T r ê s

145 15 5
                                    

Talvez eu não entenda esse lance de ser uma pessoa sociável.

É, certamente eu não entendo.

Detesto estar parada no meio do estacionamento exibindo um sorriso ridiculamente bobo.

Detesto mais ainda o fato de estar assim porque Ethan sorriu.

Aquele maldito sorriso é contagioso.

Não me restam dúvidas agora.

- Ou!

Foi a palavra que ele usou para me abordar.

Sério, quem aborda alguém com "ou"?

- Você está me seguindo?

Perguntei me virando para o garoto com um semblante sério.

Ethan abriu os braços como quem dizia "estamos no estacionamento".

Mas é claro, ele tinha um carro e eu...

Bem, eu também tinha um carro.

Só que na verdade eu perdi o direito de dirigir quando tentei suicídio.

Acho que os meus pais imaginam que eu vá me lançar dentro do rio que corta a cidade e fica no meio do caminho para a escola.

Morrer afogada.

Esse era um péssimo jeito de morrer.

Até as autoridades tirarem meu cadáver da água, eu provavelmente ficaria toda enrugada e com uma aparência nojenta. Seria mais doloroso ainda para a minha família.

Minha mãe ficaria histérica tentando achar um culpado para o ocorrido, na intenção, é claro, de afastar o pensamento de que a própria filha se matou.

Meu pai ficaria chocado, pensando em como eu agonizei até meu último suspiro.

Acreditem.

Eu pensei em milhares de formas de morrer e nas diversas reações dos meus pais.

Acho que é a consequência de se ter muito tempo livre.

- Você me abordou com "ou"?

Desvio o assunto, não queria que ele notasse que eu estava atravessando o estacionamento quando na verdade minha bicicleta me esperava na frente da escola.

Ethan olha para os lados, ele parece meio perdido, sem saber o que falar ou fazer.

Então eu me aproveito da situação.

- Não. Volta e faz tudo de novo.

Falo apontando para o caminho do qual ele veio.

- O quê?

Ethan parece ainda mais perdido e eu me esforço ao máximo para conter um sorriso.

- Anda...

Minha voz saí um pouco mais firme e eu faço sinal com as mãos para ele se mexer.

- E dessa vez, vê se não usa mais "ou".

- Ta legal...

Ele da de ombros e começa a voltar.

Solto uma gargalhada abafada e balanço levemente a cabeça em negação.

- Não seja tonto!

Ethan se vira novamente para mim, com o semblante duvidoso.

Logo sua expressão é tomada pelo entendimento.

Mesmo assim ele sorri.

- Olha! Ela tem senso de humor.

Ergo as mãos em rendição.

- Eu tento!

Claro que tento.

- Ótimo. Vai gostar do que eu pensei para o nosso primeiro encontro.

"Encontro?"

- Encontro?

Ele parece achar graça da minha reação.

Trato logo de me recompor, sem acreditar que ele virou o jogo tão rapidamente.

- Quem disse que eu vou a algum lugar com você?

- Sexta fica bom pra você?

Não respondo.

- Esteja pronta as sete!

Ele sorri para mim e dá uma piscadela convencida.

Quando está virando para ir embora, ele para como se tivesse esquecido de falar algo.

- A propósito, você está linda hoje! Devia sorrir mais.

E assim ele segue seu caminho, me deixando no meio do estacionamento, com um sorriso bobo.

Balanço a cabeça para recuperar o foco.

Se fosse qualquer outra garota no meu lugar, ela estaria pulando ou se beliscando para ter certeza de que não estava tendo um sonho. Em seguida ligaria para a melhor amiga e contaria detalhadamente o que aconteceu.

Garotos como Ethan Price tinham esse domínio sobre o resto das meninas.

Mas eu não era assim.

"Devia sorrir mais".

O que ele queria dizer com isso?

Sorrir mais?

Chega a soar patético.

Já basta os sorrisos falsos que eu ando distribuindo para a escola.

Sabe, fingir que você está 100% bem depois de uma tentativa de suicídio é uma reação que a sociedade espera de você.

Então é o que eu faço.

Finjo que estou bem e as pessoas acreditam.

Simples assim.

E então vem Ethan, com todo aquele charme e confiança e diz "sorria mais Cameron", "você está bonita hoje".

Quem ele acha que é?

É o que me pergunto o trajeto inteiro de volta para casa, enquanto pedalava.

As Luzes Ainda Brilham em KennedyOnde histórias criam vida. Descubra agora