Gabi está me ensinando o quanto é necessário desenvolver a autonomia deles, e que muitas coisas eles conseguem fazer sozinhos sim, a gente é que nunca deixa, hehe!
"Então, o Afonso estava lá almoçando, quando um grupo de colegas mais velhos passou por ele no refeitório e, ao ver sua dificuldade em acertar o garfo dentro da boca, começaram a apontar e a rir dele, bem alto. Ao ouvir as risadas, o Afonso imediatamente largou o garfo, que caiu bruscamente dentro do prato, fazendo com que um pouco da comida espirrasse no rosto dele. Isso apenas piorou a situação, e o grupo começou a rir ainda mais dele, contagiando outros alunos que também estavam no refeitório. Com isso, Afonso não quis mais comer, e todas as tentativas da Gabi foram inúteis. Ele ficou em completo silêncio a partir daquele momento, e permaneceu assim até o dia seguinte.
"Preciso dizer que, como mãe, essa situação me irritou ao extremo. Senti muita raiva das crianças que fizeram isso com meu filho. E demorei um tempo para me lembrar de que isso não é culpa delas. É culpa de uma sociedade que trata tudo que é diferente como indesejado, inadequado, motivo de piada e de ódio. Culpa de seus pais e mães que não os educam para entender e abraçar a diversidade. Ser mãe de uma criança com deficiência tem sido um desafio em vários sentidos. Além das dificuldades intrínsecas ao papel de mãe de forma geral, e das especificidades no trato com o Afonso, ainda preciso me preocupar com os outros. Com as opiniões deles e em como elas podem afetar o meu filho.
"Eu sinto o tempo todo que tudo o que eu faço nunca é suficiente. Nunca consigo protegê-lo de tudo. É como se a vida estivesse dizendo na minha cara: 'coisas ruins vão sempre acontecer, não importa o que você faça'. Bom, é isso. Só queria fazer esse desabafo hoje."
Helena desligou o microfone e tirou os fones de ouvido. Não quis editar o episódio daquela semana, iria carregá-lo direto para o site. Iniciou o upload e se levantou da cama, indo checar Afonso que estava na mesa de jantar fazendo o dever de casa com a avó, Ester. Mal entrou no cômodo e já recebeu um olhar de reprovação da mãe, que simplesmente não entendia a necessidade dela em falar sobre sua vida privada para um bando de estranhos.
- Se já tiver terminado sua brincadeira semanal, pode sentar aqui e vir ajudar seu filho, que está precisando de você. – Disse Ester, já se levantando da cadeira. – Essa responsabilidade é sua, e não minha!
Helena não discutiu e nem disse nada, apenas ocupou o lugar que sua mãe acabara de deixar, pegando os cadernos de Afonso para entender do que se tratava a tarefa. Mas Ester ainda não tinha terminado:
- Você devia arranjar um emprego de final de semana. Você já trabalha a semana toda e, quando chega sábado, em vez de ficar com seu filho, se enfia para dentro do quarto para falar sobre suas questões íntimas com pessoas que nem mesmo existem!
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Holiday Tales
Short StoryLivro de contos sobre mulheres e sobre datas comemorativas.